O caso Sargento Feliciano e as colocações conjuntas do Partido Militar e Partido da Renovação Trabalhista Brasileiro.

O caso Sargento Feliciano e as colocações conjuntas do Partido Militar  e Partido da Renovação Trabalhista Brasileiro.  (De. R.A.S.J.)

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Alguns dias após a prisão administrativa do já conhecido sargento Feliciano, os dois partidos aos quais o militar em questão está ligado emitiram uma nota conjunta em que expressam apoio a sua atitude. O sargento do Exército escalou a estátua do Marechal Deodoro no Rio de Janeiro usando uma camiseta com a inscrição R$ 0.16,  se referindo ao valor do salário família dos militares brasileiros.

Chamamos a atenção para o excerto a seguir, da nota publicada pelos partidos supracitados. As executivas nacionais e estaduais das referidas siglas, embora reconhecendo a rígida disciplina a que estão submetidos os militares das Forças Armadas, defendem a modernização das legislações militares mais compatíveis com a Constituição Federal de 1988, bem como resolvem por ato UNANIME prestar apoio jurídico ao Sargento Feliciano, disponibilizando suas assessorias jurídico-partidárias, para que o mesmo tenha seus direitos constitucionais preservados.

Pelo trecho acima mostrado, podemos depreender que o PMB acredita que as legislações militares precisam ser modificadas, adaptadas à Constituição federal de 1988.

Numa democracia entende-se que a livre manifestação do pensamento funciona como um dos pilares principais. O livre debate e a constante busca da melhor e mais contextualizada tomada de decisão para o bem de determinado grupo ou parcela da sociedade só pode existir onde ha liberdade de expressão. Não é possível existir democracia sem a livre manifestação do pensamento, motivo pelo qual o seu cerceamento leva ao autoritarismo e ao notório exagero da força por parte daqueles que detém o poder.

Militares atualmente são cidadão plenos. São eleitores e são elegíveis. Cabe então à sociedade estudar a fundo essa questão. Cada vez mais se questiona se é plausível, em pleno sec. XXI, privar cidadãos de manifestar o pensamento, de externar suas opiniões, de discutir sobre assuntos de domínio público? Sem essa liberdade é possível aos indivíduos desenvolver uma compreensão mais aprofundada sobre os problemas que assolam seu próprio grupo e sua relação com a sociedade brasileira como um todo?

Não se trata aqui de assuntos confidenciais. Quanto a esses é obvio que devem ser preservados da discussão ostensiva. Trata-se de assuntos de domínio público, como salário, jornada de trabalho, política, direita, esquerda etc.

O regulamento disciplinar do Exército diz que é transgressão disciplinar: “57. Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária; 58. Tomar parte, fardado, em manifestações de natureza político-partidária; 59. Discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado.”

O código penal militar diz que é crime: “Art. 166. Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo: Pena – detenção, de dois meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.”

Pelo que se observa acima, se um militar simplesmente criticar publicamente uma decisão de um governante poderá ser processado e condenado por isso. Note-se que criticar publicamente pode ir de uma simples conversa entre amigos até uma entrevista para a televisão.

É oportuno conhecer o ótimo texto abaixo, de autoria de Júlio César Lopes da Silva, que versa exatamente sobre os regulamentos disciplinares e código penal militar frente ao estado de direito.

 

Liberdade de expressão dos policiais e bombeiros militares

INTRODUÇÃONo início do exercício profissional na caserna do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso no ano de 2004, teve-se a oportunidade de presenciar as péssimas condições de trabalho, a insuficiência de qualificação técnico-profissional, além de diversas práticas abusivas cometidas pelos superiores contra os servidores de baixa patente.

Tais circunstâncias geram, obviamente, insatisfação e desmotivação nestes servidores, que repercuti diretamente na qualidade da prestação do serviço de segurança pública à sociedade que, por sua vez, deixa de confiar ou valorizar a instituição, fazendo perpetuar o insucesso da segurança pública.

Foi observado, no entanto, que mesmo diante dos problemas e dos abusos, os militares de baixa patente se quedavam inertes e calados por medo de perseguições e mais abuso que vem revestido de uma fictícia legalidade, visto que o Regulamento Disciplinar Militar do Estado de Mato Grosso, Decreto nº 1239, de 21 de abril de 1978, prevê pena de até 30 (trinta) dias de prisão ao militar que criticar ato do governo ou de superior hierárquico ou por recorrer ao judiciário sem antes esgotar a esfera administrativa, pois nunca, dentro da caserna matogrossense, se discutiu a vigência de tal Regulamento Disciplinar que sequer foi recepcionado pela nova ordem constitucional.

Assim, este trabalho visa demonstrar a ilegalidade das normas militares cerceadoras da livre manifestação do pensamento, como afronta à dignidade da pessoa humana do profissional da segurança pública, motivo pelo qual se propõe a criação de políticas públicas para efetivamente garantir o exercício de tal direito, a fim de possibilitar que temas como a discriminação, corrupção, abusos e as demais dificuldades da segurança pública venham à tona para propiciar a plena discussão dos temas relacionados à segurança pública, criando um  ambiente apto para a mudança e melhoria da segurança no Brasil.

Com efeito, há várias regras do Regulamento Disciplinar Militar e do Código Penal Militar que não foram recepcionadas pela nova ordem constitucional, porém o presente trabalho concentrar-se-á apenas no cerne para a solução dos problemas da segurança pública, que é o discurso democrático, a criação, a livre manifestação do pensamento.

A livre manifestação do pensamento é o pilar principal no qual se sustenta a democracia, já que esta se pauta no debate livre à procura da melhor tomada de decisão para o bem comum da sociedade. Não há democracia nem Estado Democrático de Direito sem a livre manifestação do pensamento, motivo pelo qual o seu cerceamento leva ao autoritarismo e ao descontrole da atividade governamental.

A liberdade de expressão é definida como direito natural, decorrente da própria natureza humana, sendo, portanto, um direito fundamental, intransferível e inerente ao direito da personalidade e à dignidade da pessoa humana. É um direito individual com repercussão nos direitos coletivos e difusos, visto que o Estado Democrático de Direito depende de cidadãos informados, conscientes e politizados aptos a tomar decisões para a melhoria da coletividade. Nesse sentido, o Ministro do Supremo Tribunal de Federal, Marco Aurélio[2], sintetiza que a Liberdade de Expressão é um direito fundamental do cidadão, envolvendo o pensamento, a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica.

A Declaração de Direitos humanos e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 11 dispõe que a livre a manifestação do pensamento e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem.

Pontes de Miranda[3] pondera que liberdade psíquica é a base para toda e qualquer liberdade, abrangendo tudo que serve para enunciar e dar sentido, incluindo a liberdade de manifestar para com as demais pessoas ou enquanto ao homem consigo mesmo.

 Norberto Bobbio[4], em obra o futuro da Democracia, define democracia como “um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” e Edilson Faria[5] ensina brilhantemente que democracia e censura são termos antitéticos, antagônicos, inconciliáveis.

Com efeito, a livre circulação de opiniões e pluralismo ideológico faz oposição ao monopólio governamental. Assim, ao se vedar ou limitar o direito à liberdade de expressão, institui-se um sistema antidemocrático e autocrata.

Nesta seara, democracia versus censura, Pinto Ferreira[6], leciona que no Estado Democrático, defende-se, no aspecto positivo, a livre manifestação do pensamento e, sob o aspecto negativo, veda-se qualquer tipo de censura, impedindo que a liberdade de expressão sofra algum tipo de limitação prévia concernentes à censura de natureza política, ideológica ou artística.

Desmond Fischer[7] afirma que a evolução gradual da democracia faz um paralelo com desmistificação do processo de comunicação e a conseqüente disseminação da informação e dos meios de comunicá-la, pois quanto mais pessoas tiverem informações, melhor será a sociedade e mais forte sua base democrática, pois o direito de comunicar-se ultrapassa o conceito legal e alcança o conceito filosófico e ético, já que é no nível político, sócio-culturais, econômicas e legais do direito de comunicar se tornam mais significativos, devendo, portanto, garantir esse direito em sua plenitude.

A manifestação do pensamento, para Aluizio Ferreira[8] É pressuposto para uma convivência democrática plena, uma vez que necessita de discussão, negociação, oposições e embates de idéias, pois estas são instrumentos de que se valem para firmar suas convicções, persuadindo ou convencendo os respectivos pares e obtendo unanimidades ou consensos. 

Todavia, durante o período militar (1964-1985), viveu-se sob uma política governamental autoritária e antidemocrática, movida pela censura e pela manipulação das informações pelo Estado. A liberdade de expressão da sociedade, civil ou mesmo militar, era controlada pela alta cúpula do governo que buscava, independentemente de quaisquer meios ou força, perpetuar-se no poder.

Muita coisa mudou com o fim do governo militar, mas ainda restam resquícios daquele período funesto. A diminuição da censura com advento da promulgação da Constituição da República foi um significativo avanço político, social, cultural e científico ao país, no entanto a censura continua existindo em vários setores da sociedade, com destaque especial às instituições da segurança pública, principalmente as militares, já que nestas instituições vive-se um verdadeiro período de “cala a boca”, propiciada pela aplicação de algumas normas que não foram sequer recepcionadas pelo novo ordenamento jurídico.

Continua AQUI.{jcomments on}

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