A Teoria das Operações Especiais – Parte 2.

Simplicidade

A simplicidade é o princípio mais crítico e, às vezes, o mais difícil de observar. Como se pode elaborar um plano simples? Existem três elementos da simplicidade que são fundamentais para o êxito: a limitação do número de objetivos, boa inteligência e criatividade.

A situação política ou militar impõe os objetivos estratégicos ou operacionais da missão, mas os planejadores geralmente possuem a liberdade de ação para determinar os objetivos táticos, desde que os dois objetivos coincidam. Portanto, é de importância fundamental limitar o número de objetivos táticos àqueles que são vitais. Por exemplo, no início da II Guerra Mundial, Hitler ordenou aos comandos alemães que capturassem o forte belga em Eben Emael, a fim de impedir que os canhões de 75mm e 120mm destruíssem as pontes circunjacentes e engajassem a divisão Panzer alemã que avançava nessa direção. Embora existissem dezenove posições fortificadas (cada uma com duas ou três metralhadoras), os alemães, de início, somente atacaram 9 casamatas. As 10 remanescentes estavam orientadas para o sul, e não representavam uma ameaça para as pontes ou os Panzers localizados ao norte.

Por outro lado, enquanto planejavam a incursão sobre Saint-Nazaire, os britânicos identificaram o dique seco na Normandia como o objetivo principal, e as portas da Comporta Sul e quaisquer outros submarinos alemães acessíveis, como alvos secundários e terciários.9 Contudo, à medida que o planejamento foi progredindo, o número total de alvos principais aumentou de três para onze. Em conseqüência disso, a força de assalto precisou aumentar em 50 combatentes e o efetivo de apoio naval cresceu em mais de 200. Ainda mais, foi necessário acrescentar 10 embarcações de assalto e conduzir mais adestramento, bem como modificar as táticas a fim de implementar essas mudanças. Limitar o número de objetivos a apenas aqueles que forem essenciais orienta o adestramento, diminui o efetivo necessário, encurta o tempo da ação no objetivo e diminui o número de “partes móveis”.

O segundo elemento necessário à elaboração de um plano simples é a inteligência adequada, a qual simplifica o plano, mediante a redução dos fatores desconhecidos e o número de variáveis que devem ser consideradas. Durante a preparação do resgate dos reféns no Aeroporto de Entebbe, o pessoal de inteligência israelense conseguiu identificar o número de terroristas e de guardas ugandenses, seus armamentos, e o seu dispositivo geral. Esta informação permitiu ao comandante da força de ataque, Brigadier-General Dan Shomron, reduzir o efetivo de sua força e empregar somente o que era necessário. Isto melhorou, consideravelmente, o comando e controle, constituindo-se em elemento fundamental do êxito. Antes da incursão sobre a fortaleza em Eben Emael, os alemães obtiveram planos de engenharia que ofereciam uma descrição detalhada das saídas de emergência do forte. Isso era necessário porque se uma parcela dos 650 belgas dentro do forte escapasse, poderia superar a pequena força alemã. Munidos desse conhecimento, os combatentes, após desembarcarem dos planadores, rapidamente destruíram as saídas de emergência, eliminando a capacidade dos belgas de contra-atacar.

Todavia, sempre existirão lacunas na inteligência. A tripulação do minissubmarino que atacou o encouraçado Tirpitz não sabia até que profundidade se estendia a rede anti-torpedo. Em Son Tay, os incursores desconheciam o número exato de prisioneiros de guerra, ou quantos guardas inimigos se encontravam no interior do campo. Em ambos os casos, os executantes levaram em consideração as palavras de Clausewitz: “Grande parte da inteligência obtida na guerra é contraditória, uma parte ainda maior é falsa, e a maior de todas as partes apresenta caráter duvidoso. O que se exige de um planejador é um grande discernimento…A lei das probabilidades deve ser sua diretriz.”10

A tripulação do submarino estava preparada para cortar a rede e continuar seu avanço, caso esta se estendesse 37 m até o fundo do mar. Os analistas de inteligência examinando o campo em Son Tay previram o número de prisioneiros de guerra e de guardas, baseados na quantidade e tamanho dos prédios. Ambas as unidades conceberam seus planos em torno do que se podia razoavelmente prever.

O terceiro elemento que contribui para a simplicidade é a criatividade, a qual simplifica o plano ao ajudar a evitar ou a eliminar obstáculos que, do contrário, poderiam comprometer a surpresa e/ou complicar a rápida execução da missão. A criatividade, normalmente, se manifesta na nova tecnologia, mas também se encontra na aplicação de táticas não-convencionais. O forte em Eben Emael distava 48 km da fronteira com a Alemanha. Se a surpresa tivesse sido comprometida, os belgas teriam tido tempo suficiente para destruir as pontes, as quais eram cruciais para o avanço alemão. As tropas pára-quedistas não podiam transportar o material pesado necessário para destruir as casamatas, e o lançamento por pára-quedas teria dispersado, consideravelmente, a tropa. Hitler ordenou ao General Kurt Student que organizasse uma força de assalto, transportada por planadores, para conquistar o forte. Embora os planadores não constituíssem uma nova tecnologia, esta foi a primeira vez em que foram utilizados em combate, o que surpreendeu os belgas, dando tempo suficiente para permitir que os alemães destruíssem os canhões que estavam orientados para as pontes.

Durante o seu adestramento para a incursão sobre o campo de prisioneiros de guerra em Son Tay, no Vietnã do Norte, o pessoal de Forças Especiais teve dificuldades para engajar alvos à noite. Até mesmo sob as melhores circunstâncias, “a precisão dos tiros desencadeados à noite era em torno de 35%”.11 O melhoramento da precisão era crucial para a rápida execução da missão. Uma semana após identificar o problema, o pessoal das Forças Especiais adquiriu uma mira de baixa intensidade luminosa, disponível no mercado, e a precisão aumentou para 95%.

Em todos os casos, a nova tecnologia ou as táticas inovadoras foram empregadas para ajudar o elemento de assalto a atingir o objetivo e, posteriormente, a eliminar o inimigo com rapidez e eficácia. Planadores, minissubmarinos, torpedos tripulados, aeronaves C-130E equipadas com radar infra-vermelho de rastreamento frontal (FLIR) e contratorpedeiros modificados constituíram-se em novas ou criativas tecnologias especialmente projetadas ou configuradas para derrotar as defesas inimigas e obter a surpresa. Cargas explosivas dirigidas, metralhadoras Bren, demolições especiais, miras de baixa intensidade luminosa, granadas de luz e som, e dispositivos de visão noturna foram vitais para incrementar a rapidez da ação no objetivo.

Embora os três elementos da simplicidade exerçam maior impacto durante a fase de execução, eles devem ser identificados no início de modo a ajudar na elaboração do plano e torná-lo o mais simples possível.  

Segurança

A finalidade de atribuir um elevado nível de prioridade à segurança é impedir que o inimigo obtenha uma vantagem através do conhecimento prévio de um ataque iminente. No entanto, a natureza das operações especiais exige o ataque a uma posição fortificada. Segue-se, portanto, que na paz ou na guerra, o inimigo está preparado para enfrentar um ataque. Dessa forma, mais do que a operação iminente, o que deve ser mantido em sigilo é o momento e, até certo ponto, o meio de infiltração. Por exemplo, os estudantes que ocuparam a Embaixada dos EUA, em Teerã, estavam esperando que esse país tentasse um resgate. Eles cobriram a área aberta com longas estacas de madeira, a fim de impedir o desembarque de forças helitransportadas e o lançamento de tropas pára-quedistas. Embora estivesse ancorado a 97 km da entrada ao estreito de Soroy, na Noruega, o encouraçado Tirpitz estava protegido por redes antisubmarino, redes antitorpedo e dispositivos contra mergulhadores para neutralizar qualquer ataque sob a superfície da água. Os quatro terroristas a bordo do vôo LH 181, da Lufthansa, sabiam que tanto a Alemanha quanto Israel possuíam unidades antiterroristas capazes de atacar, com rapidez, um avião comercial. Os terroristas portavam armas automáticas e granadas, e poderiam ter impedido que o GSG-9 entrasse no Boeing 737.

Na maioria dos casos históricos, o pessoal inimigo guarnecendo os alvos estava adequadamente preparado para defender-se contra o tipo de ataque que sofreram. No entanto, os ataques foram, em sua maior parte, bem-sucedidos. Por quê? A segurança, por parte dos atacantes, impediu que o inimigo levantasse a oportunidade e, em alguns casos, o método de ataque, embora isso não o impedisse de preparar-se para um ataque. Daí a razão pela qual as operações especiais são bem-sucedidas, apesar da preparação defensiva do inimigo. A segurança deve receber o nível mais elevado de prioridade, sem prejudicar, desnecessariamente, a preparação (adestramento e ensaios) ou a execução das operações. Isso é importante para a obtenção da superioridade relativa, porque impede que o inimigo ganhe uma vantagem inesperada. Uma das razões predominantes a respeito do sucesso das operações especiais tem a ver com a capacidade de uma força atacante de levantar o tipo de defesa organizado pelo inimigo. Se a segurança dos incursores não for preservada, o inimigo poderia planejar uma ação de surpresa e, subseqüentemente, antecipar-se ao ataque ou reduzir a possibilidade de rapidez da ação no objetivo. Ambas as ações reduziriam, dramaticamente, a possibilidade da obtenção da superioridade relativa. 

Repetição

Na fase de preparação, a repetição, da mesma forma que a rotina, é indispensável na eliminação das barreiras ao êxito. Quando o grupo-tarefa da força aérea envolvido na incursão sobre Son Tay tentou, pela primeira vez, empregar o helicóptero UH-1H numa formação aérea com o C-130, os pilotos acharam o vôo nessa formação cerrada tão difícil, a ponto de acreditar que não estava dentro da “capacidade do aviador médio do Exército”. Todavia, após voar centenas de horas na mesma configuração, “os procedimentos ensaiados com o…UH-1H [foram] comprovados e [poderiam ser] aplicados em planos futuros.”12

Embora o General Joshua Shani, o principal piloto do C-130 que participou da incursão sobre Entebbe, somente tivesse uma oportunidade para ensaiar o pouso em uma pista curta antes da missão, ele não considerou isto como um problema. Nas suas palavras: “Eu já havia feito centenas de pousos em pistas curtas. Fazem parte do adestramento básico…era uma rotina.”13

Determinadas unidades de combate, tais como as equipes antiterroristas, bombardeiros estratégicos e as equipes de infiltração subaquática SEAL realizam, rotineiramente, missões empregando configurações padronizadas. Esta rotina aperfeiçoa as habilitações táticas, a ponto de permitir uma reação rápida a uma ameaça, desde que esta se encaixe no cenário padrão para o qual a unidade se adestrou. A maioria das operações especiais, porém, varia com relação aos cenários padronizados, o suficiente para exigir o emprego de novos equipamentos e táticas, a fim de solucionar o problema. Quando isso ocorre, torna-se essencial conduzir pelo menos um, e preferivelmente dois, exaustivos ensaios antes da missão. O plano que parecia simples no papel, agora deve ser posto à prova. A necessidade de conduzir ensaios exaustivos é corroborada repetidas vezes. Invariavelmente, quando um determinado aspecto de uma operação não foi ensaiado, ele fracassou durante a execução da missão.

Para citar um exemplo, os britânicos tiveram 18 meses para preparar o seu ataque contra o encouraçado alemão Tirpitz. A missão exigia que os pequenos submersíveis secos, os minissubmarinos X, fossem rebocados durante oito dias através do Atlântico Norte por submarinos convencionais. Isso era particularmente desgastante para as tripulações e, em conseqüência, os navios somente foram rebocados por curtos períodos no transcorrer dos ensaios. Durante a verdadeira operação de reboque, a corda de cânhamo partiu. Um minissubmarino X afundou com a perda de todo o pessoal a bordo, e outro sofreu danos irreparáveis. O Almirante Godfrey Place (oficial comandante do X-7) comentou: “Se tivéssemos rebocado os [minissubmarinos X] durante os oito dias completos, teríamos sabido que as cordas de cânhamo quebrariam.”14**Empregaram-se dois tipos de cordas, cânhamo e náilon. Uma vez que a corda de cânhamo não foi testada durante os oito dias completos, não havia maneira de saber que partiria sob essas condições.Nota da Editoria Brasileira A repetição aperfeiçoa as habilitações nos níveis individual e unidade, ao mesmo tempo em que os ensaios exaustivos revelam as vulnerabilidades no plano. Ambos são essenciais ao êxito no campo de batalha. 

A Surpresa

A Doctrine for Joint Special Operations (Doutrina das Operações Especiais Combinadas) estabelece que a surpresa é a capacidade de “atacar o inimigo em um momento ou local, ou de uma maneira, que o apanhe despreparado.”15 Contudo, em todas as Operações Especiais analisadas, o inimigo estava totalmente preparado para neutralizar a ação ofensiva. Por exemplo, na fortaleza belga de Eben Emael, canhões antiaéreos estavam posicionados na parte superior do forte, a fim de impedir um assalto aéreo; a instalação portuária de Saint-Nazaire estava cercada por baterias costeiras e holofotes visando impedir que navios britânicos navegassem despercebidos pelo Rio Loire; o encouraçado alemão Tirpitz e as belonaves HMS Queen Elizabeth e HMS Valiant estavam rodeados por redes antisubmarino e antitorpedo; o Vietnã do Norte possuía um dos mais densos sistemas de defesa aérea do mundo; 250 italianos mantinham guarda sobre Benito Mussolini; 223 soldados japoneses estavam de guarda sobre os prisioneiros de guerra em Cabanatuan; e o aeroporto de Entebbe, em Uganda, estava cercado por 100 soldados ugandenses, com dois batalhões estacionados nas proximidades. Em cada um desses casos, o inimigo estava preparado para impedir um assalto contra sua posição e, no entanto, a supressa foi obtida em todos eles.

De um modo geral, as forças de operações especiais não se podem dar o luxo de atacar o inimigo no momento ou no local onde esteja despreparado. Tais forças devem atacar, apesar da preparação do inimigo. A surpresa significa, literalmente, apanhá-lo desprevenido. Esta sutil diferença não é uma mera questão de semântica. Da mesma forma que dois pugilistas no ringue, cada um está preparado para neutralizar o soco do outro. No entanto, apesar da sua preparação, alguns socos atingem o alvo. Numa operação especial, a surpresa é obtida através da dissimulação, da sincronização e do aproveitamento das vulnerabilidades do inimigo.

Quando bem-sucedida, a dissimulação impele o inimigo a desviar a sua atenção da força atacante, ou retarda a sua resposta o tempo suficiente para obter-se a surpresa no momento vital. Por exemplo, durante a incursão sobre Son Tay, a Força-Tarefa de Navios-Aeródromos 77, da Marinha, realizou um ataque diversionário, com três navios-aeródromos, cuja finalidade era “negar ao inimigo a opção de concentrar a sua atenção [na] verdadeira missão principal”.16 Esta ação diversionária teve excelente resultado, pois permitiu que a força atacante, helitransportada, penetrasse as defesas aéreas do Vietnã do Norte e pousasse despercebida no campo de prisioneiros de guerra. A dissimulação que desvia a atenção do inimigo pode ser arriscada. Quando não produz a resposta adequada, essa ação acarreta, normalmente, conseqüências desastrosas. Em Saint-Nazaire, a Royal Air Force recebeu a missão de bombardear a cidade portuária, a fim de desviar a atenção dos alemães da pequena armada que navegava, sigilosamente, pelo Rio Loire. Infelizmente, a incursão aérea nada mais fez do que elevar o nível de alerta dos alemães e impedir que fossem apanhados de surpresa.

Embora a dissimulação que desviou a atenção do inimigo tivesse excelente resultado para os incursores de Son Tay, na maioria das operações especiais, a dissimilação é mais bem utilizada para retardar a ação inimiga. Por exemplo, quando atacaram o aeroporto em Entebbe, os israelenses utilizaram um Mercedes, semelhante ao que usavam os dignitários ugandenses, para retardar, momentaneamente, a ação dos guardas. Quando pousou em Gran Sasso para resgatar Mussolini, Skorzeny trouxe consigo um general italiano de elevado posto, acreditando que “a mera presença [do general italiano] provavelmente criaria uma certa confusão… um tipo de hesitação que os impediria de resistir de imediato ou de assassinar o Duce”.17 A sua suposição resultou acertada, e a confusão adicional proporcionou-lhe o tempo suficiente para alcançar Mussolini. Conforme é demonstrado em vários dos casos analisados, a dissimulação pode até ser um instrumento útil para a obtenção da surpresa, mas não se deve depender excessivamente dela. Normalmente, é melhor retardar a reação do inimigo do que desviar a sua atenção.

A hora do ataque constitui-se em um fator fundamental para a obtenção da surpresa. A maioria das forças atacantes preferem investir sobre o alvo à noite, principalmente porque a escuridão proporciona cobertura. Pressupõe-se também que o inimigo esteja cansado, menos alerta e mais suscetível à surpresa. Mas, por outro lado, a noite freqüentemente aumenta o estado de alerta, e cada missão deve considerar as alternativas de um ataque noturno. Várias das operações mais bem-sucedidas foram conduzidas durante o dia, obtendo um elevado grau de surpresa. Skorzeny, por exemplo, pousou em Gran Sasso às 1400 hs sabendo que os guardas italianos já teriam acabado de almoçar e estariam descansando. Os alemães que atacaram Eben Emael pousaram ao alvorecer. A luz matutina proporcionou iluminação suficiente para o pouso dos planadores, enquanto muitas das guarnições dos canhões belgas ainda se encontravam na cidade circunvizinha. Os minissubmarinos que destruíram o Tirpitz também atacaram durante a manhã. Os meios de inteligência britânicos haviam informado aos tripulantes que o equipamento de sonar do encouraçado ia ser reparado durante a manhã do ataque e, portanto, não estaria operacional. Nas operações especiais, o inimigo estará preparado; a questão é: quando estará ele menos preparado e que momento proporcionará os maiores benefícios para a força atacante?

Toda defesa tem um ponto vulnerável. A obtenção da surpresa significa aproveitar essa vulnerabilidade. Embora os norte-vietnamitas possuíssem a mais extensa rede de defesa aérea da Ásia, os meios de inteligência da força aérea conseguiram encontrar um hiato de cinco minutos no ciclo de rodízio do radar. Isso permitiu ao C-130 e aos helicópteros infiltrarem os incursores de Son Tay, no Vietnã do Norte, sem serem detectados.

Os britânicos enfrentaram um problema semelhante durante a II Guerra Mundial. A Royal Air Force havia tentado, inúmeras vezes, afundar o encouraçado Tirpitz. Ancorada em Kaafjord, na Noruega, a belonave estava protegida por baterias antiaéreas, e seus armamentos de autoproteção incluíam 16 canhões antiaéreos de 4.1 polegadas, 16 de 37mm e 80 de 20mm. Além disso, a maior parte do navio possuía uma blindagem de 12 polegadas. Todavia, o ponto vulnerável do encouraçado era sua quilha levemente blindada. Foi esse ponto, a vulnerável parte inferior, que os britânicos decidiram atacar. A surpresa foi obtida por dois minissubmarinos (X-6 e X-7), quando penetraram as defesas alemãs e colocaram seus explosivos. No caso do Tirpitz, a vulnerabilidade na defesa era um termo relativo. Os alemães organizaram defesas antisubmarino e antitorpedo; contudo, comparadas com as defesas antiaéreas, aquelas eram consideravelmente mais fracas.

Muitos táticos consideram o princípio da surpresa o fator mais importante de uma operação especial bem-sucedida. Acreditam, equivocadamente, que a surpresa proporciona a vantagem decisiva sobre o inimigo, e que o ato de meramente apanhar o inimigo despreparado assegura a vitória da força atacante. Esse não é o caso. A surpresa é inútil e, de fato, impossível de se obter sem os outros princípios. De que adianta surpreender o inimigo, se não possuímos o equipamento adequado para enfrentá-lo? A superioridade relativa somente é atingida através da correta aplicação de todos os princípios. A surpresa é essencial, porém não deve ser considerada isoladamente. É importante apenas como parte integrante da pirâmide de princípios.

  

Rapidez

Numa missão de operações especiais, o conceito de rapidez é simples. Alcançar o objetivo o mais rápido possível. Qualquer retardo ampliará a sua área de vulnerabilidade e diminuirá a sua possibilidade de atingir a superioridade relativa.

Referindo-se à guerra em termos gerais, o Fleet Marine Force Manual (FMFM 1-3) estabelece: “Como todas as coisas na guerra, a rapidez é relativa”18. Esta observação constante no FMFM 1-3 pode ser verdadeira na guerra convencional ou de grandes proporções, onde as forças manobram no campo de batalha e se ajustam a certos avanços táticos, mas, nas operações especiais, o inimigo está organizado em posições defensivas e sua única motivação é neutralizar o ataque. Dessa forma, a vontade de resistir do inimigo é uma variável conhecida, e a sua capacidade de reagir é constante. Conseqüentemente, com o passar do tempo, as fricções da guerra atuam contra as forças de operações especiais, ao invés de contra o inimigo. É essencial, portanto, deslocar-se o mais rápido possível, independentemente da reação do inimigo.

Por exemplo, nos dois casos envolvendo ataques com submarinos – a incursão dos minissubmarinos X contra o Tirpitz e o ataque do torpedo tripulado italiano contra a frota britânica na Alexandria -, as forças atacantes avançaram clandestinamente. O inimigo não percebeu a sua presença e, portanto, não estava tentando se opor à vontade da força atacante. No entanto, a rapidez não foi relativa, tornando-se um fator vital ao êxito da missão. Os minissubmarinos X, que haviam navegado pelo Atlântico Norte dois dias antes, começaram a sofrer panes catastróficas nos seus sistemas elétricos e de lastração. A cada minuto que passava, o lastro e a estabilidade de um dos minissubmarinos iam se agravando, fazendo com que se inclinasse 15 graus para bombordo. O tempo tornou-se um fator tão vital que o comandante do submarino, Tenente Don Cameron, ao invés de atravessar clandestinamente a rede antitorpedo, decidiu emergir e investir impetuosamente contra o Tirpitz. Esta ação foi tomada com grande risco ao êxito da missão, mas Cameron conscientizou-se, claramente, de que o tempo, e não os alemães, passara a ser o seu maior inimigo.

Os homens-rã italianos que infiltraram no Porto de Alexandria a bordo de submarinos tripulados estavam constantemente expostos à água fria. Sabiam que, mesmo que o inimigo não os descobrisse, sucumbiriam às forças da natureza e ao desgaste físico. À medida que se aproximava do HMS Valiant, o Tenente Durand de la Penne relembrou: “A sede me atormenta… Não posso continuar trabalhando devido à extrema fadiga e à falta de ar.”19 Ele estava ciente de que “a rapidez era essencial… [se fosse forçado a emergir devido à fadiga] o alarme seria dado, cargas de profundidade seriam lançadas e [a] operação… estaria fadada ao fracasso.”20 No entanto, devido à rapidez com que trabalhou, somente foi descoberto após subir à superfície. Horas mais tarde, a ogiva do torpedo tripulado explodiu e o HMS Valiant afundou no Porto de Alexandria. Em ambos os casos, o inimigo não foi um fator decisivo, mas o tempo ainda atuava para impedir o desfecho bem-sucedido da operação.

A maior parte das operações especiais envolvem o contato direto e, na maioria dos casos, imediato com o inimigo, em que minutos e segundos podem determinar a diferença entre o êxito e o fracasso. Das missões bem-sucedidas analisadas nesta obra, foi apenas na incursão contra SaintNazaire que os atacantes demoraram mais de 30 minutos desde o ponto de vulnerabilidade até a obtenção da superioridade relativa. Na maioria dos demais casos, a superioridade relativa foi obtida em cinco minutos, tendo as missões sido completadas em 30 minutos.**Houve alguns casos – por exemplo, a incursão contra o campo de prisioneiros de guerra em Cabanatuan, a incursão sobre Son Tay e o resgate de Mussolini por parte de Skorzeny – em que a missão não foi concluída até que a viagem de retorno foi completada.- Nota da Editoria Brasileira*O X-10, comandado pelo Tenente Ken Hudspeth, foi designado para atacar o Scharnhorst, um cruzador alemão que distava a menos de 2km do Tirpitz. Hudspeth passou por dificuldades mecânicas semelhantes, mas suas ordens claramente o proibiam de atacar, se existisse a possibilidade de o ataque comprometer a destruição do alvo principal, o Tirpitz.-Nota da Editoria Brasileira

Para obterem a surpresa e incrementarem a rapidez, as forças de operações especiais, geralmente, possuem limitado efetivo e estão levemente armadas, sendo, portanto, incapazes de durar na ação contra um inimigo convencional por longos períodos de tempo. A incursão contra Saint-Nazaire mostra os problemas que surgem quando as forças de operações especiais tentam prolongar o engajamento. Quando o número de objetivos em Saint-Nazaire aumentou de 3 para 11, a operação requereu que os comandos permanecessem em terra por mais tempo, a fim de destruir esses alvos. Num memorando aos chefes do estado-maior sobre a Operação Chariot, o assessor do Comando de Operações Combinadas avisou que, para atingir todos os objetivos, “Toda a força… [necessitaria] permanecer em terra por um período máximo de 2 horas.”21 Quaisquer vantagens obtidas pelos comandos através da surpresa foram perdidas na execução, pelo fato de planejar uma operação que precisou de duas horas de ação contínua. Isso exigiu que sua força levemente armada, e em alguns casos desarmada, travasse combate contra uma brigada antiaérea alemã, fortemente armada, integrada por 300 soldados (os armamentos destas unidades, incluindo o canhão antiaéreo de 88mm, podiam ser empregados, com devastadora eficácia, contra os elementos terrestres). Clausewitz adverte: “Quanto mais restrito for o efetivo, tanto mais restritos deverão ser os objetivos; ainda mais, quanto mais restrito for o efetivo, tanto mais limitada será a duração.”22 Adicionalmente, durante esse período de duas horas, as 17 lanchas que transportaram os comandos até Saint-Nazaire haviam permanecido expostas ao mortífero fogo proveniente das defesas costeiras. Em apenas 90 minutos, quase todas haviam sido destruídas ou haviam retrocedido. Se os comandos tivessem atacado e exfiltrado rapidamente, a probabilidade de concluir a missão teria aumentado dramaticamente.

Nas operações especiais, a rapidez é uma função do tempo e não, conforme alguns sugerem, um fator relativo influenciado pela vontade de resistir do inimigo. Apesar dos esforços do inimigo, a superioridade relativa pode ser obtida, principalmente, porque a força atacante se desloca com tal rapidez que a reação do inimigo deixa de ser um fator preponderante.

  

Propósito

O propósito implica em entender e, posteriormente, atingir o principal objetivo da missão, independentemente dos obstáculos ou das oportunidades que se apresentem. Este princípio tem dois aspectos. Em primeiro lugar, o propósito deve estar claramente definido pelo enunciado da missão: resgatar os prisioneiros de guerra, destruir o dique seco, afundar o encouraçado, etc., e ser elaborado de modo a assegurar que no calor da batalha, aconteça o que acontecer, o combatente individual entenda o objetivo principal. Por exemplo, durante o ataque dos minissubmarinos X contra o encouraçado Tirpitz, o X-6 tinha avarias no seus principais equipamentos (o periscópio de ataque estava quebrado, a carga de demolição de bombordo estava inundada, água estava entrando no compartimento principal e o minissubmarino estava inclinado 15 graus para bombordo). O Tenente Don Cameron tinha de tomar a decisão de atacar ou retroceder. Se atacasse e fracassasse, existia a possibilidade de que pudesse comprometer o êxito dos outros dois minissubmarinos X, também designados para atacar o Tirpitz.* Após refletir sobre o propósito da missão, segundo definido pelas ordens de operações recebidas, Cameron decidiu atacar. Suas ordens estavam claras. Se o minissubmarino ainda funcionasse e estivesse equipado com, ao menos, uma carga explosiva, devia concluir a missão.

Durante o ataque contra a frota britânica no Porto de Alexandria na II GM, os homens-rãs italianos, Capitão Vincenzo Martellota e seu companheiro de mergulho, Suboficial Mario Marino, já tinham colocado o seu torpedo tripulado sob um cruzador britânico de grande porte, quando perceberam que era o alvo errado. Eles haviam arriscado suas vidas evitando pequenos navios de proteção, cargas de profundidade e a segurança do porto. E embora o afundamento do cruzador tivesse sido aceitável, não era o navio que deviam atacar. Em conseqüência disso, Martellota se afastou da belonave e continuou em frente. Eventualmente, os italianos atingiram o seu alvo designado, um navio-petroleiro de grande capacidade. Ao seguir as ordens à risca, Martelloto e Marino não só afundaram o navio-petroleiro, mas também causaram grandes danos a um contratorpedeiro que estava amarrado ao seu lado. Nos casos britânico e italiano, os homens receberam ordens claramente definidas que orientaram suas ações no calor da batalha e direcionaram seus esforços para o que era importante.

O segundo aspecto do princípio de propósito é o compromisso pessoal. O Tenente-Coronel Henry Mucci, Comandante do 6º Batalhão de Rangers que resgatou 512 prisioneiros de guerra de um campo de concentração japonês, entendeu a necessidade do estabelecimento de um compromisso pessoal. Antes da operação, ele ordenou aos seus Rangers: “Ponham-se de joelhos agora mesmo e rezem! Diabo… não o simulem! REZEM… para valer. E quero que cada um de vocês faça um juramento perante Deus… Jurem que morrerão combatendo antes de permitir que esses prisioneiros de guerra corram perigo!23

De modo semelhante, o General Joshua Shani, Comandante da força aérea em Entebbe, comentou vários anos após a incursão: “Estávamos completamente empenhados em concluir a tarefa…Combatíamos por Israel.”24

O propósito da missão deve ser plenamente entendido antes da sua realização, sendo imprescindível que os executantes sejam inspirados por um sentido de dedicação pessoal que não tenha limites. O Capitão Otto Skorzeny disse certa vez: “Quando um homem é motivado pelo simples entusiasmo e pela convicção de que está arriscando a sua vida por uma causa nobre… ele traz consigo os elementos essenciais ao êxito.”25 Numa época de alta tecnologia e de Cavaleiros Jedi, freqüentemente desprezamos a necessidade do envolvimento pessoal, e, em assim fazendo, corremos um grande risco. Conforme advertiu Clausewitz: “Os teóricos estão inclinados a considerar o combate, friamente, como um teste de força, sem qualquer participação das emoções, e este é um dos milhares de erros que eles cometem deliberadamente, porque não percebem suas conseqüências.”26

Os princípios das operações especiais acima definidos não foram meramente extraídos dos princípios de guerra convencionais. Eles representam elementos únicos da guerra que somente as forças de operações especiais possuem e podem empregar com eficácia. 

O texto é um extrato da Tese de MacRaven. O material completo pode ser obtido em: https://www.afsoc.af.mil/Portals/1/documents/history/AFD-051228-021.pdf

Ver primeira parte.

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Sociedade Militar