Teoria de Operações Especiais. Parte 1.

A Teoria das Operações Especiais

William H. McRaven, oficial da Marinha dos EUA . Almirante da Reserva. Foi comandante das Forças Especiais Norte americanas de agosta de 2011 a agosto de 2014.

Na área da literatura militar, muito se tem escrito sobre a teoria da guerra, desde o pensamento de Herman Kahn acerca da temível extremidade nuclear do espectro, até a guerra indireta de B. H. Liddell Hart na extremidade convencional. Existem teorias sobre a escalada e a conclusão da guerra, teorias sobre a revolução e a contra-revolução, teorias sobre a insurreição e a contrainsurreição, bem como teorias gerais sobre o poder aéreo e o poder marítimo; e outras mais específicas sobre o bombardeio estratégico e a guerra anfíbia. Entretanto, não se encontra nenhum registro a respeito de uma teoria sobre as operações especiais.

 Qual a importância de uma teoria das operações especiais? Uma operação especial bem-sucedida contradiz o conhecimento convencional, pois prescreve o emprego de uma força de pequeno efetivo para derrotar um adversário bem mais numeroso ou estacionado em bases fortificadas. Este livro formula uma teoria das operações especiais que expõe o porque da ocorrência deste fenômeno. Irei mostrar que, através do emprego de certos princípios de guerra, uma força de operações especiais pode reduzir as chamadas “fricções da guerra”, de Carl von Clausewitz, a um nível aceitável. Ao minimizar estas fricções, a força de operações especiais pode obter uma superioridade relativa sobre o inimigo. Uma vez obtida essa superioridade, a força atacante deixa de estar em desvantagem e pode tomar a iniciativa a fim de aproveitar as vulnerabilidades do inimigo e assegurar a vitória. A obtenção da superioridade relativa é um fator necessário, mas, por si só, insuficiente para garantir o êxito. Se pudermos determinar, antes da operação, a melhor maneira de obter a superioridade relativa, poderemos modificar o planejamento e a preparação das operações especiais para aumentar a possibilidade de alcançarmos o êxito. Esta teoria não fará do leitor um melhor mergulhador, aviador ou pára-quedista, mas lhe proporcionará um embasamento intelectual para refletir sobre as operações especiais. O gráfico da superioridade relativa que será apresentado na Figura 1, constitui-se num instrumento para determinar a viabilidade de uma possível operação especial.  

O Escopo deste Estudo

 Para desenvolver uma teoria de operações especiais, inicialmente, há que se limitar o escopo do problema. Isso exigiu a formulação da seguinte definição aperfeiçoada de operação especial: “Uma operação especial é conduzida por forças especialmente adestradas, equipadas e apoiadas visando um alvo específico, cuja destruição, eliminação ou resgate (no caso de reféns) constitui-se em imposição política ou militar.”** A Joint Pub 3-05 estabelece que as missões de ação direta são “projetadas para a obtenção de resultados específicos, bem-definidos e que, com freqüência, dependem do tempo. Eles têm importância estratégica, operacional, ou são críticos do ponto de vista tático.” Abrangem ataques contra alvos vitais, interdição de linhas de comunicações, localização, captura ou recuperação de pessoal ou material, ou a captura, destruição ou neutralização de instalações críticas.-Nota da Editoria Brasileira.

Esta definição não coincide com a apresentada na doutrina combinada oficial norte-americana, a qual define as operações especiais de uma forma abrangente, compreendendo as operações psicológicas, assuntos civis e reconhecimento. As oito operações de combate que estão analisadas neste livro para determinar os princípios das operações especiais e formular a teoria respectiva se encaixam mais adequadamente no que o Joint Pub 3-05 define de “Missão de Ação Direta”.* .* A Doctrine for Joint Special Operations [Joint Pub 3-05] define as Operações Especiais como “operações conduzidas por forças militares e paramilitares especialmente organizadas, adestradas e equipadas, visando a consecução de objetivos militares, políticos, econômicos ou psicológicos por meios militares não-convencionais em áreas hostis, interditadas ou politicamente sensíveis.

Tais operações são conduzidas em tempo de paz, conflitos e guerras, independentemente ou em coordenação com operações realizadas por forças convencionais, não adestradas em Operações Especiais. As considerações político-militares freqüentemente modelam as Operações Especiais, exigindo técnicas clandestinas, sigilosas e a supervisão no nível nacional. As Operações Especiais diferem das convencionais nos níveis de risco físico e político, técnicas operacionais, modalidades de emprego, independência do apoio de forças amigas, e dependência de inteligência operacional detalhada e de meios locais.

  Por que são as Operações Especiais Singulares?

 Todas as operações especiais são conduzidas contra posições fortificadas, quer seja um encouraçado cercado por redes antitorpedo (a incursão dos minissubmarinos britânicos contra o encouraçado alemão Tirpitz), um reduto nas montanhas protegido por tropas italianas (o resgate de Benito Mussolini, liderado por Otto Skorzeny), um campo de prisioneiros de guerra (a incursão dos Rangers sobre Cabanatuan e a incursão das forças especiais dos EUA sobre Son Tay), ou um avião comercial seqüestrado (o resgate de reféns em Mogadíscio, levado a cabo pela unidade antiterrorista alemã GSG-9). Estas posições fortificadas são características de situações onde o inimigo adotou uma posição defensiva.

 Em seu livro On War, Carl von Clausewitz observou: “a modalidade defensiva da guerra em si é mais vigorosa do que a ofensiva. [Ela] contribui para o poder de resistência, ou seja, a capacidade de autopreservação e proteção. Dessa forma a defesa, em geral, tem uma finalidade negativa, que é a de resistir à vontade do inimigo… Se é que desejamos desencadear uma ofensiva para impor a nossa vontade, devemos possuir força suficiente para superar a inerente superioridade da defesa inimiga.”2 A teoria da guerra proposta por Clausewitz estabelece que, para derrotar “a modalidade mais vigorosa da guerra”, a melhor arma de um exército é a superioridade numérica. “Neste sentido, admite-se que tal superioridade seja o fator mais importante no desfecho de um engajamento, desde que seja suficientemente grande para compensar as demais circunstâncias. Depreende-se, portanto, que o maior número possível de tropas deve ser empregado no ponto decisivo do engajamento.”3

Nenhum combatente questionaria o benefício da superioridade numérica. Todavia, se ela constitui o fator mais importante, como é que 69 comandos alemães foram capazes de derrotar uma força belga de 650 soldados, protegidos pela maior e mais compacta fortaleza da época, o forte em Eben Emael? Como pode uma força de operações especiais numericamente inferior, que tem a desvantagem de atacar a modalidade mais vigorosa da guerra, obter a superioridade sobre o inimigo? Quem entender este paradoxo, entenderá as operações especiais.

 

Superioridade Relativa

 A superioridade relativa é um conceito essencial à teoria das operações especiais. Simplesmente dito, a superioridade relativa é uma condição que existe quando uma força atacante, geralmente menor, obtem uma vantagem decisiva sobre um inimigo maior ou bem-fortificado. A importância do conceito de superioridade relativa reside na sua capacidade de mostrar quais os vetores positivos que influenciam o êxito de uma missão e como as fricções da guerra afetam a consecução do objetivo. Nesta seção, iremos definir os três atributos básicos da superioridade relativa e mostrar como se manifestam em combate.

 A superioridade relativa é obtida no momento decisivo de um engajamento. Por exemplo, quando os alemães atacaram o forte belga em Eben Emael durante a II Guerra Mundial, eles conquistaram uma vantagem decisiva – a superioridade relativa – sobre o inimigo, cinco minutos após o engajamento inicial, tendo empregado planadores e cargas explosivas dirigidas para obter a surpresa e a rapidez necessárias para subjugar, no menor tempo possível, o inimigo. Embora os belgas combatessem por mais 24 horas, o combate dependeu das ações iniciais, estando o desfecho praticamente assegurado.

 Em alguns casos, o momento decisivo surge antes do combate. Em 1943, os britânicos modificaram um velho contratorpedeiro, o HMS Campbeltown, carregando-o com 4 1/2 toneladas de explosivos e protegendo-o com blindagem. Após cruzar o Canal da Mancha, o navio arremeteu contra o dique seco, ocupado pelos alemães, em Saint-Nazaire, na França, tornando-o inoperante pelo resto da guerra. Embora as defesas alemãs em torno de Saint-Nazaire fossem as mais fortes no Atlântico, quando o HMS Campbeltown alcançou o ancoradoro exterior do porto (a cerca de 3km do dique seco), os alemães já não podiam detê-lo. A essa altura, antes do início das hostilidades propriamente ditas, a superioridade relativa já havia sido obtida. O ponto em que esta é obtida também é, freqüentemente, o ponto de maior risco. Quanto mais se aproximar a força atacante, tanto mais fortes serão as defesas. No entanto, uma vez superado o obstáculo decisivo, a probabilidade de êxito é consideravelmente maior do que a probabilidade de fracasso, obtendo-se, assim, a superioridade relativa.

 Uma vez obtida a superioridade relativa, esta deve ser mantida a fim de assegurar a vitória. Quando da tentativa de resgate do ditador italiano Benito Mussolini, o Capitão Otto Skorzeny, das SS, conduziu um assalto aéreo (com planadores) contra um reduto italiano no alto da Montanha Gran Sasso, nos Apeninos. Quatro minutos após desembarcar, Skorzeny penetrou no hotel e libertou Mussolini. A esta altura, a superioridade relativa havia sido obtida, mas, para que a missão fosse bem-sucedida, Skorzeny ainda tinha de extrair Mussolini do alto da montanha e assegurar o seu retorno a Roma. Este período entre a libertação de Mussolini e o término da missão requereu a manutenção da superioridade relativa, o que foi possível graças à audácia de Skorzeny e às tropas convencionais que reforçavam a pequena força de comandos.

 A capacidade de manter a superioridade relativa freqüentemente exige a intervenção da coragem, do intelecto, da audácia e da perseverança, ou do que Clausewitz chama de “fatores morais”. Para citar um exemplo, durante a II GM, o Tenente Luigi Durand de la Penne, um homem-rã italiano, entrou clandestinamente no porto de Alexandria a bordo de um torpedo tripulado. Ele e seu segundo mergulhador desbordaram uma rede antisubmarino, cargas de profundidade, pequenos navios de proteção, a segurança do porto e uma rede antitorpedo para chegar ao encouraçado britânico HMS Valiant. Eles só tinham que colocar explosivos na quilha do navio para que a missão fosse bem-sucedida. Infelizmente, à medida que Durand de la Penne manobrava o torpedo tripulado sob o casco do HMS Valiant, o submersível começou a ganhar lastro e afundou na lama. Agravando ainda mais a situação, seu segundo mergulhador perdeu os sentidos e flutuou até a superfície. Fisicamente exausto pelo mergulho prolongado e afetado pela água gelada que penetrava na sua roupa de neoprene rasgada, Durand de la Penne passou os próximos 40 minutos posicionando o torpedo sob o HMS Valiant. Foi somente graças a sua tremenda perseverança e coragem (dois dos quatro fatores morais) que ele conseguiu manter a superioridade relativa e concluir a missão.

Se a superioridade relativa for perdida, será difícil recuperá-la. Após a investida do Campbeltown contra o dique seco em Saint-Nazaire, o plano previa que oitenta comandos a bordo do navio desembarcassem e destruíssem alvos em volta da instalação portuária. Embora os comandos tivessem atingido uma marcante vantagem tática quando investiram contra o dique seco e surpreenderam os alemães, os marinheiros e soldados germânicos logo intervieram e retardaram o avanço dos comandos enquanto tentavam destruir os alvos em terra firme.

Trinta minutos após desembarcarem, os comandos do HMS Campbeltown encontravam-se em inferioridade numérica face aos reforços alemães, perdendo a superioridade relativa. O engajamento continuou por mais duas horas, mas os britânicos, devido à sua inferioridade numérica, não foram capazes de recuperar a vantagem. Eventualmente, os comandos se viram forçados a render-se. Uma vulnerabilidade própria das Forças de Operações Especiais é seu limitado poder de fogo em relação a uma força convencional de grande efetivo. Por isso, quando perdem a superioridade numérica, também perdem a iniciativa. Nesse caso prevalece, geralmente, a modalidade mais vigorosa da guerra.

A chave das missões de operações especiais reside na conquista da superioridade relativa, o mais cedo possível no engajamento. Quanto mais se prolongar o engajamento, tanto maior será a probabilidade de que o desfecho seja afetado pela vontade do inimigo, pelo azar e pela incerteza, fatores que constituem as fricções da guerra.

 No fim de cada estudo de caso, utilizamos um gráfico para mostrar como e quando cada força de operações especiais obteve a superioridade relativa. Ele ilustra como essas forças com sua tecnologia de ponta, acesso a inteligência no nível estratégico nacional, adestramento de elevada qualidade e tropas de elite são capazes de minimizar as fricções da guerra e obter a superioridade relativa. O referido gráfico destina-se a ser uma ferramenta conceitual, e não analítica, para ajudar a explicar porque certas missões são bem-sucedidas. Adicionalmente, o gráfico oferece uma demonstração visual dos três atributos da supe-rioridade relativa: o êxito no momento decisivo pode ser considerado como uma dramática vantagem na possibilidade de concluir a missão com sucesso; a manutenção da superioridade relativa implica numa evolução progressiva desde o momento decisivo até a conclusão da missão; e um declínio decisivo na probabilidade da conclusão exitosa da mesma demonstra a perda da superioridade relativa. Pode-se ver na Figura 1 um gráfico representativo da superioridade relativa.

 Os eixos X e Y representam, respectivamente, o tempo e a probabilidade de concluir exitosamente a missão. Eles se cruzam no ponto de vulnerabilidade, que é definido como o ponto, durante a missão, em que a força atacante atinge a primeira linha de defesa do inimigo. Nesse momento, as fricções da guerra (azar, incerteza e a vontade do inimigo) começam a influir no êxito do engajamento. Este ponto de vulnerabilidade é um tanto arbitrário, e sua localização exata, discutível. Embora as chamadas fricções da guerra ainda possam afetar uma missão durante as fases de planejamento e preparação, decidimos considerar o ponto de vulnerabilidade como um aspecto da fase de engajamento.

 A área de vulnerabilidade é uma função da conclusão da missão ao longo do tempo. Quanto mais tempo se levar para obter a superioridade relativa, tanto maior será a área de vulnerabilidade, e conseqüentemente, maior o impacto causado pelas fricções da guerra. O gráfico mostra que a força de operações especiais é bem-sucedida porque suas vantagens intrínsecas (tecnologia, adestramento, inteligência, etc.) permitem reduzir a área de vulnerabilidade e, por extensão, as fricções da guerra, a um nível aceitável.

 Embora existam fatores na guerra que estão fora do nosso controle, a teoria das operações especiais mostra que há seis princípios que podem ser controlados e, ao mesmo tempo, influem na supe-rioridade relativa.  

Os Seis Princípios das Operações Especiais

   Os seis princípios das Operações Especiais aqui apresentados – simplicidade, segurança, repetição, surpresa, rapidez e propósito – foram extraídos de uma análise de oito casos históricos.**Inicialmente, os casos foram considerados em termos dos princípios de guerra do Exército dos EUA, segundo definidos na Doctrine for Special Operations. Após minuciosa análise desses casos, alguns dos princípios de guerra foram eliminados ou modificados, a fim de que refletissem, com maior precisão, o seu relacionamento com uma operação especial. Os princípios do exército incluem: objetivo, ofensiva, massa, economia de meios, manobra, unidade de comando, segurança, surpresa e simplicidade..-Nota da Editoria Brasileira. Estes princípios predominaram em todas as missões bem-sucedidas. Quando um destes foi omitido, negligenciado ou contornado, redundou, invariavelmente, em algum grau de fracasso. São estes princípios que permitem às forças de operações especiais atingirem a superioridade relativa. Poderão as forças de grande efetivo empregar esses princípios para obter a superioridade relativa? É pouco provável. A superioridade relativa favorece as pequenas formações. Isto não implica em que as forças de grande efetivo não possam obter algum grau de surpresa ou empregar a rapidez para atingir seus objetivos, ao contrário, a obtenção da superioridade relativa exige a adequada integração dos seis princípios.

Devido ao seu volume, é difícil para as forças de grande efetivo elaborar um plano simples, manter seus movimentos sigilosos, conduzir ensaios detalhados com todo o pessoal (até o nível individual), obter a supresa tática, incrementar a rapidez da ação no objetivo, e motivar todos os combatentes da unidade para alcançar um único objetivo. Em determinado momento, o comando e o controle tornam-se demasiado abrangentes para permitir a uma força de grande efeito aplicar, eficazmente, os princípios das operações especiais. Clausewitz nada mais faz do que constatar o óbvio quando diz: “quanto maior a magnitude de qualquer evento, tanto mais ampla será a variedade de forças e circunstâncias que o afetam.”4 As forças de grande efetivo são mais suscetíveis às fricções da guerra. Os princípios das operações especiais funcionam porque procuram reduzir a guerra ao nível mais simples e, dessa forma, limitar os efeitos negativos do azar, da incerteza e da vontade do inimigo.

 Para atingir a superioridade relativa, o combatente de operações especiais deve levar em consideração os princípios nas três primeiras fases de uma operação: planejamento, preparação e execução. Os princípios estão interconectados e se apóiam mutuamente. Por exemplo, se o plano não for simples, será difícil manter em sigilo a intenção da operação e ainda mais difícil ensaiar a missão. E se for difícil manter o sigilo e ensaiar a missão, será quase impossível executá-la com surpresa, rapidez e determinação.

 O Relatório da Missão de Resgate (Rescue Military Report), preparado pela Comissão Holloway, a qual revisou a fracassada tentativa de resgatar os reféns em Teerã, em 1980, mostra como se relacionam os princípios de simplicidade, segurança e repetição. A missão de resgate foi abortada quando, devido a circunstâncias imprevisíveis, houve uma insuficiência de helicópteros para continuar a missão. O relatório indicou, no entanto, que o acréscimo de helicópteros teria aumentado o nível de dificuldade, o que “teria aumentado, desnecessariamente, o risco à segurança das operações”. 5 O relatório continua a dizer que: “as considerações de segurança das operações iam de encontro à realização de tais ensaios [de grandes proporções] e, se bem que o grupo de revisão reconhecesse o risco de reunir todas as forças no local de adestramento no Oeste dos EUA, as possíveis desvantagens de segurança de tais ensaios parecem ser superadas pelas vantagens que seriam obtidas”.6 A correlação entre simplicidade, segurança e repetição está clara: se o plano for complexo, requererá extraordinária segurança. O excesso de segurança, caracterizado pela preocupação com a quebra do sigilo conseqüente da realização de ensaios, prejudica uma preparação eficaz.

Na fase de preparação, adequada segurança e contínua repetição têm um impacto direto na capacidade da força atacante de obter a surpresa e conseguir a rapidez na fase de execução. Ao discorrer sobre a surpresa, Clausewitz observa: “A surpresa nunca será obtida sob condições de conduta relaxadas [inadequada segurança].”7 A segurança terá um elevado nível de prioridade na fase de preparação, de forma a evitar que o inimigo obtenha uma vantagem decisiva.

 A contínua repetição das ações a realizar, manifestada no adestramento e nos ensaios conduzidos antes da missão, constitui o vínculo entre o princípio de simplicidade, na fase de planejamento, e os princípios de surpresa e rapidez, na fase de execução. Por exemplo, o Tenente-Coronel Herbert Zehnder, que pilotou um helicóptero HH-3 desde a Tailândia até Son Tay, no Vietnã do Norte, tinha que realizar a difícil tarefa de pousar no pequeno pátio do campo de prisioneiros de guerra. Considerava-se essencial que essa aterragem controlada ocorresse no pátio, a fim de ganhar alguns segundos de surpresa. Inicialmente, esta manobra foi considerada muito difícil. No entanto, após centenas de horas no ar e uma dúzia de ensaios, essa difícil manobra tornou-se mais fácil e a surpresa foi obtida. A contínua repetição das ações facilitou a tarefa de pousar numa área de proporções reduzidas, aumentando, dessa forma, a probabilidade de obtenção da surpresa.

 A contínua condução de ensaios realísticos irá melhorar a capacidade da força atacante de executar, com rapidez, a missão, especialmente sob condições de combate. John Lorimer, tripulante do minissubmarino que danificou o encouraçado alemão Tirpitz, afirmou: “Se houver necessidade de realizar alguma tarefa perigosa, a melhor maneira de cumpri-la é adestrar, adestrar e adestrar, de modo que em meio à emoção do momento, a tarefa seja realizada automaticamente.”8 A repetição, pela sua própria natureza, possibilita a rapidez da ação no objetivo.

 O último dos seis princípios diz respeito ao propósito da missão. Incutir um senso de propósito, especificamente a compreensão dos objetivos da missão e um compromisso pessoal para com a consecução dos mesmos, é vital para atingir a superioridade relativa. Embora o princípio de propósito seja mais aparente na fase de execução, todas asfases devem-se concentrar no propósito da missão. O seu entendimento irá reduzir os objetivos irrelevantes, destacar a inteligência necessária e modelar os requisitos de segurança das operações. Assegurará, ainda, em combate, que os esforços do comandante e de cada combatente estejam voltados para o que é realmente importante – a missão.

Todos os exemplos anteriores mostram o relacionamento entre as fases de planejamento, preparação e execução de uma missão, e demonstram a natureza sinérgica dos seis princípios das operações especiais. O modelo apresentado na Figura 2 caracteriza os princípios das operações especiais como uma pirâmide invertida.

 Os blocos dentro da pirâmide podem ser construídos de modo a reduzir as fricções da guerra e atingir a superioridade relativa. Embora a obtenção dessa superioridade sobre o inimigo seja essencial, não se constitui em garantia para o êxito. O sucesso da missão, da mesma forma que a pirâmide invertida, está precariamente equilibrada sobre um pequeno vértice. Os fatores morais de coragem, intelecto, audácia e perseverança devem apoiar a pirâmide, e impedir que as fricções da guerra a desequilibrem e provoquem a derrota.

Este modelo é uma ferramenta para ajudar o leitor a analisar os casos históricos e entender o relacionamento entre os princípios das operações especiais e a superioridade relativa. Ele também reflete a teoria das operações especiais, pois representa, graficamente, a idéia de que as operações especiais são bem-sucedidas, apesar de sua inferioridade numérica, quando são capazes de obter a superioridade relativa. Isso é feito através do emprego de um plano simples, cuidadosamente mantido em sigilo, repetida e realisticamente ensaiado, e executado com surpresa, rapidez e propósito. O fracasso ocorre quando as fricções da guerra superam os fatores morais. A seguir, iremos analisar, detalhadamente, os seis princípios e demonstrar como se manifestam em combate.

Leia a segunda parte.

  

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Sociedade Militar