Reflexões acerca da ‘Nova’ China de Xi Jinping. Paulo Duarte.

Reflexões acerca da ‘Nova’ China de Xi Jinping

 A ‘nova’ China de Xi Jinping apresenta-se como um parceiro mais maduro e responsável, que afirmando recusar oficialmente a hegemonia mundial, apresenta à humanidade um projeto de ascensão e desenvolvimento coletivos, através do comércio, entre outras vias, pelo facto de Pequim ser apologista da máxima de que o comércio é fonte de paz. Por outro lado, a China de hoje é uma China mais pragmática, que ousa questionar certos princípios antigos, como o da não-interferência nos assuntos internos de outros Estados. De facto, a China mostra-se favorável, embora em circunstâncias limitadas, em considerar os atos de repressão interna e as atrocidades como causas legitimadoras de uma intervenção internacional.

Por um lado, Pequim sente que a sua célere ascensão económica confere uma visibilidade e consequente responsabilidade maiores a nível internacional, pois a China sabe que o mundo acompanha agora com mais proximidade a sua postura e decisões de política externa, mas também interna (e aqui a própria sobrevivência do Partido Comunista dependerá da forma como os governantes chineses souberem lidar com os desafios e contingências que o novo século lhes impõe). Por outro lado, a própria China começa a perceber que chegou a hora de agir, não podendo mais ficar indiferente aos constantes sequestros e assassinatos de que são alvo os seus concidadãos chineses que trabalham no estrangeiro, como é o caso de vários países africanos, onde reina a instabilidade, e onde a presença chinesa é, por vezes, geradora de suspeição ou insatisfação. Na verdade, os chineses são muitas vezes vistos como os estrangeiros que tomam os empregos locais, ou que inundam os mercados de produtos baratos, mas de qualidade frequentemente duvidosa, retirando qualquer possibilidade de competitividade aos produtos locais.

 Esta ‘nova’ China procura, todavia, inverter, na medida do possível, e paulatinamente esta visão menos positiva que o mundo tem acerca de si, através de gestos concretos, como por exemplo um (maior) envolvimento nas zonas onde os seus concidadãos ou marinha mercante estão em risco – é o caso da pirataria marítima, no âmbito da qual a China tem enviado um ou outro navios para patrulharem as águas agitadas do Índico – mas também através de uma (maior) aposta no soft power, conceito que apenas desde há uns anos tem vindo a conquistar a atenção dos decision makers e intelectuais chineses.

Ao mesmo tempo que a China moderniza as suas forças armadas – como é o caso da sua marinha de guerra – ela procura também, converter-se num modelo apelativo, espécie de alternativa ao sonho norte-americano, através da promoção do chamado Consenso de Pequim. E nesse sentido, a China procura conceder empréstimos – bastante mais atrativos que os empréstimos ocidentais – a economias de países pobres, oferece bolsas de estudo, formação militar, constrói hospitais, escolas, infraestruturas várias, em troca por exemplo de acesso aos recursos energéticos de países como Angola, Sudão, Nigéria, entre tantos outros. Mas ainda assim, quer no que diz respeito ao soft power, quer no que concerne ao hard power, procuro explicar no meu livro, que em ambos os domínios a China ainda está longe de poder rivalizar com os norte-americanos, ou se quisermos, de ameaçar a hegemonia dos Estados Unidos. Se a isto juntarmos o facto de, como menciono igualmente no livro, a China enfrentar numerosos desafios e obstáculos internos, então facilmente se depreende que a China é demasiado frágil para ameaçar seja quem for, exceto a si própria. Evidentemente, o crescimento económico é fundamental para a afirmação do Império do Meio, mas não decisivo por si só. Até porque queiramos quer não, ele não gera necessariamente empatia, ou seja, soft power, por muito que a China se esforce em dar-se ao mundo, ou inclusive em ‘copiar’, como dizia um Professor meu (embora eu não vá tão longe), o modelo norte-americano ou britânico, por exemplo.

No livro que escrevi recentemente, Metamorfoses no Poder: rumo à hegemonia do dragão?, procuro, no fundo, explicar que a China tem ainda um longo caminho a percorrer até destronar o hégemon norte-americano, que passa por exemplo, por ‘arrumar primeiro a casa’, isto é, resolver certos problemas internos – como a estabilidade social, as falências do sistema de saúde, o desequilíbrio dos sexos, o envelhecimento progressivo da população e a criação de uma ‘sociedade de filhos únicos’, a diferença de rendimentos sempre crescente entre cidade e campo, as desigualdades educativas gritantes, as manifestações ligadas à corrupção, aos acidentes nas minas e nas indústrias, entre outros – que fazem com que a China seja demasiado frágil para ameaçar seja quem for. Exceto a si própria. Contudo, a verdadeira questão não deve ser a de saber se a China será a próxima superpotência, pois a hegemonia é cíclica, sendo que todos os grandes impérios ou poderes mais cedo ou mais tarde declinam, como já defendia Paul Kennedy. A questão que deve, ao invés, canalizar a nossa atenção deve ser a de saber que tipo de Hégemon será a China, benigno, ou outro? Por outro lado, refira-se que o comportamento da China parece inspirar-se largamente nos preceitos de Lao Tseu: Não nos coloquemos adiante, mas não fiquemos para trás, ou o maior conquistador é o que sabe vencer sem batalha.

É tudo uma questão de tempo, sendo que não é por acaso que escolhi para o título da minha obra a expressão ‘metamorfoses no poder’. Fi-lo porque o poder está em mutação, rumo a um equilíbrio incerto, composto por vários polos, sendo que a era da unipolaridade norte-americana cede gradualmente lugar a um quadro complexo onde o poder se encontra disseminado através de uma variedade de estados emergentes (dos quais a China é o mais notável), ou, inclusive, blocos/agrupamentos de estados com poder financeiro, como a União Europeia, mas também atores não-estatais. Todos eles disputam direta ou indiretamente a hegemonia.

Os chineses não têm pressa (a conceção do tempo no Oriente é diferente daquela que o Ocidente tem), e, por outro lado, pelo menos ao nível do discurso oficial, a China recusa o poder ou a hegemonia. Creio que será interessante observar a atitude de Xi Jinping no seio do projeto da Nova Rota da Seda chinesa, o qual tenho investigado no âmbito da minha tese de Doutoramento. É um projeto promissor, quer ao nível da sua componente marítima – como é o caso da chamada estratégia do ‘Colar de Pérolas’, quer terrestre, através da revitalização dos laços e corredores históricos da antiga Rota da Seda, e que visam ligar com mais eficácia e celeridade a China à Europa. Este tema daria certamente para escrever vários artigos, ou mesmo monografias.

Será interessante acompanhar a dinâmica e iniciativa de modernização da infraestrutura portuária marítima e aeroportuária, bem como rodo e ferroviária, que visam ligar de forma mais célere a China ao continente europeu. Os caminhos de ferro ao longo da rota China – Ásia Central – Europa são uma aposta particularmente promissora pela capacidade de escoar de forma mais célere (em cerca de 15 a 20 dias, metade do tempo que levaria por via marítima) os produtos chineses até ao grande mercado europeu, embora os custos sejam maiores que por mar. Não obstante, há setores-chave da economia, como o segmento dos produtos eletrónicos, que está disposto a pagar mais para que este tipo de bens chegue com maior rapidez ao seu destino.

Esta temática daria para uma análise mais vasta, sendo fundamental acompanhar de perto a evolução da Nova Rota da Seda – marítima e terrestre – chinesa neste novo século. Até porque a capacidade de a China superar os obstáculos técnicos, humanos e diplomáticos inerentes a este grandioso projeto, que é, para todos os efeitos, competidor de uma iniciativa norte-americana, russa e, inclusive, europeia, também ao nível da ligação Ocidente-Oriente, dirá muito sobre a própria capacidade, no fundo, de a China conquistar a atenção dos vários povos e Governos em torno da promoção de um crescimento e prosperidade não só da própria China, como do resto do mundo, como Pequim assim preconiza.

A forma como a Nova Rota da Seda chinesa evoluir, o seu fracasso ou sucesso, bem como toda a dinâmica e vigor que Pequim a ela consagra, são simultaneamente reveladores das intenções e papel da China face à economia global, e mais do que isso, dar-nos-ão a conhecer se a economia global segue rumo à hegemonia do dragão, ou não. A meu ver, existe grande probabilidade para que a China venha a ser bem-sucedida.

 Paulo Duarte

[1] Biografia: Doutorando em Relações Internacionais na Université Catholique de Louvain (Bélgica), mestre em Relações Internacionais pela mesma universidade, licenciado em Comunicação Social pela Universidade Católica Portuguesa e investigador no Instituto do Oriente em Lisboa. O autor pode ser contatado através de: duartebrardo@gmail.com

 Publicado em Revista Sociedade Militar – https://sociedademilitar.com.br

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