De Yiwu para o mundo: a China lança a âncora da sua Nova Rota da Seda

De Yiwu para o mundo: a China lança a âncora da sua Nova Rota da Seda 

Nos dias 18 e 19 de junho o mundo ficou a conhecer melhor Yiwu, uma cidade na Província chinesa de Zhejiang, a cerca de 300 Km de Xangai. Embora com apenas cerca de 1,2 milhões de habitantes (se tivermos em conta que a China é o país mais populoso do mundo e que cada cidade chinesa alberga, em média, milhões de habitantes), Yiwu chama a atenção por outra razão: o mercado de Yiwu é o maior a nível mundial na categoria de pequenas commodities, como informam as Nações Unidas, o Banco Mundial e Morgan Stanley.[1] 

Na cerimónia de abertura do ‘Silk Road Economic Belt Cities International Forum’, discursaram, entre outras personalidades importantes, José Luis Rodríguez Zapatero, Ex-Primeiro Ministro de Espanha; Danilo Turk, Ex-Presidente da Eslovénia; Supachai Panitchpakdi, Ex-Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio; Riaz Hussain Khokhar, Ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros do Paquistão; Li Qiang, Governador da Província do Zhengjiang; Chen Yulu, Presidente da Renmin University of China, só para citar alguns.

Neste formidável evento, acompanhado ao pormenor pelos meios de comunicação chineses, e para o qual foram convidados investigadores e diplomatas um pouco de todo o mundo – recordo-me de ter falado com timorenses, indianos, russos, paquistaneses, americanos, turcos, com diplomatas de Barbados ou do Ruanda, com o Mayor de Kabul que simpaticamente me ofereceu um livro sobre a Nova Rota da Seda no Afeganistão, entre tantos outros – os chineses estão de parabéns pela organização. Devo dizer, eu que estudo entre outras questões a evolução do soft power chinês, que este evento foi prova disso mesmo: um autêntico espetáculo de soft power que a China deu ao mundo. Embora latecomer em matéria de soft power, a China percebeu que o crescimento económico, por mais extraordinário que seja, não gera necessariamente empatia: é preciso catequizar o espírito, através de um poder doce, como preconiza Nye, suscetível de seduzir. A capacidade de uma cultura atrair o gosto de terceiros – algo em que os norte-americanos (pense-se em Hollywood, por exemplo) são exímios – não passa mais despercebida na Grand Strategy chinesa. Recusando oficialmente a hegemonia, tal como a ingerência nos assuntos internos de cada Estado, a nova China de Xi Jinping é simultaneamente assertiva, pragmática e dotada de um crescente soft power na forma como conduz a sua política externa.

O objetivo deste fórum que presenciei enquanto orador convidado (fui falar sobre a construção do mega canal de Nicarágua, por parte da China) é justamente o de dar a conhecer ao mundo a faceta de uma China que tem um projeto coletivo de criação de prosperidade, (re)aproximando-se dos vários povos através do comércio, enquanto fonte de paz, numa clara tentativa de fundação de um modelo win win, não anti-ocidental (já que Pequim fez mesmo questão de convidar o Ocidente a ser parte ativa nesta iniciativa da Nova Rota da Seda chinesa).

Por ora, o Ocidente – refiro-me essencialmente aos Estados Unidos – não tem uma posição oficial sobre a matéria. É tudo muito rápido e recente. A China ‘não brinca em serviço’, pese embora a cultura chinesa privilegie o fator tempo. Mas Pequim parece ter compreendido que estava na altura de contribuir para desmistificar a tese da ‘ameaça chinesa’ espalhada um pouco por todo o planeta, mas com um maior ênfase eventualmente nos Estados Unidos. Ora, iniciativas como o Silk Road Economic Belt Cities Forum servem, entre outros aspetos, para atestar o caráter benigno das intenções chinesas neste novo século, apaziguando as perceções na esfera internacional face aos desígnios do Império do Meio.

Não obstante o projeto da Nova Rota da Seda estar nos seus primórdios, há várias questões relevantes que o mundo necessita ver respondidas, dado o seu impacto económico, político, cultural e geoestratégico. Uma dessas questões, que no imediato me vem ao espírito, tem que ver com a possibilidade, a longo prazo – à medida, portanto, em que a Nova Rota da Seda chinesa progredir – de o dólar e outras moedas internacionais, principalmente as regionais (da periferia asiática da China) virem a ser substituídas pelo Yuan, a moeda chinesa. Uma só moeda faz todo o sentido enquanto facilitador das trocas comerciais.

Outra questão, a qual particularmente me incomodou no Forum, por ter sido repetida várias vezes, quer pelo ex-Primeiro Ministro espanhol José Rodriguez Zapatero, quer por outros convidados e/ou oradores. Ou seja, creio que os chineses, mas também outros, terão ficado com a perceção de que o fim da longa linha ferroviária entre Oriente e Ocidente é Madrid. Não! Portugal tem de estar atento. Só estavam dois portugueses no Forum em Yiwu, eu e o Dr. Rui Lourido, Presidente do Observatório da China em Portugal, sendo que ambos fizemos questão de desmistificar a ideia de que a Europa continental (não me refiro às regiões insulares) termina em Espanha. Em vez de Madrid, é Lisboa que deve reter a atenção dos chineses, porque Lisboa possui portos marítimos, fluviais, aeroportuários, rodoviários e ferroviários. É em Lisboa (e não em Madrid) que a Europa continental abraça o Atlântico, ora rumo a África, ora rumo às Américas. Lisboa pode perfeitamente servir de hub logístico e rede multimodal no âmbito do esforço chinês de ligar os povos e as culturas num projeto de prosperidade coletiva e win win.

Termino com uma recomendação construtiva, com vista ao sucesso da Nova Rota da Seda chinesa. É fundamental que a língua ou línguas não sejam uma barreira ao projeto chinês. O mundo deve começar a falar o mandarim, implementando cursos vários nas universidades, mas também ao nível escolar, já que o mandarim é uma língua de futuro. Porém, o esforço deve ser mútuo. Do que pude constatar aquando das minhas deslocações à China, é igualmente crucial que os chineses melhorem o seu inglês (não me refiro apenas ao chinês comum, mas também, e essencialmente, aos funcionários públicos, hoteleiros, logísticos, forças de segurança nas ruas, entre outros). Ainda há muita dificuldade para um chinês em falar ou compreender o inglês. Temo que se não forem feitas diligências mútuas, num esforço coletivo para se ultrapassar as barreiras linguísticas, o comércio e o Grande Projeto chinês possam apenas produzir ganhos parciais, quando o que se pretende é, no fundo, rentabilizar ao máximo os proveitos de uma cooperação coletiva. 

Biografia: Doutorando em Relações Internacionais na Université Catholique de Louvain (Bélgica) e investigador no Instituto do Oriente em Lisboa. Autor de Metamorfoses no Poder: rumo à hegemonia do dragão?, com prefácio e apresentação de Marcelo Rebelo de Sousa. Email: duartebrardo@gmail.com

[1]https://www.yiwuen.com/yiwu-market?gclid=CjwKEAjw5J6sBRDp3ty_17KZyWsSJABgp-Oa-8lfpDy5SVfv6BIaL8pF2cgQrl6gc4En85rICFDeexoCGs3w_wcB

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Sociedade Militar