China – Geopolítica. A importância da Islândia na corrida chinesa ao Ártico

A importância da Islândia na corrida chinesa ao Ártico

À semelhança da Gronelândia, a Islândia é, ela também, outro ponto incontornável da Nova Rota da Seda polar chinesa. Como nota Trotman, “a Islândia tornou-se o primeiro país europeu a assinar um acordo de livre comércio com a China, dando ânimo ao pequeno país do Atlântico Norte cuja economia havia sido abalada pela recessão, e proporcionando a Pequim uma certa vantagem no seu esforço de expansão de influência no Ártico” (2013 : para. 1).

De acordo com Arthur Guschin, “a prosperidade económica da Islândia assenta em três setores principais: captura e processamento do peixe, produção de alumínio e de ferro-silício e o uso de energia geotérmica para aquecimento e electricidade” (2015: para. 8). Num contexto em que a China enfrenta graves problemas ecológicos, fruto, entre outros aspetos, da utilização excessiva do carvão enquanto fonte energética (embora altamente poluente), Pequim encontra na aplicação industrial da energia geotérmica uma oportunidade interessante de diversificação de fontes de aprovisionamento energético.

Vale a pena mencionar aqui “o projeto-piloto que usa o know-how Islandês na China [que] foi lançado na cidade de Xianyang, na província de Shaanxi, em 2006” (Guschin, 2015: para. 9). Em resultado do seu sucesso, suscetível de converter Xianyang na cidade mais ecológica na RPC, o Governo chinês decidiu estender a iniciativa às províncias de Hebei (cidade de Baoding), Shandong, Sichuan e Yunnan, bem como ao Tibete e ao Xinjiang. Esta combinação de investimento chinês com expertise islandesa tem, igualmente, potencial para ser bem-sucedida em outras regiões do mundo atualmente contempladas pela política chinesa do going out, e que são dotadas, também elas, de um significativo potencial geotérmico.

O setor das pescas é mais outro domínio onde a cooperação e interesse da China na Islândia se adivinha promissor, se tivermos em conta a premência da segurança alimentar (além da já conhecida segurança energética) para uma China que alberga cerca de um bilião e 400 milhões de pessoas. Por outro lado, a ascensão da classe média chinesa, juntamente com um forte poder de compra no país, indicam que a procura de bens de consumo caros e ricos em proteínas, tais como produtos à base de peixe de qualidade, aumentará.

De acordo com Esteves, “espera-se que o consumo em crescentes áreas de mercado, especialmente entre os consumidores chineses, aumente em 8,4% até ao ano 2022 e seja de 20,6 kg por pessoa por ano” (2014: 13). A China pode constituir um parceiro e investidor (além de cliente) fundamental no quadro do processamento e transformação do pescado islandês, já que embora a Islândia seja “líder mundial na utilização integral do peixe na alimentação (a farinha de peixe é um ativo estratégico, caro), medicina e fins técnicos”, a verdade é que “a atual capacidade de processamento [do pescado] na Islândia é limitada” (Guschin, 2015: para. 14). Além disso, a frota pesqueira islandesa é antiga (com quase três décadas), sendo que a sua modernização está refém das avultadas dívidas das empresas pesqueiras. O investimento chinês pode ser aqui decisivo, por conseguinte, para auxiliar a Islândia na aquisição de navios pesqueiros modernos.

Um outro desafio com que o setor pesqueiro islandês se depara, é a necessidade de satisfazer mercados exigentes, como o chinês, conciliando simultaneamente a oferta de grandes quantidades de pescado, com o fator qualidade. Ora, como explica Esteves, uma forma possível de aumentar a produção de pescado e o valor a este associado, pode ser por meio de uma maior aposta na aquacultura, que não obstante os seus “efeitos colaterais negativos”, tem sido “utilizado extensivamente na Noruega com bons resultados” (2014: 13-14). Por fim, uma oportunidade interessante de cooperação entre Islândia e China tem-se manifestado ao nível académico, através de programas de formação e treino ministrados por especialistas islandeses a chineses em matéria de aquicultura sustentável, planeamento e gestão das pescas.

No que respeita ao setor mineral, Harold Newman, informa que “o alumínio é o principal bem mineral da Islândia, seguido do ferro-silício”, sendo que “a produção doméstica de minérios industriais inclui o cimento, brita, pedra-pomes, sal, areia e cascalho, e escória” (2014: 1). A maior fatia do investimento chinês na Islândia consiste na “aquisição da empresa norueguesa Elkem pela Chinese National Bluestar Group, [que é] detentora uma fábrica de ferro-silício em Grundartangi” (Guschin, 2015: para. 17).

Em matéria de petróleo, importa referir que a companhia CNOOC é a primeira companhia chinesa envolvida na exploração de petróleo e gás no Ártico, na área de Dreki, numa parceria conjunta com a empresa islandesa Eykon Energy e a empresa de petróleo e gás norueguesa Petoro. Segundo a The Norwegian Petroleum Directorate “os blocos [na área de Dreki] podem conter aproximadamente 250 milhões e 500 milhões de barris de petróleo” e “grandes depósitos de gás de aproximadamente 100 mil milhões de metros cúbicos padrão” (offshore-technology.com, 2013: para. 9). Pese embora a chinesa CNOOC seja “o grande operador do projeto” (com uma quota de 60%), especialistas como Sophie Song sublinham que “a exploração no Ártico implica elevados custos de funcionamento, baixos períodos de retorno, e requer um equipamento de extração diferente do que é usado em águas profundas, uma vez que a região [é fustigada por] temperaturas extremamente baixas e gelo” (2014: para. 7-8).

Além do acima referido, a Islândia pode desempenhar um extraordinário papel no seio da Nova Rota da Seda polar chinesa, fruto do seu posicionamento estratégico, enquanto importante hub logístico entre as os mercados da Ásia Oriental e os da Europa e América. A agência noticiosa IceNews realça, por outro lado, o facto de “as instalações logísticas na Islândia poderiam funcionar como centros de transporte fundamentais para transporte de produtos de e para a Gronelândia” (2013: para. 2).

Neste âmbito, IceNews identifica alguns locais com alto potencial logístico na Islândia: “o Parque empresarial Ásbrú, situado na Península de Reykjanes”, península esta que “também tem sido referida por englobar as maiores instalações de transportes da Islândia”; sendo que também “o Porto Internacional de Helguvík pode oferecer melhores serviços aos cargueiros industriais e aos petroleiros, bem como a outros navios” (2013: para. 3-4).

Mas existem, igualmente, outros potenciais hubs logísticos no país, propostos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros Islandês: Eyjafjörður, Hvalfjörður e Reyðarfjörður. Contudo, aqui, à semelhança da indústria pesqueira islandesa, são necessários investimentos externos com vista à modernização e adaptação de infraestruturas, algo em que a China pode, uma vez mais, ser determinante, até porque é, para todos os efeitos, do seu interesse. Não é, aliás, por acaso que Guschin informa que “o transporte comercial através das rotas do Norte oferece uma ampla perspetiva sobre a cooperação entre a chinesa COSCO e a islandesa Nesskip no segmento de transporte de contentores, de implementação de soluções de poupança de energia e de redução de emissões de CO2” (2015 : para. 20).

O setor do turismo é outra area promissora. Com uma classe média chinesa em expansão e que deseja conhecer outros países, “cada vez mais turistas chineses têm escolhido a Islândia como destino de viagem, nos últimos anos” (CNC News, 2014: para. 2). A título ilustrativo, China Daily informa que “a Islândia recebeu mais de 23 000 visitantes chineses nos primeiros 11 meses de [2014], aumentando 49 por cento em comparação com o mesmo período do ano passado” (2014: para. 1).

Por conseguinte, o setor dos serviços islandês tem procurado adaptar-se a esta nova realidade, ou seja, ao crescente entusiasmo chinês pelo turismo polar. Prova disso, e “para que os turistas chineses estejam bem informados sobre a Islândia”, refira-se que “a revista Times islandesa lançou recentemente uma versão chinesa da revista” (CNC News, 2014: para. 8). Não deixa de ser curioso e interessante mencionar aqui o episódio da tentativa falhada, em 2011, por parte do bilionário chinês Huang Nubo, que pretendia adquirir 300 km2 de terra (ou seja, 0.3% da área do país) em Grimsstadir, localizado no norte da Islândia.

Oficialmente, a intenção de Nubo seria a de implantar um campo de golfe, um hotel de luxo, um aeroporto e  instalações para equitação.

Esta iniciativa – que gerou uma apreensão considerável ao nível diplomático sobre quais seriam as reais intenções por detrás de tão ambicioso projeto – acabou por ser recusada pelo Governo islandês, “com referência a leis islandesas que tornavam illegal, para um cidadão de fora da UE, comprar terras no país” (WildAid, 2015: para. 2). A falta de clareza do projeto, entre outros, em matéria de real envolvimento do Governo chinês, e a tentativa subtil de a China poder alcançar, sob o pretexto do turismo, o controlo sobre uma parte significativa da área da Islândia, terão alegadamente pesado no chumbo desta aquisição.

Se pensarmos, por analogia, na iniciativa de construção do Canal de Nicarágua, a propósito da qual Rosendo Fraga argumenta que “nenhum grupo chinês dá um passo desses sem o interesse ou o apoio do governo chinês”, então, é possível especular acerca de possíveis razões estratégicas, logísticas, eventualmente energéticas e de interesse nacional chinês, que poderão ter estado na origem da iniciativa de Huang Nubo (in Háskel, 2014: para. 19).

 

Bibliografia

China Daily (2014). “Iceland expects to attract more Chinese tourists”. December 24, https://europe.chinadaily.com.cn/business/2014-12/24/content_19155905.htm

CNC News (2014). “More Chinese tourists to Iceland”. December 23, https://en.cncnews.cn/news/v_show/45612_More_Chinese_tourists_to_Iceland.shtml

Esteves, H. (2014). “Which sectors of the Icelandic economy are likely to benefit the most after the Free Trade Agreement with China?”. Bachelor’s thesis on Business Administration. Bifröst University.

Guschin, A. (2015). “China, Iceland and the Arctic”. The Diplomat, May 20, https://thediplomat.com/2015/05/china-iceland-and-the-arctic/

Háskel, G. (2014). “Nicaragua Canal project seen having geopolitical, not just trade implications”. Buenos Aires Herald, July 21, https://buenosairesherald.com/article/165077/nicaragua-canal-project-seen-having-geopolitical-not-just-trade-implications

IceNews (2013). “Iceland could become transportation hub for mining and oil possibilities in Greenland”, December 18, https://www.icenews.is/2013/12/18/iceland-could-become-transportation-hub-for-mining-and-oil-possibilities-in-greenland/#ixzz3eYVb2ebJ

Newman, H. (2014). “The Mineral indusTry of Iceland”. 2012 Minerals Yearbook., March, pp. 1-4.

offshore-technology.com (2013). “Iceland awards first offshore oil and gas exploration licences”. January 8, https://www.offshore-technology.com/news/newsiceland-awards-offshore-oil-gas-exploration-dreki

Song, S. (2014). “China National Offshore Oil Corp (CNOOC) First Chinese Firm Licensed To Explore Arctic Oil And Gas Resources”, March 7, https://www.ibtimes.com/china-national-offshore-oil-corp-cnooc-first-chinese-firm-licensed-explore-arctic-oil-gas-resources

Trotman, A. (2013). “Iceland first European country to sign free trade agreement with China”. The Telegraph, April 15, https://www.telegraph.co.uk/finance/economics/9995525/Iceland-first-European-country-to-sign-free-trade-agreement-with-China.html

WildAid (2015). “Huang Nubo”, https://www.wildaid.org/people/huang-nubo 

Biografia: Doutorando em Relações Internacionais na Université Catholique de Louvain (Bélgica), mestre em Relações Internacionais pela mesma universidade, licenciado em Comunicação Social pela Universidade Católica Portuguesa e investigador no Instituto do Oriente em Lisboa. Autor de Metamorfoses no Poder: rumo à hegemonia do dragão?, com prefácio e apresentação de Marcelo Rebelo de Sousa. Email: duartebrardo@gmail.com

 

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Sociedade Militar