Política Brasil

OS “Panos quentes” na ditadura dos COMPANHEIROS. OU: DE USTRA E DE OSTRAS…

“… a esquerda não se rende e, se a ditadura não vem à moda cubana, chinesa ou coreana, então resta a tática da guerra cultural…”

Professor Yuri Brandão

Há pelo menos duas coisas que no mínimo entediam: a obviedade e a hipocrisia, prima do cinismo. Nenhuma ditadura, por óbvio, deve ser tolerável; nenhuma obviedade, porque intolerável seria, deve ser negada. O Brasil é um país de democracia recente e marcado por ditaduras, de modo que os vários tipos de conservadorismo são logo associados à supressão das liberdades individuais, ao desrespeito ao Estado Democrático de Direito, ao autoritarismo — tudo seria obra de uma direita que se opõe ao “progressismo”.

Nesse contexto, nada como mencionar — até em desavença de jogo de sinuca! — a expressão “ditadura militar” para que fique adejando sobre a cabeça das pessoas uma nuvem negra de horrores e opressões. A esquerda, historicamente mais organizada do que a direita, sempre conseguiu difundir mentiras inteiras e meias verdades. Detesta a ditadura militar, mas adora o ditador Getúlio Vargas, como se os avanços deste justificassem suas atrocidades e os avanços daquela fossem atrocidades em si mesmos.

Quando enchem a boca para falar do golpe de 1964, selecionam e recortam o que lhes convém: fingem desconhecer que morreram ou ainda são dadas como desaparecidas nada mais que 424 pessoas, donde, comprovadamente por assassinato, temos 293. E, frise-se, houve quem caísse pegando em armas no Araguaia. Leiam “Dos filhos deste solo” (Boitempo Editorial), obra do ex-ministro Nilmário Miranda, que é petista, e do jornalista Carlos Tibúrcio. A fonte é de esquerda, mas nem isso a turma da falação lê! É mais fácil mistificar. Fácil e, pelo valor das indenizações, rentável. É claro que não se trata de mera disputa matemática por vidas e mortes. Pudéssemos, preservaríamos todas as vidas. No entanto, muito menos se trata de selecionar indireta e cinicamente os cadáveres que merecem nossa contestação pública e os que são alvo de nosso indecoroso silêncio.

Sobre as barbaridades do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra durante o regime militar, toda publicidade é, para a esquerda, rigorosamente justa, embora injustamente pouco rigorosa para que ele pague por tudo o que se lhe atribui. É necessário sempre mais: se, por exemplo, ele pretende publicizar sua defesa no livro “A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça” (Editora Ser), eis um pecado tão capital quanto revelar que o casal comunista César Telles e Maria Amélia Telles comandava a gráfica do PC do B, o partido propagador do maoísmo, um regime esquerdista que matou três vezes mais do que Hitler e chegou a superar até mesmo Stálin. Nas masmorras da China comunista, conhecidas por “Laogai”, as agressões iam muito além daquelas que o casal citado diz ter sofrido no Brasil (choques elétricos e queimaduras com cigarro), mas eu não vejo o caro jornalista Plínio Lins voltar-se contra tudo isso e as horrendas mutilações ocorridas naquele regime comunista, ele sim, genocida.

E ainda estou dando de barato o que é relevante: os combatidos pelo regime de 64 estavam em luta armada, eram guerrilheiros em busca de uma ditadura à cubana, enquanto o coronel Ustra servia, pelo menos, a uma ordem jurídica, atuando no cumprimento de um dever que estava posto para o Estado naquela quadra da História. De outro lado, muitos dos mortos pelo maoísmo que a esquerda venera (ou, por omissão, admite) eram acusados não de subversão armada, senão de alimentar-se além do permitido pela ditadura comunista ou de ler o Evangelho! Uma coisa é admitir que Brilhante Ustra ou quem quer que seja tenham de pagar por tudo o que eventualmente cometeram; outra, bem diferente, é escandalizar-se, como a página do PT em 2006 (ao repreender a jornalista Mônica Bérgamo), com o simples fato de Ustra ousar escrever um livro (quanto atrevimento!) repudiado antes mesmo da leitura (quanta ignorância!). Por que deveríamos ler apenas “Direito à Memória e à Verdade”, projeto elaborado por Paulo Vannuchi e que, sendo intelectualmente tão picareta quanto Tarso Genro, serve só para enaltecer terroristas e perseguir os militares?

Há, todavia, uma sutileza nesse modo de proceder da esquerda, do PT e do Foro de São Paulo (ridicularizado pelos tolos incapazes de ler até mesmo as próprias atas confessionais do Foro). Se vocês já leram o historiador francês Le Goff (“Os Intelectuais na Idade Média”, bem como “A Idade Média e o Dinheiro”), o filósofo polonês Roman Konik (“Em Defesa da Santa Inquisição”), a historiadora francesa Régine Pernoud (“A Idade Média: que não nos ensinaram”) e, mais perto de nós, o professor brasileiro Felipe Aquino (“Para Entender a Inquisição”), decerto conhecem que o nome “Inquisição” deve-se justamente ao fato de que o acusado era, ao menos, “inquirido”.

Ocorre que a cultura esquerdista não só tomou como verdade que aquele período se fez historicamente merecedor de encarnar o mal (daí a simbologia negativa da “Inquisição” na boca de quem contraditoriamente digere os facínoras Che Guevara e Fidel, para citarmos os mais leves e sempre levianos), mas também decidiu reduzir a pó toda e qualquer possibilidade de contraditório e ampla defesa dos Ustras da vida (ou da morte). Eis, portanto, os crimes e os criminosos que devemos manter incólumes, em verdadeiras “ostras”, para que possamos cinicamente expor os adversários e posar de defensores dos “direitos humanos” e das “liberdades”, ainda que sejam os que constam do Programa Nacional-Socialista de Direitos Humanos, o PNDH III, como o aborto, a invasão de propriedades privadas e a censura prévia de veículos de comunicação.

Com o mínimo de honestidade intelectual, os leitores das obras por mim referidas terão de admitir, por exemplo, que a “santa” Revolução Francesa, esta sim a verdadeira “Idade das Trevas”, matou em um ou dois anos quase dez vezes mais do que a Inquisição Espanhola em três ou quatro séculos! Com uma diferença alarmante, é claro: do Cristianismo à primeira Cruzada, passou-se pouco mais de 1.000 anos; do Cristianismo à Santa Inquisição, mais de 1.200 anos. Já a glória iluminista não tinha sequer 50 aninhos quando transformou o sonho moderno em — vejam só! — pesadelo medieval ensanguentado. Na esquerda, não falta quem a louve, entretanto.

Quanto à ponderação do velho jornalista alagoano Plínio Lins acerca dos crimes ou dos excessos perpetrados pelos militares brasileiros, eu a endosso; mas duvido de que ele, um jornalista tarimbado, desconheça que com razão estava o genial Millôr Fernandes, quando, diante das indenizações milionárias, perguntou se os combatentes do golpe de 64 estavam fazendo uma rebelião ou um investimento. Na verdade, rebelavam-se contra o regime e em favor de uma ditadura esquerdista, que incontestavelmente matou muito mais onde quer que tenha sido implantada.

Como não lograram o êxito desejado na empreitada cavilosa, viram na Lei da Anistia, que inviabiliza um revanchismo condenatório criminal, a possibilidade de fazer fortuna. E toda essa bacanal regada com dinheiro dos contribuintes ficará ainda mais vergonhosa se lembrarmos que, do outro lado da trincheira, os familiares das vítimas ou as próprias vítimas dos grupos terroristas da esquerda foram porcamente indenizados (veja-se o caso do sargento Mário Kozel Filho).

Mas a esquerda não se rende e, se a ditadura não vem à moda cubana, chinesa ou coreana, então resta a tática da guerra cultural, mediante o domínio ideológico das redações jornalísticas, das universidades e de todo âmbito possível de educação e cultura. Essa lição, que o comunista italiano GRAMSCI aprendeu com seu tutor Antônio Labriola e registrou no volume 3 dos “Cadernos do cárcere” (p. 19), é didática e tem sido praticada, ora com mais eficácia, ora com menos:

O Moderno Príncipe [ou seja, o partido político], desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que seu desenvolvimento significa, de fato, que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e serve ou para aumentar o seu poder ou para opor-se a ele. O Moderno Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico [Kant], torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume“.

Eis o retrato do PT e do Foro de São Paulo. Eis o retrato esquerdista da América Latina.

Não estou aqui a canonizar o coronel Brilhante Ustra, o general Heleno ou qualquer um. Estou é condenando a hipocrisia, o cinismo e a falsa ideia de que toda ditadura é igual. Uma ova! A História já provou sobejamente que os regimes de esquerda são infinitamente piores. Não é assim porque eu quero; é assim porque são os fatos. Devemos, sim, igualmente repudiar todas as ditaduras, à direita e à esquerda, mas isso está longe de significar que não possamos graduar seus efeitos deletérios. Ceausescu que o diga… Perguntem aos romenos.

Antes de finalizar, mais duas palavras. No papo da postagem anterior [no meu Facebook, havia um compartilhamento anterior], entre os caros Plínio L. e Adriano S., o jornalista deixou claro que aludir aos terroristas de esquerda é — vejam só! — “desconversa”, bem como é “desumano” e “desrespeitoso”, segundo ele, insinuar que as vítimas dos militares brasileiros “mereceram porque fariam o mesmo se pudessem”. A insinuação, que não existiu, teria sido ventilada pelo advogado Adriano Soares. De fato, uma investida contra os guerrilheiros seria “desumana”, porque contrária ao ser humano, mas “desrespeitosa” não. Afinal, não podemos respeitar o inimigo, aquele que nem tem respeito por si mesmo, nem por ninguém que se ponha como obstáculo ao seu projeto de poder. (Nota à margem: como Plínio agiria com os terroristas do Estado Islâmico?)

No entanto, desumano e desrespeitoso é, Plínio, embora com as vítimas do terrorismo esquerdista que você não vergasta, pôr “panos quentes” no projeto de ditadura dos companheiros e fingir que os guerrilheiros não fizeram aquilo que, sabidamente, em maior ou menor grau, fizeram! E o mero exemplo do casal Telles, que citei acima, já evidencia que o terrorismo sempre conta com uma gama de colaboradores: se alguns não servem mais à ação armada, certamente servirão à sua estratégia e, assim, continuarão sendo os asquerosos de sempre. De quebra, o regime é tão injusto que até um simpatizante poderá ser engolido. Ou Karl Radek não sucumbiu perante o Estado soviético stalinista, que minou as bases da família monogâmica, por obra do próprio Radek, depois massacrado e assassinado pelos “meninos” de Moscou, os mesmos que cresceram à luz da ideologia do morto?

Que o coronel Ustra pague pelo que tiver feito é o que se espera (e minha divergência com o amigo Adriano Soares da Costa, que sinalizei no texto anterior, reside apenas e tão somente no fato de ele comprar o discurso pronto da esquerda, obviamente desfavorável a Ustra); sim, que ele pague pelos excessos, mas sem obstruir-lhe a defesa e sem manter na “ostra” as coronhadas que a esquerda costuma dar nos fatos, na História e na verdade, assim como as coronhadas que o terrorista Carlos Lamarca desferia, sem dó nem piedade, na cabeça de inimigos.

Por ora é isso.

[O texto foi escrito a partir de um breve debate entre o jornalista Plínio L. e o jurista Adriano S. ; publiquei em meu recém-perfil do Facebook: “Yuri Brandão (Professor)”.]

Professor Yuri Brandão

P.S.: Sei que Ustra não pode mais pagar pelo que eventualmente tiver feito porque morreu em 2015. Mas, no texto, o tomei por vivo apenas para ilustrar o que penso.

P.S.2: Por honestidade intelectual, advirto que Adriano Soares da Costa, em texto posterior ao que ensejou o meu artigo, aparentou mais cautela quanto ao juízo de que Brilhante Ustra teria sido, indubitavelmente, um torturador contumaz. Se de fato foi, nem Soares nem eu abonamos condutas criminosas; a estas, só os esquerdistas ou a extrema direita é que dão guarida, quando lhes convém.

[1] Formado em Direito e Letras, sou professor de Língua Portuguesa, Literaturas e Redação, estudioso de línguas, cronista e ex-jornalista-articulista da imprensa alagoana, onde atuei no Jornalismo de Análise e Opinião. Sou católico e conservador moderado da direita democrática.

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