Terrorismo, inteligência, contrainteligência

TERRORISMO, guerra psicológica.

Introdução

O terrorismo se trata da criação e a exploração deliberada de medo para obtenção de mudanças políticas. Sendo assim, seria uma forma inegável de guerra psicológica.

Objetivos

Embora seus ataques com freqüência causem muitas mortes trágicas e ferimentos graves, o objeto do terrorismo, por natureza, é produzir efeitos psicológicos de longo alcance além da(s) vítima(s) ou do objeto imediato de sua violência. Sua finalidade seria instilar o medo interno e assim intimidar ou afetar o comportamento de um público-alvo.

Esse público varia dependendo das metas, das motivações e dos objetivos dos terroristas. Pode incluir um governo nacional ou um partido político, um grupo étnico ou religioso rival, um país inteiro e seus cidadãos ou a opinião internacional. O ataque terrorista pode tanto almejar especificamente um determinado segmento do público ou vários públicos.

A publicidade gerada por um ataque terrorista e a atenção focada nos seus perpetradores são planejadas para dar poder aos terroristas, estimulando um ambiente de medo e intimidação propício à manipulação terrorista. Nesse aspecto, o sucesso do terrorismo é mais bem mensurado não pela métrica aceita da guerra convencional – número de inimigos mortos em batalha, quantidade de ativos militares destruídos ou território geográfico conquistado -, mas por sua capacidade de atrair atenção para os terroristas e sua causa e pelo impacto psicológico e efeitos deletérios que os terroristas esperam causar ao(s) seu(s)público(s)-alvo.

Os terroristas usam violência – ou, igualmente importante, exercitam a ameaça de violência – porque acreditam que somente por meio de ações violentas brutais sua causa pode triunfar e suas metas políticas de longo prazo podem ser conquistadas. As operações são então planejadas deliberadamente para apavorar, chocar, impressionar e intimidar – garantindo que seus atos sejam suficientemente audaciosos, sangrentos e animalescos para capturar a atenção da mídia e, por sua vez, também do público e do governo. Dessa forma, ao invés de ser visto como indiscriminado ou insensato, o terrorismo é na verdade uma aplicação deliberada e planejada da violência.

O que querem os terroristas

Embora os objetivos e as motivações dos vários tipos de terroristas – de esquerda e de direita, religiosos e étnico-nacionalistas, de uma só questão e amplamente utópicos – possam ser diferentes, todos eles querem que suas ações gerem o máximo de publicidade e, dessa forma, por meio de intimidação e sujeição, alcancem suas metas.

Um ato terrorista é concebido e executado de tal forma que reflete simultaneamente os objetivos e as motivações de um determinado grupo terrorista, se enquadra nos seus recursos e capacidades e leva em conta o público visado. As táticas e os alvos de vários movimentos terroristas, bem como as armas que usam, são moldados inevitavelmente pela ideologia de um grupo, sua dinâmica organizacional interna, as personalidades de sua liderança e uma variedade de outros estímulos internos e externos. Por exemplo, terroristas de esquerda do anos 1970, como a Facção do Exército Vermelho, da Alemanha Ocidental, e as Brigadas Vermelhas, da Itália, seqüestraram e assassinaram seletivamente pessoas específicas, as quais acusavam de exploração econômica ou repressão política, para atrair publicidade e estimular a revolução marxista-leninista. Os terroristas contemporâneos, motivados por um imperativo religioso, engajaram-se em atos mais indiscriminados de violência contra uma categoria de alvos muito mais ampla, que inclui não meramente seus inimigos declarados, mas qualquer um que não compartilhe sua fé religiosa, e até pessoas da mesma fé, mas que não compartilhem suas opiniões políticas extremistas e suas concepções teológicas.

O terrorismo, dessa forma, pode ser visto não apenas como um ato violento concebido deliberadamente para atrair atenção, mas, por meio da publicidade que gera, para comunicar uma mensagem. Nas palavras do falecido Frederick Hacker, psiquiatra e autoridade reconhecida em terrorismo, os terroristas procuram “amedrontar e, com isso, dominar e controlar. Eles querem impressionar. Atuam para um público e pedem a participação desse público”.

A morte e a destruição perpetradas pelo terrorismo são propositalmente destinadas a inculcar o medo e afetar de forma adversa a vida normal e diária pela ameaça à segurança pessoal e/ou coletiva, dessa forma rompendo o tecido social de um país ao destruir seus negócios e sua vida cultural e a confiança mútua em que a sociedade é baseada. Recusas a visitar shopping centers, a comparecer a eventos esportivos, a ir ao teatro, ao cinema e a concertos ou viajar para o exterior ou mesmo dentro de seu país são reações comuns de medo (conhecidas como “vitimização indireta”) geradas pela incerteza de onde e quando ocorrerá o próximo ataque terrorista.

O terrorismo e a mídia

A mídia jornalística moderna, como principal canal de informação sobre terrorismo, desempenha papel vital no problema. De fato, sem a cobertura da mídia, o impacto dos terroristas pode não atingir seu objetivo, ficando estreitamente confinado às vítimas reais e imediatas do ataque, deixando de alcançar um público-alvo mais amplo. Apenas atingindo um público muito maior por meio do medo e do ultraje é que os terroristas podem obter o potencial máximo de influência de que necessitam para efetuar uma mudança política fundamental que eles desejam.

“Terrorismo é teatro”, é a frase que Brian Jenkins tornou famosa em seu importante trabalho de 1974 “International Terrorism: A New Mode of Conflict” (Terrorismo Internacional: Uma Nova Forma de Conflito), que explica como “os ataques terroristas são em geral cuidadosamente coreografados para atrair a atenção da mídia eletrônica e da imprensa internacional”[2]. Com a mesma freqüência, a mídia reage a essas “propostas” com uma avidez quase desenfreada, mostrando-se incapaz de ignorar aquilo que outro conhecido analista de terrorismo, J. Bowyer Bell, descreveu com precisão como “um evento (…) moldado especificamente para suas necessidades”[3].

Nos últimos anos, como resultado da grande rede, as capacidades de mídia dos terroristas se desenvolveram a tal ponto que eles podem agora controlar todo o processo de comunicação, determinando conteúdo, contexto e meios nos quais suas mensagens são projetadas para atingir com precisão o público (ou os diversos públicos) que querem alcançar.

As implicações desses desdobramentos são enormes, uma vez que desafiam o monopólio há muito exercido pelos meios de radiodifusão comerciais e estatais sobre a comunicação de massa da mensagem terrorista. Portanto, bem similar às revoluções da informação anteriores – como a invenção da prensa rotativa em meados do século 19 e os avanços das tecnologias dos equipamentos de televisão que tornaram possível a transmissão de eventos em tempo real, nos anos 1960 -, a nova revolução da informação deu imenso poder a grupos terroristas, como a capacidade de moldar e divulgar sua própria mensagem e de forma própria, ignorando os meios de comunicação tradicionais estabelecidos.

O papel da grande rede

Como Tina Brown, pioneira da mídia pós-moderna, observou com perspicácia em 2005: “A conjunção da velocidade da grande rede do século 21 com o fanatismo do século 12 transformou nosso mundo em um barril de pólvora”[4].

Além da ubiqüidade e da conveniência, a grande rede oferece outras vantagens: ela pode burlar a censura do governo; mensagens podem ser enviadas anonimamente, com rapidez e quase sem esforço; e é um meio sobretudo econômico de comunicação de massa.

Também permite que os terroristas exerçam o que a professora Dorothy Denning denominou gestão da percepção [5] – apresentam-se e retratam seus atos exatamente à luz do contexto que desejam, livres do filtro, da triagem e da interpretação da mídia estabelecida.

“Não é de surpreender que terroristas em rede já tenham começado a influenciar a TI (tecnologia da informação) com a gestão da percepção e a propaganda com o objetivo de influenciar a opinião pública, recrutar novos membros e gerar recursos”, observaram dois analistas da RAND Corporation. “Enviar uma mensagem”, acrescentaram, “e receber ampla exposição na mídia jornalística são componentes importantes da estratégia terrorista, que tem como finalidade minar a determinação de um oponente. Além dos meios tradicionais, como televisão ou imprensa, a grande rede agora oferece aos grupos terroristas uma forma alternativa de atingir o público, em geral com muito mais controle direto sobre a mensagem” [6].

Igualmente preocupante é o fato de a grande rede, antes considerada uma ferramenta de educação e esclarecimento para o mundo, ter se tornado um meio essencial para a disseminação de propaganda terrorista, ódio e incitação à violência – divulgando teorias conspiratórias das mais básicas e grosseiras com uma penetração completamente distanciada da realidade. Por exemplo, a despeito das repetidas reivindicações, por parte da Al Qaeda, da responsabilidade pelos atentados do 11 de setembro de 2001 e da disseminação de videoteipes de “martírios” por seqüestradores que discutiam os próximos ataques, sites ligados ao movimento jihadista colocaram no ar com regularidade afirmações de que os Estados Unidos ou Israel promoveram eles próprios os ataques para justificar uma guerra ao terrorismo que foi sempre destinada a ser uma “guerra contra o Islã”. O resultado é que as opiniões mais bizarras e improváveis estão adquirindo uma aparência de verdade e veracidade simplesmente devido à sua repetição e circulação pela grande rede sem contestação nem moderação.

Um santuário para a Al Qaeda

A Al Qaeda, na verdade, é apenas um dos grupos terroristas que investiram pesado na criação e extruturação de espécies de “departamentos de comunicação de massa, com publicitários, psicologos, analistas e uma ampla rede de apoio e sustentação organizado em forma de células independentes, mas virtualmente interligados. Desde sua fundação no final dos anos 1980 e aparecimento no começo dos anos 1990, a liderança da Al Qaeda parece ter intuitivamente compreendido o enorme potencial de comunicação da grande rede e buscou usar seu poder para avançar os objetivos estratégicos do movimento e facilitar suas operações táticas.

A prioridade que a Al Qaeda há muito dá à comunicação externa é confirmada por sua estrutura organizacional pré-11/9. Um de seus quatro comitês operacionais originais cuidava especificamente da mídia e da publicidade – Os outros eram responsáveis por operações militares, finanças e negócios, bem como pela fatwa e pelo estudo do Islamismo – [7].

Há informações que especialistas em informática – entre os quais alguns alguns que lutaram no Afeganistão ao lado do fundador e líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, contra o exército soviético durante os anos 1980 -, publicitários, analistas e psicologos foram recrutados e/ou contratados direta ou indiretamente com a finalidade especifica de criar a extensa rede de sites, e-mails e os boletins eletrônicos que ainda estão funcionando – apesar da expulsão da Al Qaeda do Afeganistão, da destruição de sua base operacional naquele país e da contínua guerra global contra o terrorismo liderada pelos EUA – e estruturado “departamento” de comunicacões de massa!

Para a Al Qaeda, a grande rede tornou-se algo como um santuário virtual, fornecendo meios eficazes, rápidos e anônimos de comunicação com seus combatentes, seguidores, simpatizantes e apoiadores no mundo todo, enquanto segue com sua campanha de guerra psicológica. Portanto, apesar do seu enfraquecimento, a Al Qaeda ainda pode gerar medo, alarme e ansiedade em escala global.

Naturalmente, não se pode prever que novas formas e dimensões o terrorismo assumirá durante o restante do século 21. No entanto, é seguro dizer que, enquanto as comunicações terroristas continuarem a se transformar e desenvolver, a natureza do próprio terrorismo também o fará. Nesse sentido, a guerra psicológica, há muito o esteio das intenções e capacidades terroristas, não apenas continuará, mas provavelmente será facilitada e acelerada pelas novas tecnologias de comunicação – assim como tem sido durante as últimas décadas.

* Bruce Hoffman, PhD, é professor da Escola de Relações Exteriores Edmund A. Walsh da Universidade de Georgetown e membro sênior do Centro de Combate ao Terrorismo da Academia Militar dos EUA em West Point.

Texto de EjournalUSA

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Sociedade Militar