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GEOPOLÍTICA – China: coveiro de Impérios e semeador de uma nova ordem

China: coveiro de Impérios e semeador de uma nova ordem

 Já foi tudo ou quase tudo dito sobre a China, de modo é difícil ser-se original. Por outro lado, e com base na minha experiência em responder a perguntas difíceis nas palestras em que intervenho como orador, um pouco por todo o mundo, considero que um investigador não tem de ser um astrólogos. Parece uma afirmação um tanto banal e portanto, pouco ou nada científica, mas é a realidade. Se os acadêmicos fossem astrólogos ou profetas (não dos falsos, mas dos sérios, ou seja, dos que acertam mesmo), teriam previsto o colapso da União Soviética ou a(s) Primavera(s) Árabe(s). Mas não conseguiram. Talvez porque há fenômenos simplesmente imprevisíveis, inclusive para os bons astrólogos, profetas, videntes, curandeiros e, claro está, investigadores…

Também se ouve muito dizer, em jeito de brincadeira, que as previsões são complicadas, sobretudo quando são acerca do futuro. Porque prever o passado é mais fácil e, ao mesmo tempo, um paradoxo, na medida em que ninguém prevê o que já passou, mas, na melhor das hipóteses, recorda a História.

E se for mesmo possível fazer o impossível? Ou seja, viajar no tempo, regressando ao Futuro? Outra incoerência grave pois ninguém regressa ao que ainda está para vir, não é verdade? Se para as pessoas de idade já é impossível regressar ao passado, porque o tempo e as rugas não perdoam nem desaparecem, quanto mais regressar ao futuro… Mas neste meu texto, vou desafiar os limites da Ciência e as fronteiras entre o possível e o impossível, isto é, vou mesmo tentar regressar ao Futuro. Não sei se vou conseguir, mas o Futuro dir-me-á daqui a uns tempos se o que aqui escrevo se confirmará ou não.

Embarcando então na nave do Tempo que cruza o passado, o presente e o futuro, há fenômenos que simplesmente não mudam. Neste sentido, atrevo-me a dizer que a lei do Eterno Retorno é o combustível com que vou abastecer a minha Nave do Tempo. Ou seja, estou prestes a partir para o Futuro que acredito ser a repetição – embora com outros contornos e dimensões – do Passado. A luta pelo poder, o fraco dominado pelo forte, a potência que declina e a outra que ascende, os Impérios que deixam de ser impérios e passam a ser meros Estados… E outros que já foram Impérios…O chamado Império do Meio (a China) e querem voltar a sê-lo.

Para melhor ilustrar o que aqui digo, lanço a seguinte questão. Que aconteceu aos Impérios Britânico, Português ou Espanhol? Não é verdade que jazem algures na História? Uma história que afinal nos conta Paul Kennedy no seu célebre Rise and Fall of Great Powers, em que este autor explica (e bem) que nenhum Império ou Potência permanece para sempre no firmamento da supremacia ou do Poder. Dito de outro modo, a História é uma espécie de coveira de Impérios que nascem, crescem, duram algum tempo, mas acabam por morrer. Não é, portanto descabido, que o próprio Kennedy, espécie de profeta da desgraça, diriam alguns, tenha previsto que os Estados Unidos, a única superpotência mundial da atualidade, se encontram em declínio relativo (não absoluto, atenção). Algo comum aos Impérios do passado, que conhecem o auge, mas depois, cedo ou tarde, cedem a vez a outros.

Desta forma, a questão que se coloca não é se os Estados Unidos vão declinar, porque, em verdade, já se encontram numa situação de declínio relativo, como referi. A grande pergunta deve, então, ser: quem sucederá ao hégemon americano? Ora, no meu regresso ao Futuro, digamos a um futuro de duas décadas, cruzo-me com a China.

Estou em 2036! Verifico que os Estados Unidos continuam a ser importantes, em resultado da sua população, recursos, forças militares, entre outros. Sem querer e por azar (se é que o azar ou a sorte existem) tropeço num túmulo. É difícil ler o que lá está escrito, mas se não me engano, diz “União Europeia”. Será que li bem? Vou então reler. Sim, efetivamente é União Europeia. Junto, em letras pequenas, consigo visualizar uma inscrição mais detalhada, ao pé das cinzas do cadáver. Diz assim:

“Aqui jaz uma união que se desuniu…Começou por ser uma boa ideia, mas depois não aguentou a pressão… Tinha uma Comissão mas não era muito respeitada… tinha também uns refugiados… uns bombistas, uns Brexits… Era boa gente, mas não se adaptou…não nasciam crianças… só idosos… os muçulmanos vieram e aí tiveram os seus filhos…de modo que a essência europeia acabou… O que é, afinal, isso de ser Europeu? Só vejo imigrantes e filhos de imigrantes…não é necessariamente mau, mas também não é muito bom já que não há mais europeus. E os que existiam acabaram por morrer, porque já eram muito velhos. Descansa em Paz União Europeia !”

Continuei o meu caminho e tropecei num coveiro que estava a descansar, depois de enterrar uns impérios. Perguntei-lhe como se chamava. Disse-me que era ‘a China’. Tentei continuar a conversa em inglês, já que a tal China não sabia falar português…. Mas, para meu espanto, a China também não falava inglês… disse-me que se quisesse falar com ela teria de aprender o Mandarim, pois ela estava atarefada a abrir uma grande cova…Para quem é? – perguntei eu, no meu fraco Mandarim. É para a língua inglesa. Na verdade, vou sepultar o Inglês. A partir de agora, o mundo tem de falar Mandarim.

Fiquei desapontado, pois gostava do Inglês… mas percebi que a tal China não parecia estar a brincar… antes pelo contrário. Explicou-me ainda: Não penses que por estares a falar comigo, estamos sós. Não, somos muitos, somos o país mais populoso do mundo…. Achas que iríamos deixar de falar Mandarim para balbuciarmos Inglês? Não, como nós somos mais, e agora até já podemos ter mais um filho (ou seja, vamos praticamente duplicar), então o mundo que se adapte a nós. Estamos fartos de emprestar dinheiro, de perdoar dívidas e de trabalhar. Agora mandamos.

Já lá vai o tempo – continuava a China – em que não interferíamos nos assuntos internos dos Estados… mas eles interferiam nos nossos…. Não tínhamos bases militares… estávamos cansados de ver os aviões dos Estados Unidos, a marinha dos Estados Unidos e, mais ainda, as bases dos Estados Unidos dominar tudo e todos… Achamos, então, que era altura de modernizar e ampliar a nossa própria marinha e de construir as nossas próprias bases. Começamos por inaugurar uma base em Djibuti, espécie de plataforma entre África, Europa e Ásia, depois (atenção estamos em 2036, como disse há pouco, na viagem de Regresso ao Futuro), depois abrimos uma base no Pacífico Sul. Queremos também inaugurar uma base no Atlântico, mas ainda não sabemos bem onde… talvez em Cabo Verde… boa terra, boa localização… estamos a terminar de construir aí um casino… e depois vem a base militar…

Eis então que interrompo para pedir um esclarecimento: um casino em Cabo Verde? Mas o Povo é pobre, como vão jogar se, muitas vezes, têm dificuldade em pagar a própria comida? Veio então a resposta da China: amigo, nós começamos sempre pelos investimentos econômicos e, só depois, entramos na parte militar. Uma espécie de namoro que, se correr bem, acaba em casamento… Mas quando se ama, quer-se proteger o nosso amado e os nossos investimentos, não é verdade? Então pensamos criar aí uma base militar… Sabes, nós viajamos bastante… Temos muitos negócios no mundo inteiro.

As pessoas não gostam muito de nós porque dizem que lhes tiramos empregos e produzimos barato, que inundamos os mercados com os nossos produtos, etc, etc. Então matam os nossos trabalhadores, raptam-nos, agridem-nos… Como se não bastasse, estamos dependentes dos canais e linhas marítimas que estão na dependência dos Estados Unidos. Como assim? – perguntei eu. Então não sabes que os Estados Unidos controlam o Canal do Panamá? Por isso, vamos construir um canal maior e seremos só nós a controlá-lo. Será na Nicarágua, país pobre…Vamos dar-lhes empregos… Os nossos navios não vão ter de se sujeitar mais às ordens de terceiros. Nós viemos para ficar.

 Fiquei pensativo e perplexo com as palavras do coveiro, chamado China. Então saí do cemitério e fui tomar um sumo para descontrair… Quando ia pagar, o empregado disse-me que não aceitava mais dólares… Tinha tido muito prejuízo com essa moeda – explicava ele – mas que me oferecia o sumo, por ser novo na zona… E, que se quisesse lá voltar, então, na próxima vez, que trouxesse yuans, a moeda chinesa. Só queremos yuans, moeda forte, o resto não interessa.

Quando me preparava para sair do restaurante/café, deparei-me com um enterro…marcha lenta…trânsito complicado…enfim. Quem morreu – perguntei eu? ‘Rússia’ – respondeu o empregado. Vivia acima das possibilidades, estava falida… inventava guerras para ocupar o tempo… estava doente…. colapsou… não aguentou a crise, de modo que parece que morreu de ataque cardíaco. Parece que foi de súbito e inesperado, mas já havia precedentes na família…Parece que a União Soviética também morreu de repente. Bom, mais um que vai habitar na cidade dos mortos. A campa estava a ser construída justamente pela China, o tal coveiro com quem tinha falado. O buraco era grande, tal como as esperanças e as ilusões… O defunto, ou melhor, a falecida, a Rússia, iria ficar sepultada ao lado da União Europeia e perto da antiga União Soviética.

  Estava farto de enterros… nem coragem tive para voltar ao hotel… Decidi, então, embarcar na Nave do Tempo, na qual havia, aliás, viajado até ao futuro, e optei por regressar, desta vez, ao presente. Lá, no Presente, tudo parecia menos dramático…Claro, sem contar com uns ataques terroristas na Europa, ou de uma crise ou outra pelo mundo… mas não me parecia tão grave… ou, pelo menos, que justificasse um enterro. Talvez tivesse sido apenas um pesadelo. Se calhar, não devia ter regressado ao futuro.

No presente, e em minha casa, depois de um breve descanso por causa do jetlag entre Presente e Futuro, fui à porta… era o carteiro. Trazia-me uma correspondência registada, com o remetente chamado ‘China’, e uma data de envio: 2036. Percebi, então, que era o coveiro que tinha conhecido no regresso ao futuro… Era ele que me escrevia. Num papel muito bonito, parecido com  seda…ou, em jeito de brincadeira, pois está na moda a expressão… a Nova Rota da Seda que agora os chineses andam para aí a construir. Abri e li:

“Olá, sou a China, o coveiro que conheceste. Foi um prazer falar contigo. Se calhar ficaste com má impressão minha… Não tenho apenas por missão enterrar impérios ou ilusões… também construo, crio expetativas e esperanças… Mas honro o que prometo. Vou edificar um mundo novo, em que todos poderão coexistir, uma nova ordem assente no comércio e na paz… Desde que não me provoquem, não faço mal a ninguém. Um dia que queiras regressar ao Futuro novamente, serás sempre bem acolhido. Poderás ver outra coisas mais interessantes que o cemitério. Estou a terminar um projeto de ligação rápida entre a Europa e eu própria, a China…comboios de alta velocidade. Toma… lê estes panfletos que te envio… vai-se chamar Nova Rota da Seda e será um grande sucesso! Um abraço. China.”

Paulo Duarte – Doutorado pela Université Catholique de Louvain,       Autor de Metamorfoses no Poder: rumo à hegemonia  do dragão? –       duartebrardo@gmail.com

Revista Sociedade Militar

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