Paulo Duarte

Caravanas de informação – China – Geopolítica

Caravanas de informação          

A 2 de maio de 2017, no Casino Estoril, foi dado mais um passo significativo no âmbito da Nova Rota da Seda chinesa, Uma Faixa Uma Rota, como é conhecida em Portugal.

Num evento em que compareceram diversos notáveis, como o Ministro da Economia de Portugal, o Embaixador da República Popular da China em Portugal, entre muitos outros diplomatas, homens de negócio, meios de comunicação e académicos, também eu fui convidado pelos chineses a manifestar a minha opinião, como investigador, sobre o que pode Portugal fazer para melhor corresponder aos desígnios da Nova Rota da Seda chinesa.

Falou-se em criar confiança, na arte de bem receber e acarinhar os chineses que residem em Portugal. Falou-se também de investimentos, infraestruturas e de mil e uma coisas. Houve inclusive incentivos à troca de abraços, para melhor exemplificar a importância de se estabelecer a dita confiança, que é, aliás, a pedra basilar de qualquer negócio de êxito. Com efeito, nenhum investidor de renome ousa colocar o seu dinheiro em algo que não lhe inspira confiança.

O encontro que deu pelo nome de Primeiro Forum de Economia Sino-Português, serviu, entre outros aspetos, para o lançamento da versão portuguesa da edição online do jornal oficial chinês Diário do Povo: a Haiwainet. Informação é poder, mas é igualmente uma fonte de soft power, se bem utilizada. É este o meu entendimento, como investigador. A China tem sido um ator hábil no que respeita à realização de investimentos à escala mundial, mas um fraco player quando se trata de convencer, atrair ou seduzir. É, afinal, para isso que serve o soft power, na conceção de Joseph Nye. Um poder de atração. Os Estados Unidos têm-no. A Europa, de certa forma, também. A China nem por isso. Alguns comentadores mais críticos ironizam, argumentando que a China exerce soft power com hard cash. Consciente desta limitação, o Império do Meio tem dado passos extraordinários no sentido de anunciar o seu ambicioso projeto win win, como preconiza, ao mundo. Os meios de comunicação são, por conseguinte, instrumentos fundamentais para se fazer passar determinada mensagem às massas.

Após o discurso dos CEOs e diplomatas, seguiu-se uma sessão de perguntas e respostas, com um moderador chinês, que colocava questões-chave a cada interveniente. Eu tive o privilégio de ser convidado a apresentar a minha visão, num evento com tradução simultânea para mandarim e português. Expliquei à minha ilustre audiência que se outrora, no tempo da antiga Rota da Seda, as caravanas que cruzavam a Ásia rumo ao Ocidente eram compostas de camelos e outros animais que suportavam um longo e árduo percurso, atualmente, a Nova Rota da Seda também é feita de caravanas, mas bem mais sofisticadas. E dei como exemplo o que ali se estava a celebrar, ou seja, o lançamento de um jornal online, como sendo (metaforicamente) uma caravana de alta velocidade, movida pelas novas tecnologias, acessível num clique, sem necessidade de atravessar desertos a passo de mula. Por outras palavras, a Nova Rota da Seda consiste num misto de linhas férreas de alta velocidade, linhas marítimas, oleodutos e gasodutos, mas também de linhas de informação, de fibras óticas, num esforço notável em ligar povos e culturas diferentes.

O outro grande contributo que procurei dar, quando o moderador me pediu para exemplificar em detalhe qual poderia ser o meu papel no quadro da Nova Rota da Seda chinesa, foi o de explicar que através dos artigos e livros que escrevo, ou das palestras que dou, procuro ajudar a trabalhar a mente. Isso. Não sou propriamente um psicólogo nem algo que se pareça, mas coloquei o ênfase na importância de quebrar barreiras psicológicas, como condição para a Nova Rota da Seda chinesa poder dar saltos qualitativos substanciais. Referi-me, em particular, ao facto de a Europa manter fortes laços, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com os Estados Unidos, o que explica que as incursões chinesas no continente europeu causem mal-estar e apreensão em Washington. Um caso concreto: 16 dos 27 Estados europeus decidiram aderir ao Banco Asiático de Desenvolvimento de Infraestruturas, uma iniciativa chinesa de apoio à Nova Rota da Seda. Esta extraordinária recetividade da Europa, velho aliado dos EUA, e na ausência de qualquer política coordenada por parte da Comissão Europeia, gerou surpresa inclusive nos próprios chineses.

Este episódio curioso mostra o triunfo da realpolitik, a necessidade de os Estados maximizarem os seus interesses, confirmando assim a velha máxima de Palmerston: States have no permanent allies or friends, just permanent interests. Ou seja, por muita indignação que tal cause no tradicional aliado americano, os países europeus começam a perceber o potencial da China, mais concretamente, o benefício em diversificarem aliados. Contudo, a barrreira psicológica é uma espécie de auto-censura, de linha vermelha, que os países-membro da OTAN sabem que não podem ou não devem transpor. Psicológica porque não há nada que os impeça de procurarem diversificar parcerias fora da OTAN. Mas é grande o receio de ferir a velha aliança com os EUA. Superados estes receios, então estou convicto de que os países europeus poderão retirar o máximo proveito de uma saudável (espero) competição entre a superpotência americana e a superpotência em gestação: a China.

Paulo Duarte, PhD – Especialista na Nova Rota da Seda chinesa

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