BRICs, EUA e a Crise da Venezuela: Guerra à Vista?
Parte I – aspectos econômicos
O Brasil é o novo líder do bloco econômico chamado de BRICS. O BRICS é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, todos países com população abundante, grandes riquezas naturais e em potencial crescimento econômico, cujo objetivo é juntar forças para desafiar os interesse políticos e econômicos de grandes potências mundiais.
Observa-se que, nas Américas, o Brasil é o único representante, o que aponta a dimensão da importância do País no contexto objetivo de “desafiar grandes potências. Fica claro que a tarefa política do Brasil, nesse bloco, era contestar e desafiar os interesses dos EUA, país hegemônico, economicamente, no continente americano.
Eis que surge uma guinada na política externa e econômica do Brasil, a eleição do Presidente Jair Bolsonaro. A política externa nacional voltou a se alinhar com os Estados Unidos e a política econômica tende a diminuir os tributos, reorganizar a previdência, desburocratizar o empreendedorismo e reduzir a interferência do Estado na economia, facilitando importações e exportações de produtos e serviços.
Depois de declarada nula a eleição de Nicolás Maduro pela Assembléia Nacional da Venezuela (correspondente ao nosso Congresso Nacional), o deputado Juan Guaidó, seu presidente, assumiu interinamente o governo do país em janeiro de 2019.
Deram apoio ao novo governo da Venezuela: Brasil, Estados Unidos e outros 50 países ao redor do mundo. Rússia, China, Índia e África do Sul não reconheceram o novo governo e deram apoio ao ditador Maduro, no poder desde março de 2013.
Mas EUA e Venezuela não pertencem ao BRICS, qual a ligação?
Os maiores compradores de produtos para a Venezuela são: em segundo lugar Índia (17,2%) e em terceiro China (14,1%). Os principais produtos exportados foram, em 2017: petróleo, bauxita, alumínio e aço.
Os maiores vendedores de produtos para a Venezuela são: em segundo lugar China (14,3%) e em terceiro Brasil (7,4%). Os principais produtos importados foram, em 2017: matérias primas, máquinas, equipamentos, materiais de transporte e construção.
Como primeira ligação observa-se que China, Brasil e Índia estão entre os maiores parceiros comerciais da Venezuela. À exceção do Brasil, todos apoiam a ditadura de Maduro.
Perceberam que falta algo? adivinhem quem é o principal parceiro comercial da Venezuela? Estados Unidos da América, isso mesmo. Os EUA são responsáveis pela compra de 35,1% dos produtos exportados pela Venezuela e pela venda de 22,1% dos produtos importados por ela (2017).
Assim, como segunda ligação, temos que, se somarmos as participações de China e Índia nas exportações Venezuelanas teremos 31,7%, ou seja, menor que a exportação para os EUA. Já, no fornecimento de produtos aos venezuelanos, observamos que a coligação Brasil – EUA supera em mais de 15% a dos demais BRICS.
Ou seja, sob o aspecto econômico, o realinhamento do Brasil com os EUA não é maléfico para a Venezuela, entretanto, é uma perda de espaço de potencial crescimento nas relações comerciais entre Rússia – Venezuela.
Parte II – aspectos geo militares
A perguntas da semana são: o Brasil está preparado para combater na Venezuela para salvar a população do regime ditatorial de Maduro? Rússia e China podem esmagar o Brasil em um potencial conflito? Devemos deixar os EUA liderarem as operações militares por lá?
É profusa a disseminação de informações na internet sobre a posição dos países em relação ao poder relativo de combate dos maiores exércitos do mundo. A Global Firepower é uma referência confiável para consulta.
Segundo aquela revista, em 2018, os EUA são a maior potência mundial, seguidos pela Rússia, China e Índia, respectivamente em segundo, terceiro e quarto lugares.
O Brasil ocupa a 1ª posição no ranking na América Latina e a 14ª posição no mundo. Já a Venezuela aparece cinco posições atrás do Brasil no ranking da América Latina e após o 50º lugar no ranking mundial.
Todavia, essa comparação numérica é simplória e pueril, existem outros fatores que clarificam a resposta às perguntas da semana citadas no início do texto. Vamos a elas.
O Brasil está preparado para combater na Venezuela para salvar a população do regime ditatorial de Maduro?
Se compararmos o espaço geográfico da Venezuela com o do Afeganistão, por exemplo, veremos que o Afeganistão corresponde a 2/3 do território Venezuelano. Apesar de menor, o Afeganistão possui 5 milhões de pessoas a mais em sua população o que lhe confere uma maior densidade demográfica.
Foram necessários 68.000 soldados de 41 países diferentes para combater a guerra contra o terror e reestabelecer a paz e o funcionamento das infraestruturas críticas naquele país. O conflito durou de 2001 a 2014, quando as tropas internacionais retiraram se retiraram do Afeganistão. Ainda há tropas americanas remanescentes lá, até hoje. O custo da guerra já ultrapassou USD$ 700 bilhões, só para os EUA.
Em uma conta rasa, considerando que a Venezuela é maior que o Afeganistão, seria necessário mobilizar pelo menos 90.000 soldados para essa invasão, fora as toneladas de armamento, transportes, suprimentos e equipamentos necessários para pelo menos 3 meses de combate.
O Brasil possui essa quantidade de militares mobilizáveis e condições logísticas razoáveis, porém, essa não é a principal e nem a única pergunta importante. As perguntas que importam são: quando essas tropas estariam prontas? quanto tempo para posicioná-las? quanto custa uma empreitada dessas?
Os EUA e as tropas de coalizão demoraram mais de 6 meses para preparar e concentrar suas tropas na região de conflito. Houve transportes aéreos, marítimos e terrestres.
No caso da Venezuela, só existe uma estrada que liga o Brasil à Venezuela, o que restringe, absurdamente, o deslocamento de tropas. O desembarque nos portos e aeroportos da Venezuela seriam muito dificultados, pois teria que haver uma ação preliminar de tropas especiais (paraquedistas, comandos e forças especiais) para prepara-los para uma tomada de assalto e a junção com tropas terrestres.
Portanto, a resposta é sim, o Brasil tem condições de liderar uma empreitada bélica, entretanto, levaria muito tempo para estar pronto para desencadeá-la, pelo menos 6 meses.
Mas Rússia e China poderiam esmagar o Brasil em um potencial conflito?
Sim, poderiam, mas levariam os mesmos 6 meses, pelo menos, para trazer no mínimo o mesmo valor de soldados e equipamentos para conduzir uma defesa estratégica dos pontos a serem colocados como alvo.
Devemos deixar os EUA liderarem as operações militares por lá?
A liderança natural da América do Sul pertence ao Brasil, nossa liderança atual no BRICS é um claro sinal disso. Todavia, os EUA poderiam liderar uma ação militar? sim, mas creio que não vão.
A Rússia tem interesse em aumentar a sua influência nas Américas e, com o alinhamento do Brasil com os EUA, tende a perder essa linha de conexão. Isso explica seu enorme interesse em manter o ditador Maduro no poder.
Uma empreitada militar em território venezuelano possui entraves geográficos, logísticos e financeiros que devem ser bem pesados em relação aos custos e benefícios. Um potencial apoio militar de China e Rússia desencadearia uma movimentação de tropas estratégicas de forças navais e aéreas, em movimentos intercontinentais que poderiam eclodir uma guerra em escala mundial.
Talvez, esse combates fossem muito mais custosos em recursos financeiros e muito mais sangrentos para os envolvidos que se desloquem do outro lado do mundo para as américas, do que para o Brasil e Venezuela em si. É improvável que aconteça, porque não há no horizonte ganhos positivos a curto ou médio prazo que justifiquem essas ações bélicas.
As relações econômicas entre o BRICS parece não estar sendo afetada. A China continua sendo o maior parceiro comercial do Brasil e a Índia acabou de selar intenções de compra de carne de aves do Brasil, cujas projeções de crescimento superam os 7% ao ano.
Portanto, a existência das fortes relações comerciais entre os BRICS, EUA e Venezuela conduzem à suposição de que a solução dos conflitos internos na Venezuela serão resolvidas pelos meios diplomáticos muito mais rapidamente do que se a opção for uma intervenção armada, iniciada por quaisquer um dos envolvidos.