Política Brasil

Raquel Sheherazade e suas declarações “vis e vulgares” sobre os presídios e a responsabilidade do estado

A jornalista Raquel Sheherazade chegou a ser idolatrada pela ala conservadora da sociedade por suas declarações severas e contundentes à época em que os governos de esquerda comandavam o país. Após algum tempo passou a ser odiada por ter disparado algumas frases contra Jair Bolsonaro.

Vamos nesse pequeno texto analisar frase por frase a última postagem considerada polêmica da apresentadora e ao final solicitamos que o amigo leitor emita seu posicionamento. As considerações são apenas sobre o texto, não se leva em conta seu passado, presente ou futuro.

O Texto de Raquel Sheherazade está em vermelho e dividido em trechos para facilitar a discussão. Minhas considerações estão logo abaixo de cada excerto.

Raquel Sheherazade – O estado brasileiro também é culpado quando ele deixa de intervir na criminalidade que acontece dentro dos presídios. Ora, todo mundo sabe, armas e drogas circulam livremente nas cadeias sob o nariz, sob o olhar do estado e com a conivência dos agentes prisionais.

A sociedade tem reclamado das autoridades porque até hoje não se solucionou o problema do ingresso de celulares, armas e drogas dentro dos estabelecimentos prisionais. Todos também concordam que sem a conivência por ação ou omissão de alguns profissionais das prisões, que vez por outra são presos, não haveria como aparelhos telefônicos, armas e drogas entrar em presídios. Portanto, não há erro ou incoerência alguma no excerto acima.

Raquel Sheherazade – As rebeliões, elas não são sequer investigadas, os agentes públicos sequer são punidos. Todo mundo sabe, cadeias são um antro de criminosos e todo mundo sabe, criminosos dos dois lados das celas, se é que vocês me entendem.

No que diz respeito a esse sistema, é correto dizer que os agentes públicos têm sob sua responsabilidade os presídios e presidiários. Se rebeliões e mortes não são evitadas é porque falta maior aplicação. Rebeliões – além dos danos aos detentos e agentes prisionais – causam prejuízo ao erário público. Alguém facilita, como acima colocado, a entrada de celulares, armas e drogas. Portanto, como foi colocado, exstem sim criminosos dos “dois lados das grades”. Oviamente nenhuma generalização é coerente, mas não percebi isso no texto.

A lei 7210, assinada por um general-presidente em 1984 e ainda em vigor no país, determina que: Juiz e Ministério Público devem… “inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade

Quem deixou de fazer o seu serviço da forma correta deve ser responsabilizado, a começar pelos governadores se não tiverem destinado as verbas corretas para o sistema e até juízes e promotores se não tiverem realizado as inspeções determinada pela legislação.

Raquel Sheherazade  –  Os nossos presídios são masmorras, são depósitos de gente, são criadouros de criminosos se é que vocês me entendem. Como a gente pode ignorar as torturas físicas e psicológicas a que os presos são submetidos? Como ignorar a superlotação que desafia até as leis da física, fazendo caber 1000 pessoas em um espaço onde só caberiam 300? Como acreditar que de um ambiente insalubre, degradante e bárbaro como esse possa emergir um cidadão recuperado e pronto para voltar ao convivo social? Então não adianta fechar os olhos, não adianta fazer de conta que não é com a gente, que o problema não é nosso, porque é.

Quase todas as pessoas que estão em presídios um dia estarão novamente nas ruas. É inegável que os estabelecimentos prisionais são verdadeiras universidades do crime. Alguém pode negar que pessoas encarceradas passam necessidades, morrem, sofrem maus tratos? Não se discute aqui se merecem ou não merecem, nem se eu ou você achamos que devem mesmo é se danar por lá. 

O que se colocou no texto foi que se não houver – por exemplo – uma divisão entre presos piores e os menos piores, todos vão se aperfeiçoar nas práticas criminosas. Se o indivíduo entra como independente ladrão de galinhas pode sair de lá como um hábil traficante e membro de facção criminosa. É correto também dizer que se o estado não resolver de alguma forma o problema dos estabelecimentos prisionais quem sofrerá em um futuro próximo é a própria sociedade, já que quase todos os presos estarão novamente nas ruas cedo ou tarde.

A jornalista não falou em acariciar presos, em livrá-los de trabalhos forçados ou em abrandar suas penas.

Raquel Sheherazade  –  Os presos de hoje são os homens libertos de amanhã e se o estado não ajudar a regenerar essas pessoas será pior pra todos nós.

Pergunto: Há pena de morte no Brasil?  Quem está preso hoje um dia voltará para as ruas? As respostas são obvias. Portanto, é mais que obvio que o estado tem que tentar fazer alguma coisa para que os presídios deixem de ser verdadeiras universidades do crime e para que os detentos saiam de lá melhores do que entraram. Ou por acaso Qual o erro nisso?  É lamentável quando uma sociedade se radicaliza a ponto de não conseguir enxergar uma verdade obvia.

Independente de quem seja ou do que tenha falado no passado as palavras de Sheherazade ao que tudo indica, foram coerentes.

Um dos comentários abaixo da postagem da jornalista diz: “A solução esquerdista é soltar todo mundo… o mesmo bla-bla-bla…“. Contudo, no texto da jornalista não se encontra sequer uma linha sugerindo algo parecido.

Não conheço pessoalmente a jornalista e tampouco concordo com tudo o que diz. Nossas reflexões estão aqui limitadas a esse texto, a essa sua fala. Repito abaixo porque hoje em dia algumas coisas precisam ser quase desenhadas.

“Nossas reflexões estão aqui limitadas a esse texto, a essa sua fala”

Não é coerente prejulgar ou repudiar qualquer declaração, texto ou ideia porque não simpatizamos com a fonte.

A gravidade existe e a terra e redonda. Um conservador é obrigado a discordar caso Raquel Sheherazade afirme isso em alguma declaração?  Concordar com ela torna uma pessoa comunista, petista ou esquerdista? É como se a própria existência da jornalista em questão trouxesse perigo aos que tem posicionamentos contrários ao que acham que é seu viés político. Raquel então se torna inimiga, retiram-lhe sua humanidade e decretam que passa a ser um elemento a ser destruído, tudo que toca ou fala é “radioativo” e deve ser repudiado. Não seria isso radicalismo?

O sociólogo Elias Canetti tem uma definição precisa para o que chama de massa de acossamento. Vejam: “… forma-se tendo em vista uma meta que se pode atingir rapidamente. Esta é-lhe conhecida e definida com precisão; é-lhe também próxima. Seu objetivo é matar, e ela sabe quem quer matar. Munida de uma determinação sem par, a massa de acossamento lança-se sobre sua meta; é impossível enganá-la. Para que uma tal massa se constitua, basta anunciar a meta e propagar o nome daquele que deve morrer. A concentração no matar é de natureza especial, insuperável por qualquer outra em intensidade. Todos querem participar; cada um quer desferir seu golpe…

A definição clássica para massa passa por um grupo de pessoas que se une por auto-proteção e age por estímulos externos, é facilmente manipulada.

Tenhamos cuidado, não podemos deixar que o país se radicalize novamente, dessa vez pelo viés inverso. Chega do nós contra eles que condenávamos há apenas poucos meses.

Artigo de opinião. Robson Augustto é Militar na Reserva, Jornalista e Cientista Social.

Revista Sociedade Militar

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