Ainda antes da composição do governo Bolsonaro, vários militares de alto status já demonstravam preocupação com uma possível “politização de militares da ativa” e implicações disso para as Forças Armadas, sempre bem vistas pela sociedade e reconhecidas como instituições de estado, não de governo. Todavia, hoje percebe-se um grande número de militares dentro do Palácio do Planalto ocupando funções de governo, alguns são ligados à articulação política. Um desses militares – general Heleno – na semana passada deixou escapar uma fala que acabou gerando uma grande tempestade.
Paulo Chagas, oficial general e ex-candidato a governador pelo DF, disse essa semana que o presidente Bolsonaro não conseguiu formar uma equipe capaz de dar conta da “grandiosidade da tarefa” e que o governo se encontra “refém do parlamento”.
Sobre o assunto a Revista Sociedade Militar ouviu alguns militares considerados como grande formadores de opinião dentro de seus círculos de influência. Um deles é o Brigadeiro Átila Maia, que se manifestou de forma bastante semelhante a outros oficiais ouvidos em off pela revista. Ele respondeu sobre o possível desgaste das forças armadas ao participar ativamente dos projetos de Jair Bolsonaro e falou um pouco sobre a crise de relacionamento entre o governo e as casas legislativas.
Atila Maia é Brigadeiro do Ar, piloto, foi representante do Brasil na OEA e foi secretário executivo do Ministério da Pesca, entre outras qualificações. Quando candidato a senador pelo DF em 2018 o militar se destacou por ter obtido mais de 130 mil votos com o gasto irrisório de pouco mais de 3 mil reais. O oficial está filiado ao PTB e pretende disputar o cargo de presidente da república em 2022.
Revista Sociedade Militar – Bolsonaro tem escalado vários militares para cargos chave do governo, inclusive alguns encarregados de articulação política. O senhor acredita que isso melhora ou piora a governabilidade já que em tese militares seriam pouco habituados a circular no ambiente político?
Brigadeiro Átila Maia – Os militares envolvidos nessa questão, pela própria natureza da formação e da carreira são competentes, avaliados, experientes e testados. Portanto, não vejo problema para que eles possam ocupar qualquer cargo, de natureza civil, no serviço público. O que não pode é serem usados, pela força da disciplina e da hierarquia, como fiadores de telhados de vidro e descartados como algo insignificante. Isso é inaceitável.
Revista Sociedade Militar – Ainda quanto aos cargos cedidos para militares. Temos visto oficiais generais antigos expressando preocupação com o grande número de oficiais ao lado do presidente. De fato, muitos ex-membros do ALTO COMANDO do Exército hoje estão no governo, incluindo o ex-comandante militar do Sul, o ex-comandante militar do Sudeste e próprio ex-comandante do Exército. O senhor crê que em caso de fracasso desse governo e substituição em 2022 por outro sem ligação com Bolsonaro as forças armadas podem ser um dos principais perdedores?
Brigadeiro Átila Maia – É preciso deixar bem claro um ponto: ESTE NÃO É UM GOVERNO MILITAR. Pois, o Presidente passou precocemente para a reserva em meio a um “clima nebuloso” em que haviam muitas acusações de parte a parte. Assim sendo, não vejo nenhuma possibilidade de comprometimento para a Instituição e para seus integrantes. Os militares que pelo governo transitam sempre estão no estrito cumprimento de dever cívico.
Revista Sociedade Militar – O que o senhor acha, o erro está no modus operandi do governo, de fato o parlamento está mal acostumado ou um pouco de cada coisa?
Brigadeiro Átila Maia – Eu penso que a dificuldade reside na incapacidade do Dirigente maior e de seus assessores de compreenderem a verdadeira natureza das coisas. Eleger prioridades, escolher gastos, fiscalizar essas opções é tarefa difícil, polêmica e controvertida. Mas é a missão do Legislativo. Talvez, a mais importante: dar ressonância e permitir que sejam verbalizados os mais distintos ângulos de uma mesma questão.
Além disso, ninguém se livra das consequências de suas próprias escolhas. É inegável que o processo de indicação para eleição dos presidentes das casas legislativas (Câmara e Senado), em 2019, deu-se com a ativa e determinante participação do Mandatário da Nação e de sua família, com o voto dos deputados e senadores que integravam sua bancada de apoio, inclusive dos de primeiro mandato. Portanto, se a colheita está ruim, nada mais é do que o resultado do plantio.
Ademais, é atribuição do Chefe do Executivo ser bom articulador, gestor e negociador. A relação com o Congresso Nacional e por essência negocial, pois trata-se de um permanente jogo democrático de diferentes interesses dos vários segmentos da sociedade brasileira. Essa falta de habilidade do Executivo não pode ser caracterizada como chantagem do parlamento, pois a inépcia e a negligência sempre levam a consequências dolorosas. Afinal, em toda a história da humanidade a minoria organizada e bem orientada sempre venceu a maioria. O nome disso é colheita!