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A MAIS BELA DAS PROFISSÕES – Vice Almirante Reformado Sergio Tasso Vásquez de Aquino

Obs: Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Revista Sociedade Militar. Sua publicação tem a intenção de estimular o debate sobre o quotidiano militar/político/social e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

A MAIS BELA DAS PROFISSÕES
Vice Almirante Reformado Sergio Tasso Vásquez de Aquino

Em 22 de abril de 1952, a grande maioria dos 165 aprovados no Concurso de Admissão ao Colégio Naval, moradora na então Capital da República, embarcou, no cais do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, no Contratorpedeiro de Escolta (CTE) “BAURU”, veterano da Segunda Guerra Mundial, da qual participou, sob a Bandeira do Brasil, protegendo os navios mercantes nos comboios que navegavam no Atlântico, a partir de e para os portos nacionais. Seu destino era Angra dos Reis, onde se situava a nova “célula mater” da Marinha, inaugurado que fora no ano anterior.

Encontrava-me eu entre esses jovens vibradores e esperançosos, honrado especialmente por me haver classificado em primeiro lugar no desafiador, difícil e seletivo exame, que congregara milhares de candidatos de todo o Brasil. Motivava-nos a todos a vocação, o chamado de Deus plantado no coração, feita pelo amor ao mar, o desejo de servir à Pátria e de pertencer ao seleto grupo de homens bravos e honrados que, através de nossa História, tanto se haviam destacado, na paz e na guerra, na defesa da independência, da soberania, da segurança, da honra e da grandeza do Brasil. A redação da prova de Português tivera, como tema, “Por que escolhi a Marinha?”. Pude dizer que, desde criança, desenhara e pintara navios mercantes e de guerra que portavam a Bandeira do Brasil. Que me atraía a vida cheia de ventura e de aventura dos marinheiros, que enfrentavam com bravura os percalços tormentosos do Mar-Oceano. navegavam pelos mares do mundo e conheciam novas terras e novas gentes, envoltos numa aura de romantismo e mistério, sempre gozando de lugar especial na admiração das mulheres de todas as latitudes e longitudes. Que me tocavam sobremaneira os feitos heroicos dos homens do mar em todas as guerras externas e nas lutas para manter a unidade nacional de nossa Pátria, por mim conhecidos das aulas de História e através dos livros sobre os feitos notáveis dos soldados e marinheiros do Brasil que meu Pai sempre me dava, desde quando bem menino era eu.

Do mesmo modo, que muito me influenciaram os relatos e as imagens dos combates navais que decidiram a sorte da guerra havia pouco terminada, em 1945, na Batalha do Atlântico, principalmente contra os submarinos do Eixo, da qual participou a Marinha do Brasil, e na Guerra do Pacífico, envolvendo portentosos meios de superfície, submarinos, aéreos e de fuzileiros navais, aliados e japoneses. Que desejava levar, com muito orgulho, aos portos e mares do mundo, o meu navio com o auriverde pendão da esperança tremulando aos ventos em seu mastro de honra, significando a presença do Brasil, para ser conhecido e respeitado por toda a parte.

 Falei do garbo e da apresentação impecável das tropas navais em desfile, da emoção causada pelos seus belos uniformes e pelo som inconfundível das bandas marciais. Que, aluno do magnífico Colégio Militar do Rio de Janeiro desde os onze anos de idade, já havia decidido ser militar, do Exército e de Cavalaria, como meu Pai, mas que a muito bem feita propaganda da Marinha sobre a recente inauguração do Colégio Naval, “no belo e aprazível recanto do litoral fluminense”, me trouxera à memória os muito alinhados Oficiais de Marinha que havia conhecido em Washington, DC, EUA, onde meu pai servia durante a Guerra, de 1942 a 1945. Então, resolvi: vou para a Marinha!

Desembarcados do ‘BAURU” no porto de Angra, na tarde do mesmo 22 ABR 1952, fomos marchando em formatura pela estrada que conduz à Enseada Batista das Neves, onde ficam as imponentes instalações do Colégio Naval, destacando-se, na sua cor amarela, entre mar diante de si e o verde da mata que se espraia pelas montanhas ao fundo. Esperavam-nos, formados, a Oficialidade e a guarnição, os veteranos do segundo ano e os colegas de turma procedentes dos Estados que não o Rio de Janeiro, chegados dias antes e já aquartelados. Em belo, inspirador e comovente discurso de boas-vindas, o Comandante, então CMG Mário Costa Furtado de Mendonça, marcou-nos com as seguintes palavras: “Se jovem eu fora, estaria de novo entre vós, para incorporar-me, uma vez mais,  à MAIS BELA DAS PROFISSÕES!”

Nossos licenciamentos para o Rio de Janeiro, sempre a bordo dos valentes CTE e CT Classe A, processavam-se a intervalos de dois-três meses. Nos demais fins-de-semana, costumávamos navegar a pano pelas ilhas da Baía da Ilha Grande, para animadas “patescarias”, usando nossos escaleres. Assim, foram sendo cimentados o amor ao Colégio, a amizade entre as duas turmas, depois de vencido o duro período inicial de trotes, e o pendor marinheiro em nossas almas, mentes e corações. Fomos transferidos para a Escola Naval em março de 1954, para viver na plenitude a glória de sermos Aspirantes de Marinha!

Éramos a elite estudantil da época, recebidos em todos os ambientes e festejados e acolhidos com agrado por toda a sociedade, da mesma forma que os colegas da Academia Militar das Agulhas Negras e da Escola de Aeronáutica, então ainda do Campo dos Afonsos. Considerados bons partidos, éramos disputados pelas mocinhas casadoiras e suas famílias, mães esperançosas à frente. Reinávamos nas festas, bailes de formatura, grandes eventos sociais e culturais. Sentíamo-nos, e assim éramos universalmente tratados, como verdadeiros príncipes! Um colega um ano mais antigo, que havia participado das Comemorações do Quarto Centenário de São Paulo, em 25 de janeiro de 1954, relatou-me a imensa euforia das jovens paulistanas diante da presença da Delegação da Escola Naval. O entusiasmo feminino levou a que botões dos uniformes chegassem a ser arrancados, e alguns casamentos acabaram acontecendo, como consequência dos namoros então iniciados com moças das famílias quatrocentonas…O Baile de Onze de Junho, no Clube Naval, era extremamente requintado e muito disputados eram seus convites. O uniforme era a casaca e a festa tão maravilhosa, que me deixou perplexo, quando nela estive, pela primeira vez, graças a ser o Aspirante número um do Primeiro Ano, em 1954.

Guardo a lembrança de outros acontecimentos marcantes de que participei, pelo simples fato de ser Aspirante de Marinha. Entre eles, a recepção pela posse do Presidente Juscelino Kubitschek, no Palácio Itamaraty, a inauguração da primeira refinaria do Brasil, no interior de São Paulo, viajando em trem especial e acompanhando Delegação do EMFA e da ESG, festas variadas, aniversários de quinze anos, bailes de debutantes e de formaturas, no Country Club, Fluminense, Tijuca e Grajaú Tênis Clubes e outros ambientes de elite, comemorações e recepções em Embaixadas estrangeiras, sessões culturais na Academia Brasileira de Letras, apresentações de orquestras sinfônicas, de óperas e de dança clássica no Teatro Municipal….

Como Diretor de “A Galera”, revista dos Aspirantes de Marinha, e Presidente do Grêmio Literário ‘Phoenix Naval”, tive ainda oportunidade de conhecer e privar com grandes vultos de nossas Letras, como Manuel Bandeira e Austregésilo de Athayde. Quando me decidi por seguir a carreira das armas, meu Pai, que dizia desejar que eu fosse engenheiro, pelos talentos que vislumbrava em mim, em face dos excelentes resultados escolares colhidos no exigente Colégio Militar, e pela convicção de que, no Brasil, muito ainda restava a construir, finalmente declarou sua enorme satisfação pela escolha que eu fizera, e me falou: “Meu filho, você jamais será rico, mas terá o suficiente para viver dignamente. Nunca terá patrões, mas sim Chefes. Jamais ficará sozinho, porque terá sempre a Instituição Militar e seus colegas ao seu lado, e sua dignidade jamais será atingida, por mais baixo na hierarquia que seja seu posto, se você se der ao respeito e se portar com correção e altivez”.

Conseguimos, minha mulher e eu, criar e educar (e formar para a vida e para serem bons cidadãos) adequadamente quatro filhos, que frequentaram boas escolas, tiveram assistência médica satisfatória e sempre residiram em bons endereços. Desde 1990, tal situação não mais ficou ao alcance dos militares, especialmente os da mais baixa hierarquia e/ou no início da carreira.

A vingança dos governos que desde então se sucederam, contra o Movimento Restaurador de 31 de Março 1964, os levou a deliberadamente negar às Forças Armadas os recursos e meios necessários para se reaparelharem e atualizarem, num mundo marcado de guerras, ambições sobre o patrimônio nacional alheio e conflitos, e aos militares a remuneração digna a que fazem jus. A desculpa tem sido, sempre, a de que o Estado não dispõe de recursos para atender esses ingentes reclamos que têm repercussão direta e fundamental na Segurança Nacional e o Moral do Pessoal. Enquanto isso, desvios, desperdícios, benesses inaceitáveis têm sido dilapidados na maior corrupção havida no mundo, no pagamento salarial absurdo e regalias outras, fora da realidade, a Legislativos, Judiciário, categorias beneficiadas com tratamento especial dos Executivos Federal, Estaduais e Municipais, nos empréstimos a juros baixos e muitas vezes sem qualquer cumprimento a cláusulas de pagamento, a empresas nacionais e estrangeiras, países estrangeiros com matriz ideológica de esquerda, compadres dos governos que nos assolaram no período de predomínio da esquerda radical…

Só não há recursos para os militares e as Forças Armadas! Enquanto Almirante no Serviço Ativo, cumprindo meu Dever de Chefe e por entender, claramente, que, dentro dos princípios basilares da Disciplina e da Hierarquia, são os mais antigos que devem falar pelos subordinados e zelar pelo seu bem-estar, moral elevado e prontidão para todas as Missões, na paz e na guerra, bati-me firme e incansavelmente pelo estabelecimento da Isonomia na Remuneração de todas as pessoas pagas pelo Estado, pelo fortalecimento e atualização da Expressão Militar do Poder Nacional, pela devolução das condições social e econômica de que os militares gozavam antes de 1990, tornando de novo atraente e desejada nossa carreira das armas para a elite estudantil brasileira e restaurando o lugar invejável de que sempre havíamos desfrutado na sociedade. Custou-me isso o afastamento indesejado e prematuro da Carreira. Na Reserva e Reformado, apenas com o poder da palavra escrita e falada, o único que me resta neste inverno da vida, continuo há 27 anos no Bom Combate, sempre lutando pelo melhor para o Brasil e suas gloriosas e invictas Forças Armadas.

Reitero, a todos aqueles que, hoje, têm poder de decisão, uma sugestão que apresentei, em 23 de abril de 1992, sendo Vice-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e representante do estamento militar, na Primeira Reunião dos Três Poderes sobre Isonomia de Remuneração no Serviço Público, realizada no prédio Anexo ao Congresso Nacional (a segunda seria realizada em 08 de maio de 1992, no EMFA, presidida por mim) e que tenho repetido seguidamente desde então: “Se não há recursos para pagar adequadamente os militares e os civis do Plano de Classificação de Cargos, que se estabeleça como limite de remuneração, para todas as pessoas que recebem do Estado, e sem quaisquer exceções, penduricalhos e jeitinhos, o rendimento bruto dos Almirantes de Esquadra”.

O Brasil precisa de que “A MAIS BELA DA PROFISSÕES” seja resguardada, preservada na sua grandeza, elevada,  voltando a merecer de fato todo o apreço e a maior consideração da parte do Estado e dos Governos, de todas as pessoas por eles responsáveis, como já tem do povo, que a considera a mais confiável das Instituições Nacionais. Só quando as elites políticas. econômicas, psicossociais entenderem o papel fundamental, único e exclusivo das Forças Armadas, e agirem de acordo, poderá a Nação ter segurança para gozar, na plenitude, da independência, da soberania, da integridade do patrimônio nacional, da integração nacional, do progresso, da paz social e da democracia, apanágio da “livre terra dos livres irmãos”, que nos foi legada pelo sangue, pelo suor, pela bravura, pela coragem, pela determinação, pelo patriotismo dos nossos heroicos ancestrais!

                                      Rio de Janeiro, RJ, 05 de março de 2020.
                                 VICE ALMIRANTE REFORMADO SERGIO TASSO VÁSQUEZ DE AQUINO

Fonte das Ilustrações
1 harpya leilões
3 https://www.levyleiloeiro.com.br/catalogo.asp?Num=036&Dia=1&pag=9

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Sociedade Militar