Militares Leis e regulamentos

Quotidiano militar – APONTAMENTOS SOBRE OS REGULAMENTOS DISCIPLINARES.

APONTAMENTOS SOBRE OS REGULAMENTOS DISCIPLINARES. (Ilustração inserida pela editoria)
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 O presente artigo pretende abordar a utilização dos regulamentos disciplinares, citando reflexos do tema envolvendo a sociedade e o Direito, motivo pelo qual a estrutura será a de um artigo jurídico.
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Quanto ao interesse da advocacia pelo assunto, a situação é plenamente possível, pois o Direito do ponto de vista de uma ciência social não pode considerar os ordenamentos sem avaliar seu destinatário final (indivíduo/sociedade), e o advogado além de ser essencial à administração da justiça (Art. 133, CF), “no seu ministério privado […] presta serviço público e exerce função social” (Art. 2°, §1°, Lei n° 8.906/94); neste sentido a literatura de NEVES(1) complementa sobre a importância da advocacia, dizendo que os advogados protegem os homens do seu maior inimigo que é próprio homem.
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Acrescento ainda que como de praxe o presente artigo apresentará apontamentos jurídicos, e citações de diversas literaturas;tudo devidamente indicado, com o objetivo de melhor alicerçar o texto, seguindo os seguintes tópicos:

  • A importância dos regulamentos disciplinares e a disciplina/ hierarquia;
  • A constitucionalidade dos regulamentos;
  • O momento atual e os regulamentos disciplinares;
  • O cuidado no uso dos regulamentos;
  • A proporcionalidade e a razoabilidade;
  • O motivo e a finalidade no ato administrativo disciplinar;
  • Limitações na aplicação do poder disciplinar;
  • Onde procurar ajuda?;
  • É possível reparação por dano moral/ material?;
  • O futuro dos regulamentos disciplinares; e
  • Conclusão.

A importância dos regulamentos disciplinares e a disciplina/hierarquia.

 Fica óbvio que qualquer instituição para funcionar bem e atender a sociedade precisa de regras escritas que devem ser seguidas por seus funcionários, com consequências para aqueles que venham a transgredir as mesmas.

É importante mencionar que uma estrutura disciplinar não é privativa das Forças Armadas, isto existe no meio do funcionalismo público e até mesmo em empresas privadas (regras de conduta), afinal regras e penalidades existem em qualquer lugar, pois sem haver   um regramento o ser humano sente-se à vontade para fazer tudo o que a lei não lhe proíbe (derivação do Princípio da Legalidade).

Invariavelmente quando falamos em regulamentos disciplinares o que mais se escuta é que os mesmos visam manter a hierarquia e a disciplina, e este binômio repercute aos quatro ventos como se fosse quase que um cânone religioso, mas a verdade é que várias instituições, até mesmo empresas privadas seguem uma certa hierarquia/disciplina, motivo pelo qual suponho que não necessariamente os regulamentos existam somente para o binômio em questão.

Entendo considerando os pilares da administração pública (preponderância do interesse público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público) e o princípio da eficiência que todo e qualquer regulamento disciplinar visa coibir práticas que interfiram de forma não benéfica no bom funcionamento da máquina pública causando assim um mal serviço ao Estado e ao cidadão.

A aplicação de um rigor maior a categoria militar não pode ser explicada somente com base na hierarquia e disciplina, nem que o nosso país precisa estar preparado para um conflito. Talvez o rigor maior seja explicado pelo fato da categoria profissional em questão possuir um arsenal a disposição e que eventuais insurgências poderiam gerar consequências catastróficas em particular para a população civil.

Deste modo considero que a existência de regulamentos disciplinares nas Forças Armadas é salutar, respeitando-se o devido uso dos mesmos, e considerando ainda que os mesmos podem e devem passar por uma modernização de tempos em tempos.

  • A constitucionalidade dos regulamentos.

 Quase sempre quando se trata do tema em análise,ocorre o questionamento se os regulamentos disciplinares das Forças Armadas podem ser considerados de acordo com a constituição.

A resposta é que a princípio sim.

Os regulamentos disciplinares são regulados por decretos (Marinha -Dec. n° 88.545/83; Exército – Dec. n° 4.346/2002; FAB – Dec. n° 76.322/75) que foram recepcionados pela nossa constituição, porém isto não significa dizer que os regulamentos apresentam in totum as inspirações da nossa constituição cidadã.

O que ocorre é que quando uma nova constituição entra em vigor, os ordenamentos anteriores por uma questão de segurança jurídica, passam de uma forma geral a ser recepcionados (desde que compatíveis), pois caso contrário o sistema legal do país entraria em colapso, visto que não saberíamos o que está em vigor.

Um dos problemas que paira sobre os regulamentos disciplinares é que eles são decretos, e atualmente o mais comum é que o decreto seja regulamentar;e quando um decreto regulamentar não segue a constituição conforme a doutrina de MASSON (2) ele é primeiramente ilegal e de forma reflexa inconstitucional, o que permite apenas um controle de legalidade.

A questão é que os decretos dos regulamentos disciplinares não se comportam como decretos regulamentares.Sobre o que seria um decreto regulamentar irei mencionar o exemplo abaixo.

Peço ao leitor que acesse o Decreto n° 9.847/2019 e veja logo no início que consta “Regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição […]”.

Entenderam a ideia do decreto regulamentar?

O ponto chave para o qual peço atenção é que os regulamentos disciplinares são decretos que não regulamentaram uma lei específica, eles foram criados como regulamentações autônomas antes da constituição atual, exceto o RDE que é posterior a CF, mas que também a priori não apresenta em seu texto uma regulamentação de determinada lei.

A resposta desta celeuma, s.m.j, se faz pela doutrina de Direito Administrativo Militar de ABREU quando o mesmo explica que decretos podem ser considerados em alguns casos como leis ordinárias, onde os mesmos “[…] recepcionados materialmente pela Constituição, passaram a condição de lei ordinária […]” (3).

Devido ao fato de poderem ser vistos com uma lei ordinária pode-se concluir que é possível um controle de constitucionalidade mesmo que de forma concentrada, visto o atual entendimento quanto a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), exemplificado no Manual de Direito Constitucional de CUNHA JÚNIOR:

Outra novidade suscitada pela arguição de descumprimento consiste na possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade de atos anteriores à Constituição (ou à Emenda Constitucional nova). Nesse particular, a arguição de descumprimento veio “corrigir” um equívoco da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não admitia a fiscalização abstrata de constitucionalidade do direito pré-constitucional, sob o argumento prático de que a questão apresentada era de simples revogação e não de inconstitucionalidade superveniente. ” (4).

Se o controle de constitucionalidade concentrado é possível, em tese o difuso também é viável; lembrando de forma muito simplória que o controle difuso é apresentado pelo advogado/defensor diante um caso concreto e o controle concentrado somente pode ser proposto por aqueles legitimados a iniciarem uma ação direta de inconstitucionalidade (Art. 2°, Lei n° 9.882/99).

Maiores considerações sobre eventuais formas de controle de constitucionalidade não serão apresentadas aqui, pois o assunto enseja um artigo muito extenso/ técnico. De qualquer modo sugiro se possível, considerando divergências sobre o controle sobredito, quando se tratar de regulamentos disciplinares, uma abordagem pelo Direito Administrativo.

  • O momento atual e os regulamentos disciplinares.

 Realmente há tempos atrás, acredito que até o início do ano de 2000 os regulamentos disciplinares ainda eram aplicados em situações estranhas, como por exemplo, no caso do militar “contrair dívidas”, etc; mas isto foi mudando e o Direito Administrativo Militar no meu entendimento apresentou mudanças positivas.

Entretanto, a partir de 2019 três situações começaram a chamar a minha atenção como Presidente de Comissão de Direito Militar de uma das Subseções da OAB.

Primeiro quando após as contendas que envolveram o PL 1645 (atual Lei n° 13.954/ 2019) tomou-se conhecimento que em tese alguns militares da reserva remunerada passaram a responder sindicâncias em função de declarações/ postagens, situação que dependendo do caso pode conflitar com a Lei n° 7.524/86 (Dispõe sobre a manifestação, por militar inativo, de pensamento e opinião políticos ou filosóficos).

Segundo quando a princípio foi disseminado que os militares designados para trabalhar no INSS estariam sujeitos a contravenções disciplinares, mesmo considerando que seriam militares da reserva, que estariam desempenhando uma função de natureza civil, em um órgão civil, em local não sujeito a administração militar, com um objetivo de atender também a um público civil, com consequências que não afetariam a administração militar.

Terceiro quando também a princípio se tomou conhecimento que os regulamentos disciplinares poderiam ser utilizados em situações um pouco fora da perspectiva administrativa militar (Ex.: Caso do Sr. Adnet)

Tem-se a impressão que a aplicação de regulamentos retornou com força total, ao final de 2019, justamente quando o país tem um presidente que já foi militar da ativa e que conforme circula na mídia, salvo engano, teve percalços com a disciplina.

O que também é interessante, é que tal fato (eventual uso indevido de regulamentos disciplinares) não chamou a atenção de demais instituições, nem mesmo de partidos políticos; o que não significa que no futuro, com a devida provocação, instituições e partidos não venham a se manifestar.

O que estaria ocasionando um eventual recrudescimento no uso dos regulamentos disciplinares?

As explicações motivadoras de tal situação deixo ao encargo do leitor, pois não quero induzir uma resposta; apenas escrevo que o Brasil entrou em um túnel do tempo vintage que se limita entre os anos de 1964 a 1985, com ideias não muito democráticas que procuram macular a nossa já sofrida democracia, onde considerando a psique humana e que atualmente até a terra ser redonda está sendo questionado, suponho que infelizmente tudo é possível.

  • O cuidado no uso dos regulamentos.

Conforme mencionado no primeiro tópico deste artigo, os regulamentos disciplinares são salutares para bom andamento da máquina pública, porém agora preciso indicar algo – Usem com moderação.

Digo isto pois como os atos administrativos que determinam punições são derivados do poder disciplinar da administração pública, a carga de discricionariedade e subjetividade deles chega a ser alarmante, ao ponto de que se o ato estiver de acordo com os princípios da administração pública e todos os elementos do ato administrativo forem cumpridos, somente haverá uma forma de defesa que é através da proporcionalidade e da razoabilidade.

O grande problema que percebo nos atos disciplinares,é que além deles serem compostos de uma grande subjetividade e discricionariedade conforme sobredito, os mesmos  são aplicados por seres humanos que podem se esconder atrás das instituições (que em si são boas) para realizar atos autoritários como perseguições políticas, ideológicas, exteriorização de rancores/ preconceitos, ou simplesmente  aplicar o prazer de prejudicar alguém, causando o que muitos consideram como autoritarismo, que na lição do Prof. Leandro Karnal (5), seria a utilização do sistema para a satisfação pessoal.

Tenho a leve dúvida se todo administrador público conseguiria entender a filosofia de CORTELLA onde consta que “a finalidade do poder é servir – servir à comunidade, à família, à empresa, a um grupo religioso etc. E todo poder que, em vez de servir, se serve, é um poder que não serve. A finalidade do poder não é servir a si mesmo” (6). Mas como dito é apenas uma dúvida.

  • A proporcionalidade e a razoabilidade.

 No tópico anterior mencionei tais princípios, motivo pelo qual acredito ser interessante esclarecer que os mesmos estão previstos expressamente no Art. 2°, caput, da Lei n° 9.784/99 (Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal);entretanto alguns administradores podem ter resistência de aplicá-los pois consideram através de uma interpretação equivocada que aos procedimentos administrativos  não seria aplicada a lei sobredita em função do contido do Art. 69 da mesma lei.

A estes, somente posso indicar uma maior reflexão no sentido de que a proporcionalidade e a razoabilidade são princípios que hoje o ordenamento jurídico entende estar implícitos na nossa Constituição e que sempre devem ser usados nos mais diversos ramos do Direito, conforme LARENZ esclarece:

 Utilizado habitualmente para aferir a legitimidade das restrições de direitos, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, consubstancia, em essência, uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.”(7)

 Neste sentido não existe razão de se negar a utilização dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em procedimentos administrativos, bem como se alijar totalmente a Lei n° 9.784/99, pois esta é uma lei mais nova e específica que se aplica aos procedimentos que levam a uma punição, e a punição em sim já seria uma outra etapa, um resultado do processo.

  O motivo e a finalidade no ato administrativo disciplinar.

 Quando existe a aplicação de uma sanção disciplinar, estamos falando de um ato administrativo consequente de um poder disciplinar, mas que mesmo assim precisa atender a todos os elementos de um ato administrativo, dentre eles o motivo e a finalidade, onde se adverte que a inobservância de elementos do ato administrativo (competência, forma, finalidade, motivo e objeto) pode levar a nulidade/revogação do ato pela administração ou a nulidade do mesmo pelo judiciário.

Pelo entendimento de ARAS o motivo “[…] corresponde à causa, isto é, àquilo que leva à prática do ato administrativo. Exemplificando, o motivo da punição de um servido é o cometimento da falta funcional […]” (8).

a finalidade de forma muito simples pode se dizer que é aquilo que pretende o administrador, e no caso da administração pública, mesmo que militar a finalidade geral é o atendimento do interesse público que se traduz dentro da instituição, lembrando que o gostar ou o não gostar de algo por motivos pessoais é vedado pelo princípio da impessoalidade (Art. 37, caput, CF).O sobredito autor ARAS dá uma grande importância a finalidade quando diz:

Quando o ato é praticado sem esse objetivo, caracterizar-se-á o desvio de finalidade (ou desvio de poder), ou seja, quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou inclitamente, na regra de competência.O desvio de poder, alo lado do excesso de poder, isto é, quando a atuação sedá fora dos limites da competência administrativa do agente, são espécies de abuso de poder.” (9)

  • Limitações na aplicação do poder disciplinar.

 Quando se trata do poder disciplinar um questionamento comum é saber em quais situações o poder disciplinar, ou seja, os regulamentos disciplinares deveriam ser empregados.

A resposta se dá citando mais uma vez ABREU que diz que “o poder disciplinar é exercido como faculdade punitiva interna da Administração e, por isso mesmo, só abrange as infrações relacionadas com o serviço” (10); no que BARTINE e SPITZCOVSKI vai no âmago da questão, conforme abaixo.

“Outro aspecto importante diz respeito à natureza das infrações passíveis de penalização: somente aquelas de caráter funcional, ou seja, aquelas que tenham ligação com as atividades desenvolvidas pelo servidor. Assim, em caráter de exclusão estão aquelas que não revelam nenhum ponto de contato com as atribuições desenvolvidas pelo servidor. Para uma melhor visualização da questão, menciona-se a situação do servidor público que trabalha diariamente, das 8 às 18 horas, e se embriaga no período restante, vale dizer das 18 às 8 horas. As condutas por ele assumidas no período noturno em nada interfere nos seus afazeres diários, por se tratar de um “alcoólatra”, nenhuma penalidade poderá ser a ele imposta”(11).

 Acredito que já seja possível o leitor entender que nem tudo que acontece na vida do agente público pode e deve lhe acarretar um procedimento disciplinar, existe uma necessidade de se verificar se a conduta praticada teve além da intenção, um resultado de perigo ou de dano para a estrutura do órgão ao qual o mesmo se encontra lotado, bem somo se a suposta infração estaria relacionada com alguma atividade fim do servidor.

Realmente uma única conduta pode gerar um fato típico penal, cível e administrativo; porém é necessário cautela, observância rigorosa aos princípios da administração pública e aos elementos do ato administrativo, pois de forma particular como já mencionado, entendo que nem tudo que ocorre na vida de um servidor deve ser analisado pela administração pública sob o risco de haver  de um desvio de poder, e um uso inadequado por parte da população das repartições públicas que seriam utilizadas como se fossem juizados especiais, onde se buscaria uma reparação através da punição do servidor, visto que na maioria das vezes a administração é muito mais rápida em punir do que a justiça comum.

As situações abaixo são todas hipotéticas e por mais que possam parecer estranhas, foram colocadas para auxiliar o raciocínio do leitor.  A expressão “agente público” deve ser compreendida aqui como o servidor público civil ou militar; lembrando que não se teve a intenção de desmerecer qualquer instituição, o objetivo é didático; vejamos:

Ex1;Agente público (da reserva ou aposentado) coloca som alto dentro do condomínio e como consequência síndico entra em contato com a repartição ou quartel reclamando. Deve ser aberto sindicância?

Ex2: Um jornalista que também é agente público (da reserva ou aposentado), trabalhando para um jornal na área de política, publica matéria contrária ao governo, e como consequência é aberto sindicância. Neste caso vem a pergunta: O problema é a matéria ser ou não favorável ao governo?

Ex3: Agente público da ativa vai ao médico da repartição ou do quartel e é indicado o tratamento com cloroquina, mas com receio dos efeitos colaterais, não cumpre a prescrição médica. Cabe punição disciplinar? E se houver danos ao paciente, quem responde?

Ex4: Agente público (da reserva ou aposentado) é pego andando pelo calçadão de Copacabana, descumprindo decreto estadual, contrariando ordem pública. Cabe sindicância?

Ex5: Agente público (da reserva ou aposentado) tentando apoiar o atual governo participa de manifestação onde são promovidos atos solicitando o fechamento do congresso e do STF. Cabe sindicância?

Ex6: Agente público, neste caso  militar da reserva participa de sessão na Câmara dos Deputados, inclusive assinando documentos, utilizando sua designação hierárquica, contrariando em tese o Art. 28, Inc. XVIII, alínea “a” e “e”, da Lei n° 6.880/80 – Estatuto dos Militares; o que fazer?

Ex7: Agente público da ativa por motivos diversos não paga a conta da cantina de sua instituição. Cabe sindicância?

Ex8: Agente público da ativa (neste caso militar) vai ao cinema, mas a sessão já está com todos os ingressos vendidos. Ao observar melhor a fila, detecta um subordinado seu com família, todos com ingressos. O superior hierárquico determina que ele e a sua família forneçam imediatamente os ingressos. Caso haja negativa, o subalterno pode ser punido disciplinarmente?

  • Onde procurar ajuda?

Quando alguém se sentir prejudicado por algum ato administrativo pode-se procurar auxílio da seguinte maneira:

– A própria pessoa pode na maioria das vezes realizar um recurso administrativo;

– Procurar o auxílio de um advogado ou da defensoria pública que pode ingressar com um recurso administrativo na própria instituição (visto que a administração pública pode anular/revogar seus próprios atos), ou se iniciar uma ação no Poder Judiciário visando a anulação do ato/ seus efeitos;

– Em alguns casos é possível comparecer em algum órgão do Ministério Público Estadual, quando se tratar de servidor estadual ou no Ministério Público Federal no caso de servidores federais (civis e militares);

– Quando existir fundadas suspeitas do cometimento de um ilícito penal, mais especificamente aqueles que possam se enquadrar como um abuso de autoridade tipificado na Lei n° 13.869/2019 é possível procurar auxílio nas Polícias Civil (servidor estadual) e Federal (servidor federal) ou no Ministério Público Militar quando se tratar de militar das Forças Armadas.

 É possível reparação por dano moral/ material?

Entendo, salvo engano, que quando o procedimento administrativo disciplinar for instaurado com um desvio de poder que cause dano, após a anulação ou revogação do ato é possível o pleito junto ao Poder Judiciário visando uma reparação pelos danos, sejam aqueles referentes a própria situação profissional do servidor, e as consequências materiais/ morais.

Para melhor explicar os danos materiais e morais, irei novamente recorrer a um exemplo.

Ex: Vamos supor que um policial militar seja intimado a comparecer em uma sindicância como sindicado e depois se constate que essa sindicância foi anulada através de pedido feito a Justiça pois era totalmente descabido o assunto e existiam inúmeras irregularidades.

  Pergunto quem vai arcar com os custos dos honorários do advogado contratado, com as despesas de transporte para comparecer a sindicância, com valor da consulta e dos remédios que o servidor precisou para suportar aquele momento e como ficaria todo o transtorno psicológico produzido pela falha do Estado?

Respondo que caso seja determinado uma reparação ela deve ser custeada pelo Estado, podendo este ingressar com uma ação de regresso contra o funcionário que causou a sindicância.

  • O futuro dos regulamentos disciplinares.

 Como visto desde o início não existe qualquer possibilidade de que as instituições públicas venham a operar sem regulamentos que disciplinem a conduta dos seus servidores; entretanto tais regramentos devem ser sempre modernizados, ajustando-se as inovações do Direito Constitucional e Administrativo, atentando de forma especial para a redução da discricionariedade e da subjetividade.

No tocante as Forças Armadas, além do sobredito, talvez fosse interessante também uma nova codificação que abrangesse as três Forças; que fosse feita nos moldes de uma lei com participação de todos os envolvidos no tema (Militares, DPU, MPM e OAB), e que tivesse uma separação das transgressões em tempo de paz e de guerra, como uma forma de substituir as penas restritivas de liberdade por outras.

  • Conclusão:

 Ao final pode-se concluir de forma resumida que:

– Os regulamentos disciplinares são utilizados por diversas instituições, com o objetivo de adequar a conduta do servidor a manutenção de um bom serviço na instituição, atendendo assim os interesses da administração pública;

– Em tese é possível se realizar um controle de constitucionalidade nos regulamentos disciplinares; porém a forma mais prática de se abordar uma defesa seria pelo Direito Administrativo.

– O momento atual dentro da sociedade brasileira aponta a princípio para um maior recrudescimento no uso dos regulamentos, motivo pelo qual se requer o uso dos mesmos com uma maior moderação, e com uma constante vigilância aos princípios da administração pública e aos elementos do ato administrativo, com o objetivo de se evitar desvios de poder;

– Nem tudo que ocorre na vida de um servidor deve ser alvo de análise por parte da administração;

– Eventuais excessos causadores de danos produzidos pela administração pública podem ser alvo de reparações junto ao poder judiciário;

– No futuro regulamentos disciplinares mais modernos seriam convenientes;

– O momento pede um ânimo calmo e refletido, pois por mais que tenhamos a impressão de estarmos caminhando contra o vento, e que os tempos possam eventualmente parecer sombrios; no final vai passar.

“[…] o essencial é invisível aos olhos dos homens […]”

(SAINT-EXUPÉRY. Antoine de. O Pequeno Príncipe)(12)

Cachoeiras de Macacu (RJ); 19 de abril de 2020. /   Alessandro M. L. José. /  Advogado – OAB/RJ 215918

 (O autor é advogado atualmente Presidente da Comissão de Direito Militar da 49ª Subseção da OAB/RJ, Pós- Graduado em Direito Penal/ Proc. Penal; Constitucional/Administrativo; Pós-graduando em Ciências Penais. Email: advo.dr.jose@outlook.com)

Obs: Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Revista Sociedade Militar. Sua publicação tem a intenção de estimular o debate sobre o quotidiano militar/político/social e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

 Obs: Esclarece-se que o presente artigo tem um caráter informativo/ técnico, objetivando uma análise jurídica de um assunto ostensivo dentro do panorama atual da sociedade brasileira; tendo sido redigido pelo que sobrescreve, na condição de Advogado, no momento Presidente da Comissão de Direito Militar da 49ª Subseção-OAB/RJ, utilizando as prerrogativas do Art. 133 da CF e do Art. 7°, §2°, do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94) – (imunidade profissional); não tendo havido pretensão de críticas a quaisquer pessoas físicas/ jurídicas/ instituições públicas; nem tão pouco a nobre missão das Forças Armadas, a estrutura de trabalho, ou a hierarquia e  disciplina das mesmas.

Cópias: Ilm°. Sr. Presidente da 49° Subseção da OAB/RJ e Presidente da Comissão de Prerrogativas da Seccional OAB/RJ, para conhecimento e, se necessário, defesa deste advogado, contra eventuais retaliações praticadas pelo governo brasileiro e seus segmentos.

Referências.

1- NEVES, José Roberto de Castro. Como os advogados salvaram o mundo. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018. 20p. /   2 – MASSON. Nathalia. Manual de direito constitucional. 4.ed. rev. ampl. atual.  Salvador: JusPODIVM, 2016. 1131p. /   3-ABREU, Jorge Luiz Nogueira de. Direito administrativo militar. 2. ed. rev. atual. ampl.  Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. 352p. /   4- CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 10. Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016. 395p. /   5–Leandro Karnal – Qual a diferença entre autoridade e autoritarismo?Disponível em < >. Acesso em 19Abr. 2020. /   6 – CORTELLA, Mario Sergio. O melhor do Cortella – trilhas do pensar. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018. 107p. /   7 – LARENZ, Karl. Apud CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016. 198p. Grifo do autor /    8 – ARAS, José. Direito Administrativo – Método de estudo OAB. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018, 20p. /   9 – Ibidem, 20p. / 10 – ABREU, Jorge Luiz Nogueira de. Direito administrativo militar. 2. ed. rev. atual. ampl.  Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. 353p. Grifei. / 11 – BARTINE, Caio; SPITZCOVSKY, Celso; ARAÚJO JR. Marco Antônio (Coord.); BARROSO, Darlan (Coord.) Direito administrativo – Coleção elementos do direito. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos tribunais, 2015. 73p. Grifei. /  12 – 10 frases do pequeno príncipe que são lindas lições de vida. Disponível em < https://www.pensador.com/frases_do_pequeno_principe_que_sao_licoes_de_vida/> Acesso em 09 Out. 2019. Grifei.

Revista Sociedade Militar

Obs: Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Revista Sociedade Militar. Sua publicação tem a intenção de estimular o debate sobre o quotidiano militar/político/social e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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