Forças Armadas

A Mão amiga e o ministério invisível – Artigo de Colaborador

A Mão amiga e o ministério invisível. 

Mas o que se viu, no entanto, (ou melhor, não se viu) foi um Ministério da Defesa omisso, inativo, em flagrante e torpe conspiração silenciosa contra os “estamentos inferiores” das Forças Armadas

O Ministério da Defesa foi criado em 1999 para “(…) coordenar o esforço integrado de defesa, visando contribuir para a garantia da soberania (…)”. Um Estatuto. Três Forças Armadas autogovernadas. Centenas de milhares de militares e dependentes sob esse triunvirato.

Em tempos de Lei 13.954/2019, a maldita lei de reestruturação da carreira militar, vê-se que o MD, do ponto de vista da administração da tropa, realmente é mais um ministério de butique. Pode ter lá suas importâncias para a sociedade civil, mas restam dúvidas se tem algum papel em relação à tropa. Nem se menciona a alta oficialidade, porque para essa casta sempre sorridente e perfumada, quanto mais ministérios e cargos inúteis, melhor…

Quando surgiu o MD houve um vento de mudança nos quartéis. Sonhava-se que os interstícios promocionais seriam padronizados (acredite, na FAB havia suboficiais que contavam menos de 15 anos de serviço!). Na FAB os sargentos eram promovidos ao sabor das birutas, alguns com 7 anos, outros com 5; o Ministério recém criado nivelaria tudo isso. Os graduados deliravam com a possibilidade de ir para a reserva como capitães, como era no Exército (acredite, no EB um sargento chega à capitão no final da carreira, mas nas Forças “co-irmãs” FAB e MB, não! Isto que é isonomia!). Mas o tempo passou e nada disso aconteceu, exceto que o mínimo para promoção passou a ser 7 anos! Onde estava o Ministério da Defesa?

Um exemplo conhecido da suboficialidade. Antes de entrar nas FA, muitos recebem orientações para não entrar no EB, pois a Aeronáutica apesar de “mais difícil ingresso, é mais ‘tranquila’ de trabalhar”. A MB é o concurso mais difícil entre as três. O graduado na FAB é mais “valorizado” do que na MB e no EB. Pela óbvia falta de experiência alguns seguem o “bizural” e prestam concursos para o lado azul das Forças. Mas isso é deveras curioso. Por que as Forças Armadas Brasileiras são tão diferentes entre si? Onde está o Ministério da Defesa?

Um forte indício, quase uma certeza, de que o MD é um ministério de cabide é o caso do famigerado curso de “altos estudos” para graduados. Há alguns anos, o tal curso – nada mais do que uma versão purpurinada do CAS (Curso de Aperfeiçamento de Sargentos, que entre outras coisas ensina o alfabeto!..) – passou a ser ofertado aos subtenentes do EB. Apenas aos subtenentes do EB! Onde estava o “esforço integrado” do MD? Nas nuvens, nos ovnis, na guerrilha do Araguaia*, mas certamente não nesse descalabro que é uma Força dar valor aos seus graduados, que por norma estatutária “auxiliam e complementam as atividades dos oficiais” e as outras duas Forças não seguirem devidamente o seu exemplo. Se a MB reimplantasse as chibatadas, pode-se especular quantos dias a FAB levaria  para regulamentar os modelos dos chicotes… Onde estava o Ministério da Defesa?

Entre as três Forças, indiscutivelmente é o EB que até hoje melhor cumpriu o papel de instituição militar mais chegada ao povo. O Exército talvez tenha sido uma das instituições formadoras da alma nacional. Diferentemente da MB, monarquista, mas que não moveu um bote para salvar o Império da sanha republicana, e da FAB, elitista, que não tem os pés no chão, o Exército representa bastante bem o cadinho social brasileiro. Talvez por isso tenha partido da “mão amiga” a reestruturação que culminou na lei atual. Apesar das injustiças que gerou, a Lei nº 13.954/19, reconfigurando a carreira, deu oportunidades de ascensão profissional e consequentemente salarial ao pessoal do andar de baixo. Isso era mais do que justo e não foi nenhum favor por parte dos comandantes, mas simplesmente uma exigência dos tempos e da conjuntura política. Onde estava o Ministério da Defesa?

O mote da reestruturação, quase um mantra, repetido à exaustão pelos generais era de que precisava-se valorizar a meritocracia. Ora, a meritocracia é a essência mesma da vida militar. Dentro das fronteiras milenares da hierarquia e da disciplina, os melhores sempre recebem o melhor. Mas o que se viu, no entanto, (ou melhor, não se viu) foi um MD omisso, inativo, em flagrante e torpe conspiração silenciosa contra os “estamentos inferiores” das FA, e o consequente aumento de remuneração para a cúpula em uma inédita e surpreendente traição à vista de toda a família militar. 

Onde estava o Ministério da Defesa? Dessa vez, estava dando duro! Soube-se mais tarde que os relatores do PL 1645  receberam as condecorações e o título de grande-oficial das mãos do Grão-Mestre da Ordem do Mérito da Defesa, o capitão presidente.

*Por incrível que pareça, esses temas estão no site do Ministério da Defesa. Desafio alguém a encontrar material relevante em benefício da tropa das Forças Armadas.

Revista Sociedade Militar –  J.Reis

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