Militares Leis e regulamentos

“Um lobby descarado!” – Graduados são cidadãos de segunda classe? Reflexão, artigo de colaborador

“Não ambicionavam só reestruturar as FA, almejavam dar-se uns aos outros aumentos escamoteados de “reestruturação”

Não poderia deixar de introduzir texto tão bom recebido de colaborador dessa revista online.

Já dizia Eliot Freidson que os membros das forças armadas estão entre as três únicas profissões consideradas como clássicas, que são os médicos, advogados e os militares. A necessidade de dedicação integral e de um programa formal de treinamento como condição para a ocupação são algumas das características desses três profissionais. Destaco aqui que Freidson menciona ainda a ideologia altruística como outra, que talvez seja a mais marcante e a principal das características de uma profissão clássica.

Contudo, quem observou nos últimos meses a acirrada disputa por manutenção ou mudanças em um projeto de lei sobre salário dos militares talvez tenha em certo ponto duvidado, a luz dessa última condição mencionada por Freidson, sobre quem de fato na categoria são os militares verdadeiros, se são os oficiais generais ou se são os membros das camadas médias e baixas da estrutura hierárquica. Alguns dizem que quando o oficial chega ao chamado generalato se transforma em um político fardado. De fato, todos observamos, embasbacados, no começo desse processo legislativo um general de quatro estrelas comentar que seu salário de 19 mil não lhe permitia comer em um restaurante digno. Talvez aí esteja parte da resposta sobre quem de fato é militar no sentido clássico da colocação e quem são os “genéricos”.

No Congresso Nacional, enquanto graduados e oficiais de baixa patente lutavam para que todas as categorias obtivessem um mesmo percentual de vantagens sobre os soldos, aqueles que ocupam a cúpula faziam o possível e o impossível para que as maiores vantagens quase que exclusivamente alcançassem o topo da pirâmide, aumentando mais ainda a diferença salarial entre cúpula e base das Forças Armadas.
Abaixo mais um bom texto de J.Reis Moreira, militar da FAB na reserva remunerada.
Att, Robson Augusto, editor

Praça, cidadão de segunda classe?

Uma nação que abre uma grande distância entre seus eruditos e seus guerreiros verá suas reflexões feitas por covardes e seus combates empreendidos por imbecis.”  (Tucídides, citando um rei de Esparta)

Por ocasião da aprovação da lei de reestruturação da carreira militar em 2019 foi notável a presença constante, massiva de generais e oficiais do alto escalão das Forças Armadas. No andar de baixo, a suboficialidade observava atenta aquela movimentação, até então inédita, nos corredores do poder em Brasília. Um vai e vem sem fim de estrelas verdes, azuis e brancas. Algum sargento ali? Alguma pensionista? Algum representante das associações militares regularmente constituídas? Não!!

O que se viu na verdade foi uma operação agressiva de “lobby” militar, diriam alguns. Justo, não!? Mas na verdade foi um lobby descarado de oficiais generais que moveram mundos e fundos (leia-se, abusaram do poder neles investido) para vender gato por lebre. Não ambicionavam só reestruturar as FA, almejavam dar-se uns aos outros aumentos escamoteados de “reestruturação”. Prova disso foi a famigerada e gorada gratificação de 10%, antes constante do PL 1645, “devida a oficiais generais” e a oficiais em cargo de comando. Uma baixaria que não merece comentário…

Quase um anos depois, a lei perversa está dando seus frutos malditos. Dezenas (deveriam ser mais!) de ações na justiça contra cassação de direitos adquiridos. Pensionistas, muitas em situação de vulnerabilidade social, com redução salarial, e… generais tendo um aumento líquido — ah, não é aumento, é meritocracia!! — da ordem de 14%.

Por que os praças em hipótese alguma podem discutir ou opinar sobre seus próprios salários, mas os generais podem? A hierarquia e a disciplina só valem de coronel pra baixo!?

Por que nos governos anteriores, guinados à esquerda, não havia esse “lobby” lupino? Por que os comandantes militares engoliram sapo durante décadas e nunca assediaram os congressistas tão despudoradamente como fizeram em 2019? Parece que agora alguma luz verde foi acesa no Planalto, soltando a alcateia… Se nos passados governos canhotos todos os militares foram “congelados” e mantidos com rédea curta, tudo leva a crer que neste governo, aparentemente destro, só os nobres oficiais vão se dar bem. Talvez os praças devam rezar por um governo sem braços, nem de direita nem de esquerda… Talvez digam os oficiais, o problema na verdade sejam os praças, que insistem em ter direitos, ora bolas!

Pois bem, em paralelo à lei de “reestruturação e mais um troco” corre por baixo dos panos o PL 9.432/19 que (observe-se a tática de escamotear segundas intenções com palavras perfumadas!) “atualiza” o Código Penal Militar. Encabeçada pelo — híbrido nefasto — “deputado general” Peternelli, a meiga proposta pretende escorchar um pouco mais os militares, inclusive os da reserva. 

Reescrever a história, distorcendo fatos e enviesando interpretações é um método descaradamente usado pelos neocomunistas adeptos do marxismo cultural. Mas essa técnica não é exclusiva desse grupo. Parece que o relator do PL 9.432/19 está se lambuzando na arte do recorta, cola e joga fora. Um dos substitutivos apresentados pelo general é considerado um retrocesso, porque vem com a implementação de propostas como a criminalização do trabalho na folga, conhecido como “bico”, que é obviamente uma bala com endereço certo, o praça. Atente bem o leitor, criminalizar o trabalho! Um deputado quer transformar o trabalho em crime! Mas é só um tipo de trabalho, o trabalho do praça militar. Garantida a pífia remuneração chancelada pela lei nº 13.954, agora os generais querem ter a certeza de que o pessoal, que convenhamos, dá lá os seus pulos, ficará eternamente “em casa”, esperando a conta chegar… Bom, como não se pode mais ser preso por dívida, um fim de semana no xadrez talvez compense o biscate!..

Outra escatológica “atualização” proposta pelo generalíssimo relator é proibir a menção a personalidades “carimbadas” pela justiça castrense, como por exemplo o herói da história nacional João Cândido, cabo da Marinha do Brasil, que pelas leis militares foi acusado de motim. O que esquece o zeloso deputado (de uma ignorância histórica!) é que o Congresso da época — liderado por Rui Barbosa, este sim, um político de escol — buscou uma rota de anistia, nomeando um ex-capitão da Marinha como sua ligação com os rebeldes. Este último movimento foi bem sucedido, e um projeto de lei que concedeu anistia a todos os envolvidos e acabou com o uso de castigo corporal (o motivo do motim) foi aprovado na Câmara dos Deputados por uma ampla margem. Ou seja o “novo” CPM pretende invalidar a anistia governamental. Isto é, revisionismo puro e simples!

Há pouco tempo os militares resmungavam (corajosamente entre dentes, claro), porque a Comissão da Verdade de Dilma Roussef distorcia a História. Ei-los agora a cometer o mesmo crime, mas com outras vítimas.
Revista Sociedade Militar – Artigo recebido de colaborador J.Reis Moreira

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Obs: Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Revista Sociedade Militar. Sua publicação tem a intenção de estimular o debate sobre o quotidiano militar/político/social e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Imagem, créditos: almoço com os Oficiais-Generais da Aeronáutica.Foto: Marcos Corrêa/PR

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Sociedade Militar