Forças Armadas

Sentença HABEAS CORPUS Sociedade Militar

Poder Judiciário

JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária do Rio de Janeiro

5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro

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HABEAS CORPUS Nº 5042602-48.2020.4.02.5101/RJ

PACIENTE/IMPETRANTE: ROBSON XXXXXXX DA SILVA

IMPETRADO: ENCARREGADA DA SINDICÂNCIA – COMANDO DO 1 DISTRITO NAVAL – RIO DE JANEIRO

SENTENÇA

Trata-se de Habeas Corpuscom pedido liminar, impetrado por CLÁUDIO LINO DOS SANTOS SILVA, em favor de ROBSON XXXXXXX XXXX SILVA, jornalista e militar da reserva remunerada do Comando da Marinha, contra suposto ato ilegal praticado pelo 1º Tenente BRUNO LUIZ XXXXXXXXX ,  lotado no 1º Distrito Naval, encarregado da sindicância instaurada pela Portaria n.º 1156, de 11 de novembro de 2019.

Resumidamente, o impetrante narra na inicial que:

(i) que o paciente mantém em funcionamento o site da REVISTA SOCIEDADE MILITAR, administrado pela empresa HOJENAWEB, tudo conforme a legislação em vigor; 

(ii) que em 4/12/2019, o paciente tomou conhecimento – por meio do telegrama MB 189279272BR 64620 – da instauração de uma sindicância  através da Portaria nº 1156, de 11 de novembro de 2019, do Comando do 1º Distrito Naval, que tinha por objeto a apuração de supostas condutas que atentariam contra a hierarquia e a disciplina militar, praticadas por militar da reserva;

(iii) que por meio do telegrama em epígrafe foi notificado para prestar declarações, como testemunha, no dia 12 de dezembro de 2019; que nessa oitiva as perguntas versaram sobre as atividades do paciente no site da Revista Sociedade Militar, tendo sido questionado acerca da autoria da matéria veiculada nessa revista a partir de entrevista realizada com o SO – xx (RM1) Luiz XXXX XXXXXX XX ; que invocou o sigilo profissional relativo à atividade de jornalista na ocasião; 

(iv) que em 12/3/2020, o paciente foi notificado por meio do telegrama MB 194379928BR 65735 para participar de acareação, a ser realizada no dia 24/3/2020; segundo o impetrante, o ato visava pressionar o paciente a responder assuntos pertinentes à sua atividade jornalística na Revista Sociedade Militar;

(v) que o ato foi remarcado para o dia 21 de julho de 2020, o qual representaria coação ilegal voltada a pressionar o paciente a responder assuntos relacionados a sua atividade jornalística; 

(vi) que se trata de invasão indevida no exercício profissional de suas atividades jornalisticas protegida pela Carta Magna; 

(vii) que o tratamento dispensado ao paciente demonstra que tem sido tratado como indiciado; que a publicação da matéria jornalística, objeto dessa sindicância, em regra, não é passível de investigação criminal ou disciplinar num Estado Democrático de Direito, tendo em conta a proteção constitucional à liberdade de informação jornalística e ao sigilo da fonte, nos termos do artigo 5º, inciso XIV, e artigo 220, caput e §§ 1º e 2º, da Constituição Federal. 

Desse modo, o impetrante requer a concessão de salvo-conduto em favor do paciente, a fim de determinar que a autoridade coatora se abstenha de atentar contra a liberdade de locomoção do paciente, no sentido de pressioná-lo a participar de acareação ilegal.

A inicial e os documentos que a instrui encontram-se acostados no Evento 1.

No Evento 3, foi proferida decisão que indeferiu o pedido liminar e determinou a apresentação de informações pela autoridade apontada como coatora. Sem prejuízo, foi determinada a intimação do MPF para ciência e manifestação.

A autoridade apontada como coatora prestou informações no Evento 9, oportunidade em que também trouxe aos autos cópia da sindicância informada pelo impetrante na inicial.

Promoção do Ministério Público Federal em que manifestou-se pela denegação da ordem (Evento 11).

É o relatório. Decido.

Como já registrado em decisão pretérita, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica quanto à possibilidade de revisão judicial no que respeita à regularidade formal das punições aplicadas a militares por órgãos das Forças Armadas, uma vez que a norma contida no artigo 142, § 2º, da Constituição da República veda apenas que o Poder Judiciário adentre o mérito dos referidos atos administrativos sancionadores; por conseguinte, os atos de procedimentos e processos administrativos militares de que possam resultar sanções disciplinares a membro das Forças Armadas – como é o caso da notificação para apresentar-se como testemunha na sindicância em questão – sujeitam-se a controle judicial de legalidade.

O impetrante pede a concessão de salvo-conduto, em favor do paciente, na forma do art. 660, § 4º, do CPP, “a fim de que a[s] autoridades militares encarregada[s] do procedimento administrativo disciplinar se abstenham de atentar contra a liberdade de locomoção do paciente, no sentido de pressioná-lo a participar de acareação sobre a sua atividade profissional” (Evento 1 – INIC1).

Ao compulsar os documentos que instruem a petição inicial e, notadamente, aqueles trazidos aos autos pela autoridade coatora (Evento 9), é possível constatar que o paciente, jornalista e suboficial da reserva de primeira classe da Marinha do Brasil, foi notificado para, na condição de testemunha, prestar depoimento nos autos da sindicância instaurada pela Portaria n.º 1.158, de 11/11/2019, do Comandante do 1º Distrito Naval, cujo objeto era “apurar supostas condutas que atentam contra [a] hierarquia e a disciplina militar praticadas por militar da reserva”.

Em 3/12/2019, conforme documento acostado à folha 18 do Evento 9, foi proferido despacho nos autos da sindicância determinando a notificação do paciente para prestar declarações, na condição de testemunha, assim como a notificação do SO-XXX (RM1) 06.XXXX Luiz XXXXXXX XXXX  XX xxxx, na condição de sindicado.

Segundo se extrai do termo de depoimento prestado pelo paciente, em 18/2/2020, na condição de testemunha, nos autos da referida sindicância (Evento 9, fls. 79/80) e dos demais documentos constantes dos autos deste habeas corpus, um artigo jornalístico de sua autoria, publicado no site “Revista Sociedade Militar”, teria motivado a instauração da sindicância aqui referida, tendo por objeto a apuração de condutas supostamente atentatórias à hierarquia e à disciplina militar, praticadas pelo militar da reserva citado pelo paciente no referido artigo jornalístico. Nesse artigo, que se encontra juntados no Evento 9, fls. 7/12, o paciente atribuiria a Luiz XXXX XXXXXX XX , que também seria suboficial da reserva de primeira classe da Marinha do Brasil, supostas críticas a superiores hierárquicos. De acordo com o termo de depoimento em questão, infere-se que, no artigo jornalístico, o paciente teria citado, literalmente, comentários controvertidos atribuídos ao referido suboficial, o qual figura no procedimento como sindicado.

Na sequência, após o sindicado Luiz XXXX xXXXX XX xxxx ter sido inquirido no autos do procedimento de sindicância (Evento 9, fls. 86/87), oportunidade em que negou ter sido entrevistado pelo site “Revista Sociedade Militar” ou pelo paciente e de ser o autor de declarações publicadas nesse mesmo site no artigo “Suboficial abre a boca e diz que: Generais não representam a tropa, tem que comandar só dentro do quartel… Vamos nos reagrupar“, o paciente foi novamente notificado para, desta vez, comparecer a uma acareação designada para o dia 21/7/2020, relativa à sindicância instaurada pela Portaria n.º 1.158, de 11/11/2019, do Comandante do 1º Distrito Naval, para “apurar supostas condutas que atentam contra [a] hierarquia e a disciplina militar praticadas por militar da reserva” (Evento 9, fls.122/124).

Exposto, nesses termos, o contexto fático-jurídico que se pôde obter a partir do relato do impetrante e dos documentos por ele juntados, cumpre examinar se existiria, de fato, a alegada ameaça de coação ilegal, no sentido de que o paciente viesse a ser “pressionado” a participar ativamente da acareação e que, assim, viesse a ser coagido a revelar a fonte do citado artigo jornalístico ou a ver cerceado o exercício da sua liberdade de imprensa, direitos fundamentais garantidos nos arts. 5º, XIV, e 220, caput e parágrafo 1º, da Constituição da República.

Tenho que a impetração procede parcialmente.

Primeiramente, saliento  que o paciente não figura como sindicado no procedimento de referência, mas como testemunha, e que a acareação seria realizada com SO-XXXX .3854.01 Luiz XXXXXXXXX xxxXxXxxx que, na condição de sindicado, figuraria como suposto autor das declarações publicadas pelo paciente, objeto da apuração administrativa.

Constato que, no depoimento prestado em 18/2/2020, depois de ter sido informado do seu direito de não depor sobre fatos que porventura pudessem incriminá-lo, o paciente efetivamente se recusou a responder a algumas perguntas formuladas pelo suboficial sindicante, justamente àquelas que se referiam à sua fonte e à sua atividade jornalística. Note-se que eventuais respostas suas a tais perguntas, que comportavam apenas uma afirmação ou uma negação, não caracterizariam, em si mesmas, qualquer crime ou contravenção disciplinar, de maneira que é manifesto que o paciente, no ato, calou-se, precipuamente, como forma de assegurar os seus direitos como profissional da imprensa – e, do que consta, não foi retaliado ou constrangido por isso.

Observo que o paciente foi notificado, uma primeira vez, para depor como testemunha e respondeu, nessa qualidade, a perguntas que lhe foram feitas. Não é possível afirmar que as diversas intimações que constam do procedimento, todas relacionadas a remarcação de datas, configuraram, de per si, assédio arbitrário.

Por outro turno, extraio da íntegra do procedimento juntado pela autoridade impetrada com as informações (Evento 9), que a acareação visa a confrontar o paciente, autor do artigo jornalístico que contém as declarações sob apuração, com o também militar da reserva Luiz XXXXX XX xxxx, que negou ter concedido entrevista.  Dito de outra forma, o objetivo da acareação é extrair do paciente informação que confirme ou contraste as declarações do sindicado, o que viola seu direito constitucional de manter o sigilo da fonte. Registro que o paciente já afirmou em depoimento prévio que avalia necessária a preservação.

A atividade jornalística como um todo deve ser resguardada como indispensável instrumento e dimensão da liberdade. A necessária circunscrição da atividade do poder estatal se mostra especialmente necessária no caso presente, para clareza das autoridades do seu campo de atuação constitucionalmente autorizado. Isto porque a presença de militares na governança do Poder Executivo conduz, automaticamente, que sua atuação seja submetida ao escrutínio da crítica democrática.

Tenho, assim, que a intimação busca impor ao paciente o dever de comparecimento a ato para que ofereça informações cujo sigilo tem o direito de manter, por expressa previsão constitucional. Como já decidido reiteradamente pelo Supremo Tribunal Federal:

“A prerrogativa do jornalista de preservar o sigilo da fonte (e de não sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, em razão da prática legítima dessa franquia outorgada pela própria Constituição da República), oponível, por isso mesmo, a qualquer pessoa, inclusive aos agentes, autoridades e órgãos do Estado, qualifica-se como verdadeira garantia institucional destinada a assegurar o exercício do direito fundamental de livremente buscar e transmitir informações. Doutrina. (…). ” (Rcl 21.504-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma )  Grifei. 

Dessa forma, embora o paciente não esteja dispensado do comparecimento, eis que intimado como testemunha, deve ser resguardado expressamente seu direito de participar de forma limitada ao ato de molde a que não seja constrangido a revelar sua fonte. A exigência de comparecimento para o exclusivo confronto de informações  nos limites anunciados no procedimento administrativo configura coação à mobilidade do paciente passível de ser protegida pela via do habeas corpus.

Isso posto, julgo parcialmente procedente o pedido e, na forma do art.654, § 1º, b do CPP,  CONCEDO EM PARTE A ORDEM  de habeas corpus em favor de Robson Augusto da Silva, para garantir sua participação limitada ao ato a que foi intimado, preservando-o expressamente de revelar sua fonte, seja por indicação expressa ou exclusão de pessoa nominada pela autoridade.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios.

Sentença sujeita a reexame necessário.

Transcorrido o prazo legal para eventual recurso, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Federal da 2ª Região, para fins de julgamento da remessa necessária.

Intimem-se o paciente e o Ministério Público Federal.

Oficie-se à autoridade impetrada, comunicando-lhe o teor desta sentença.

Após o trânsito em julgado, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se.

Registre-se. Intime-se.

Revista Sociedade Militar

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Publicado por
Robson Augusto