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A infoguerra pela nossa mente – texto de colaborador

“Dia a dia e quase minuto a minuto o passado era atualizado.” George Orwell, 1984

 Antigamente a informação era centralizada e tinha sua distribuição controlada. Ela chegava hierarquicamente, quase sempre por cima, pelos canais “competentes” para tal. Descia da cabeça aos membros do corpo social. Obviamente, à medida que ia descendo, ia sendo deturpada, intencionalmente ou não. Nesta fase, surgiram as sociedades secretas, cuja finalidade era resguardar o núcleo imaculado da informação original. Tanto é assim que hoje temos várias versões para um mesmo fato, que com o tempo vai deixando de ser fato e se torna um meme (objeto de estudo da memética, ver “O Gene egoísta”, de Richard Dawkins).

O fato só é mesmo fato para os envolvidos diretamente nele. A partir de certo desenvolvimento, ele se torna um meme. Como tal ele é facilmente manipulável. E, por incrível que pareça, o fato, a cada dia mais, está perdendo importância, à medida que o meme ganha relevo. A verdade não importa tanto quanto a “pós-verdade” (isto é, o que falam sobre a verdade!) A história deu lugar à narrativa sobre a história! E isso tem desdobramentos. O caos, claro, pode se instalar, alastrar-se e até mesmo corroer as fundações da própria realidade a tal ponto que as pessoas, outrora amantes do pensamento livre, podem conjeturar se não seria melhor abrir mão de um pouco de liberdade em nome da paz.

Vejamos o exemplo das “notícias falsas” (fake news, em inglês). Sempre existiram. Que jornal nunca disse uma coisa à noite para, na manhã do dia seguinte, desmenti-la? Mas, hoje, com a natureza da informação radicalmente transformada, mudou também o rito de sua circulação. Diferentemente do que ocorria antes, hoje ela é descentralizada e distribuída. Entra virtualmente por todos os “poros” do “corpo”, ao invés de só entrar pela cabeça. Mas, ora bolas, a imprensa não fez isso sempre!? Derrubou presidentes eleitos, ajudou a eleger mafiosos… e ninguém nunca apontou o dedo para nenhum jornal, nem obrigou a imprensa a fazer algum “mea culpa”. Mas agora, quem está na ponta de lança não é mais a mídia “mainstream”.

Agora, você, leitor, é o editor da notícia. Você diz o que fazer com a informação. Ela chega como é, nua e crua, e cabe ao receptor decodificá-la, sem intermediários, sem editores… E isso é péssimo para a mídia, porque o indivíduo tem uma liberdade que nunca teve antes. Desse medo de ser abandonada no acostamento, é que a mídia (em conluio com Estados avessos às liberdades individuais) soltou esse bicho papão chamado “fake news”. E qual o papel do bicho papão nas histórias infantis? Infundir o terror e fazer a criança ansiar, pedir pela proteção do adulto, que no clássico exemplo familiar, é bem intencionado. Mas, e quando o “adulto” tem intenções torpes? E quando o “adulto” quer mesmo é controle?

Fenômeno recente. O assassinato de um cidadão numa certa loja no sul do Brasil. Quantos se propuseram a debater o fato? A violência é o fato. A brutalidade de três seres humanos foi a tinta que pintou aquele quadro. Mas, a violência não importa tanto quanto uma pauta político-cultural, qual seja, neste caso específico, o racismo, haja vista ser o morto da raça negra. Mas, o estopim do fato foi a violência, para a qual quase todos se recusam a olhar! Quase tudo que se está construindo sobre a ação funda-se no debate de narrativas sobre o fato. O que está na gênese do racismo (caso tenha estado presente neste evento) é a violência, e não o oposto. Urge que não sejamos racistas ou que não sejamos violentos!? Eis aí um indício de que o meme importa mais do que o fato. O bicho-papão está agindo.

No momento em que isso é escrito, várias manifestações estão pipocando Brasil afora. Estarão ocorrendo pelo fato ou pela narrativa? Veículos importantes da imprensa pressionam o Governo para que o Presidente da República se manifeste sobre o caso, o que foi peremptoriamente negado. Desafetos do mandatário se aproveitam desse imbróglio para acusá-lo de racista, etc., inclusive alguns que já juraram que ele não era racista… Uma pequena batalha doméstica de narrativas sobre um fato, que já se desintegra na infosfera.

O que esse caos informativo está trazendo é um burilamento da mente individual e coletiva. Estamos nos agrupando cada vez mais em bolhas informativas. Vejamos os grupos de mensageria eletrônica. Entramos num grupo de mensagens qualquer, e se alguma coisa não se encaixa com o nosso pensamento, mudamos de canal com a maior tranquilidade, sem dor de consciência, porque a ordem do dia é essa mesmo, que as correntes de pensamentos se fortaleçam, mesmo que se formem miríades de bolhas estanques de informação.

O indivíduo hoje está se tornando parte inteligente de uma específica entidade grupal informativa. E, é claro, que “discurso de ódio”, “linguagem neutra”, “fake news” são os primeiros instrumentos de controle que patrulham as infovias entre as bolhas. Logo em seguida, virão as criminalizações, como já ocorre com Twitter, Facebook e Youtube. As “políticas de comunidade” dessas plataformas lentamente vão fechando o cerco. Quem pensar diferente do meme… já é um alvo em potencial! Está entregue aos indivíduos o trabalho de manusear a informação, com discernimento e sabedoria. Não é mais possível delegar aos meios de comunicação de massa essa tarefa, a não ser que queiramos continuar súcubos dessa elite controladora¹, que já dá sinais de que está sendo deixada à margem da história.

JB Reis 

https://www.vox.com/recode/2020/11/16/21570072/obama-internet-threat-democracy-facebook-fox-atlantic

Publicado na Revista Sociedade Militar

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