Forças Armadas

Orgulho e preconceito – Artigo escrito como réplica ao texto “Bolsonaro e a marcha da insensatez”¹

O primeiro biênio do governo Bolsonaro está seguindo o que foi previsto por um de seus filhos durante a corrida eleitoral: “o couro comendo”. Os órgãos da imprensa se revezam diuturnamente no linchamento presidencial. A oposição política trama em segredo um motivo para cavar um impedimento constitucional. Até chefes de outros países acham bacana achincalhar o Presidente brasileiro. Os próprios ministérios do Governo parecem ter se tornado um campo minado, tal a instabilidade reinante. Quem será o próximo a ser ejetado? Mas o que causa espécie mesmo são os ministros militares. Estes nos interessam mais, pois direta ou indiretamente, quando as estrelas se movem, inevitavelmente há movimentos sob o céu também, e até nos subterrâneos. Alguns militares agora estão se aventurando na arte milenar de “malhar o Judas”. Mas serão todos legitimados para isso ou estarão desavergonhadamente “cuspindo pra cima”!? Como diz o lema fascista, “acuse-os do que você é…”

Um texto publicado¹ recentemente neste site, da lavra de um coronel do EB faz um apanhado de todas as “insensatezes” perpetradas pelo Presidente. Bem didático, o autor narra alguns deslizes (não todos, claro, faltaria tela!) cometidos pelo capitão e emite sua opinião sobre cada um, não sem um tom emotivo, que nubla a objetividade. O nobre oficial habitualmente publica artigos técnicos. Na nossa humilde opinião, como crítico político, ele é um excelente tecnólogo…

Atenhamo-nos aos pontos referentes à sociedade militar. A questão da Base de Alcântara, por exemplo, arrasta-se desde o primeiro mandato de FHC. Não é cria do atual governo — parece que o nosso digníssimo coronel está mais horrorizado com a moldura do que com o quadro. Quanto às “vulnerabilidades atinentes à Defesa Nacional”, não podemos nos esquecer de que o Brasil é continental desde 1500 e que os militares estiveram sentados nos tronos presidenciais por vinte anos! O que fizeram em prol da política de defesa em duas décadas? E, pior, o que fizeram dos recursos humanos das três Forças? É no mínimo injusto, para não dizer desleal, jogar no colo do Presidente atual essa bomba de efeito retardado…

É citada no texto a “vista grossa” do Presidente quanto ao “‘modus operandi’ de oficiais-generais”, algo que estaria a prejudicar um “exercício a contento de uma liderança satisfatória”. Bem, não sabemos em qual planeta vive o ilustríssimo coronel, mas ele não devia estar suficientemente aterrado, quando em 16 de dezembro de 2019, foi assinada a Lei nº 13.954. Nem estava atento, quando meses antes, a trupe estrelada das assessorias parlamentares, compostas por oficiais da alta cúpula das três Forças, máxime do EB, não só fez “vista grossa”, como urdiu o Projeto de Lei nº 1.645, que fez o descalabro de dar 73% de aumento aos generais, 4% de aumento aos sargentos (fortuna esta que foi parcelada), bitributou as pensionistas e criou uma lacuna moral e financeira entre suboficiais da ativa e da reserva da ordem de quase R$ 2.000. Vista grossa, uma cegueira conveniente mesmo, foi o Ministério Invisível (ou da Defesa), ter “escolhido”² o relator do PL (!) a fim de que o Projeto passasse “a contento” pelas casas legislativas, isto é, dando 10% de gratificação por representação exclusivamente aos generais, como se só eles fossem militares, como se só eles representassem as FA, como se só eles tivessem méritos… A “camaradagem tradicional que une irmão em armas” é classista e bem restrita, não atinge os praças, apenas os oficiais… Realmente é muita vista grossa!

Finalmente, é curioso o autor afirmar que o Presidente “faz questão de ignorar” o TIAR³, por ocasião da Guerra das Malvinas, e deplora o fato de J. Bolsonaro ter ameaçado os EUA com pólvora. Terá esquecido que o presidente da República em 1982 era o general de exército J. Figueiredo, o senhor da guerra que efetivamente deu as costas aos hermanos argentinos e lambeu as botas reais? Ora, parece que importam os memes4 e não os fatos.

O PR não precisa de defesa, ele já tem milhões de babões para defendê-lo. Mas, infelizmente é preciso que se diga, muitos de seus mais aguerridos defensores estão entre os militares, mesmo aqueles que não têm cargos milionários em estatais, que não tiveram aumento de 73% nos salários (a fim de que pudessem, pobres coitados, jantar fora5 com suas entediadas esposas…), que não foram ofendidos de morte pelos filhos reais… Não!! Há defensores de Bolsonaro no Veteranistão, o “país” dos lacunados, praças que, acometidas da síndrome de Estocolmo, continuam adorando o “Mito”, mesmo depois da traição inquestionável que ele e seus generais perpetraram contra a tropa, que deviam (e juram) proteger.

Bolsonaro, é certo, não é e nunca será um gentleman. Mas é divertido ver os malabarismos literários a que se prestam seus detratores apenas para deixar um ponta solta, que lembra muito um orgulho ferido. Como um truque mal feito de um mágico estreante. Chamar o Presidente de simplório, grosseiro, é chover no molhado, ainda mais se considerarmos que suas aulas de etiqueta foram as mesmas que, por exemplo, recebeu o finíssimo general Newton Cruz. Bastante “condizente com a postura de um oficial do EB formado em Agulhas Negras”?

Somos humanos, e como tais, somos mesquinhos e ao mesmo tempo orgulhosos do que somos. Infelizmente o que transborda do texto “A Marcha da insensatez” está longe de ser um libelo contra a injustiça perpetrada contra o bem geral ou contra “os militares”. O que exala desse tipo de manifestação (que obviamente é digna de respeito, pois ainda vivemos em país livre) é a ingratidão e um mal disfarçado orgulho de casta. A mais triste constatação de que os soldados que estão nos postos de comando realmente não conseguem enxergar um palmo adiante do nariz. Não logram nunca ter uma visão atualizada da tropa. Quiçá tenham alguma visão! O que é a tropa para eles? Nada!? Onde estavam esses indignados senhores quando a cúpula estrelada se uniu e precipitou subtenentes, sargentos, cabos, soldados e pensionistas ao abismo? “Para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados”6. Esses, que tinham voz e vez para defender os amordaçados pela hierarquia e se calaram, agora são os justiceiros de smoking, ressentindo-se por briguinhas de comadre. Bolsonaro, ironizando o “Messias” que ostenta, está sendo agente do Apocalipse no seio da família militar. Está revolvendo uma terra acomodada, que há muito precisava ser arada. Claro, não sabe o que faz, mas não é assim com tantos instrumentos do Destino? Vão agindo às cegas, destruindo aqui, construindo ali. Resta saber o como ficamos diante das ruínas que sobrarem…

JB Reis

¹https://www.sociedademilitar.com.br/2020/11/bolsonaro-e-a-marcha-da-insensatez-artigo-de-colaborador-coronel-artilharia.html

²https://www.sociedademilitar.com.br/2019/10/foi-um-equivoco-relator-do-pl-1645-desmente-o-que-disse-sobre-ter-sido-escolhido-por-generais-deputado-ex-sargento-da-fab-decepciona-graduados.html

 ³https://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tratado-interamericano-de-assistencia-reciproca-tiar

4https://www.sociedademilitar.com.br/2020/11/a-infoguerra-pela-nossa-mente-texto-de-colaborador.html

 5https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/general-heleno-diz-que-e-uma-vergonha-militar-da-sua-patente-receber-salario-liquido-de-r-19-mil.shtml

6Edmund Burke


Obs: Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião da Revista Sociedade Militar. Sua publicação tem a intenção de estimular o debate sobre o quotidiano militar/político/social e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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