Forças Armadas

Os generais de 1964 empreenderam a CONTRA-REVOLUÇÃO porque temiam “EL PAREDÓN” brasileiro, diz jornalista

Artigo republicado

Entrevistado pelo historiador Júlio Machado (UNIFAP), o jornalista e cientista social Robson Augusto, editor do site Revista Sociedade Militar, expressa uma visão interessante e que destoa do que aparentemente pensa a maior parte dos militares sobre a ação dos generais em 1964.

Hoje – em tempos de presidente militarista – generais cada vez mais são chamados de heróis por pessoas que acreditam que eles podem assumir o controle do país e – em nome do patriotismo – fechar STF, Congresso Nacional e até destituir governadores de seus cargos.

O jornalista, que escreve um livro sobre a politização dos militares das Forças Armadas, acredita que o motivo determinante para a revolução de 1964 não exatamente passa – pelo menos no que diz respeito a parte da cúpula das Forças Armadas à época – por sentimentos tão honrados como patriotismo e amor a princípios cristãos ou conservadores.

Pergunta de Júlio Machado: Você diz então que os generais dos anos 60 são endeusados equivocadamente, isso implica em acreditar que não havia a possibilidade de o Brasil ser transformado em um país comunista?

Robson Augusto: Nada disso, eu creio que se as Forças Armadas não agissem em 64 a probabilidade de o Brasil ter se transformado numa gigantesca nação socialista era enorme e – obviamente – as consequências seriam sentidas a nível mundial. Dado a influência e tamanho do Brasil, não tenho dúvidas de que a América Latina teria hoje um desenho bem diferente, isso influiria no mapa geopolítico do resto do planeta, a “balança” da guerra fria poderia de fato ter pendido para outro lado etc. Somente estudo a hipótese de que parte dos militares brasileiros, me refiro à alta cúpula das FA dos anos 60, se moveu por uma motivação principal diferente da que hoje se propaga entre a maior parte dos militares e sociedade conservadora. Generais são oficiais-políticos, todo militar sabe isso, e só agem fora da mesmice, fora dos regulamentos, da destinação constitucional e do que é consagrado pelo quotidiano na caserna, se tiverem uma motivação realmente muito forte.

Sim, generais são mais políticos do que a sociedade gostaria de admitir. Quem conhece as FA sabe que só os que sabem caminhar no terreno lamacento das interações com chefes, políticos, magistrados etc., chegam no topo. Uma olhada nos noticiários dos últimos meses nos presenteia com grandes evidências disso.

Quase toda a cúpula das Forças Armadas de hoje foi promovida sob a batuta de Lula e Dilma, você já se perguntou por que motivo nenhum deles se posicionou duramente contra os princípios “progressistas” que aos poucos foram implantados no país ao longo dos últimos 10 anos? Algum deles se posicionou contra a nomeação de um ministro da defesa oriundo do Partido Comunista? Algum deles se posicionou contra a nomeação de uma secretária de produtos de defesa (SEPROD) do partido comunista? 

Definitivamente, particularmente vejo que generais são preparados para ver o mundo inteiro desabar mas, desde que o seu mundinho particular não desabe e seus objetivos para as Forças Armadas não sejam atrapalhados, não importando que viés político tenha o mandatário, eles permanecem impassíveis. Para a mente militar a ideologia em voga pode sempre ser considerada como passageira e as instituições militares, que são permanentes, seculares, não podem se abalar, agir precipitadamente diante de questões menores, “momentâneas”.

Pergunta de Júlio Machado: Obviamente você considera a hipótese de que pode ter havido mais interesse pessoal ou institucional do que patriotismo na decisão dos generais. Pode falar mais sobre isso?

Robson Augusto:  Obviamente toda a conjuntura influiu.  Mas, na minha visão os motivos mais fortes não tiveram relação com as reformas de base ou potencial mudança do regime, a chamada “segunda tentativa de poder pelos comunistas”. Os protagonistas das decisões, pra começar, estavam de fora do grupo chamado de generais do povo, considerados mais próximos de Goulart. Portanto, a perspectiva era que fossem “descartados” em pouco tempo se houvesse alguma mudança.

Na força naval a revolta popular-subalterna contra a falta de humanidade em relação aos cabos e marinheiros estava prestes a se disseminar. A coisa começava pela Marinha, mas havia grande potencial de ser seguida pela Força Aérea e Exército. A Marinha tinha vários oficiais, a começar pelo Almirante Aragão, ligados a João Goulart e à tropa de marujos e fuzileiros navais que estavam insatisfeitos com a inábil recusa da força em conversar sobre ceder em itens pequenos, mas simbólicos, como direito a estudar, andar a paisana etc.

A FAB também enxergava seus subalternos com desconfiança porque graduados haviam há apenas alguns anos (1961) se posicionado de forma dura contra um golpe militar que impediria Jango de assumir após a renúncia de Jânio e o Exército tinha entre os graduados grande insatisfação. Uma revisão nas eleições de 1962 atesta que vários subtenentes e sargentos foram eleitos para o legislativo, mas foram impedidos de assumir.

Veja: COMANDO DOS SARGENTOS elegeu 7 graduados. Ganharam, mas não levaram!

Se há uma coisa realmente abominável aos olhos dos generais isso se chama indisciplina e quebra de hierarquia. Até hoje apesar de todo mundo concordar que a chibata era inadmissível você nunca viu um general dizer que concorda com a ação de João Cândido e outros marujos que empreenderam a revolta da Chibata, sequer permitiram que a estátua do Almirante negro fosse  colocada nas proximidades do Primeiro Distrito Naval, no Rio de Janeiro e até hoje ninguém viu a marinha pedir desculpas pelo tratamento desumano a que os protagonistas da insurreição foram submetidos…

Como se vê, são fortes motivos para crer que a ação que ocorreu em 31 de março de 1964 não teve como motivação principal o patriotismo. Estavam também aterrorizados por saber o que ocorreu em outros países. Na mente da maior parte da cúpula das Forças Armadas se o viés político mudasse, todo o “principado” dos gabinetes seria substituído por oficiais simpatizantes do novo regime e, para quem tinha anos de tradição familiar no generalato, alguns possuíam filhos já oficiais seguindo a mesma tradição “genealógica” e – portanto – um desejo incontrolável de que as coisas nunca mudassem, essa possibilidade era um pesadelo.

Perder as regalias, aquela pompa toda que eles amavam tanto, desde a juventude, perder aquela certeza de que o Exército sempre foi assim e nunca mudará…  era para os chamados oficiais políticos, que são os generais, equivalente a uma espécie de “El paredón”. 

É obvio que houve uma pressão popular, a sombra do comunismo assustava todo mundo, mas o estopim da coisa, o fiel da balança para a decisão dos estrelados das FA, não estava relacionado ao país se tornar ou não um satélite sul americano da URSS, mas a derrubar qualquer ameaça contra o seu status quo. Ninguém ainda ousava falar em fuzilamento de generais, exilio, prisão… eles se anteciparam a qualquer possibilidade de revolução armada, mas é claro que El Paredón passava pela sua cabeça. Afinal, Cuba é bem pertinho e a oficialidade brasileira era bem informada, inclusive sabe-se que eram alimentados com dados dos norte americanos. 

Obviamente isso não se encontrará registrado em nenhum lugar, é na experiência, na observação, nas entrelinhas, que se entende a motivação comportamental de um grupo como esse, tão discreto, quase indevassável.

Deixo claro aqui que não me refiro a tudo que foi feito depois de 64 pelos militares, o combate a guerrilha, os atos institucionais, isso é outra história.

Olavo de Carvalho por anos a fio, sobretudo durante o governo Dilma, tem instigado os militares brasileiros a agir contra o que a esquerda tem feito no  país. Porque eles não se moveram?  A resposta é: Porque não se sentiram ameaçados naquilo que consideram mais valioso. 

Pergunta de Júlio Machado: E agora, como anda a cabeça dos generais, se Bolsonaro perder as próximas eleições para um político de esquerda?

Robson Augusto: Pelo que posso ver a cabeça está do mesmo jeito. Sobre o governo LULA e DILMA eu já falei, as regalias continuaram do mesmo jeito e por isso estavam indiferentes às ideologias implantadas e até quanto a ser comandados por um ministro comunista. Quanto ao governo Bolsonaro, estão no paraíso, recentemente presentearam-se com uma gordo aumento disfarçado em vantagens. Deixaram muitos graduados e pensionistas furiosos, mas ninguém quer saber disso, a coisa é um labirinto de regras, vantagens, percentuais… Poucos parlamentares ousam questionar alguma coisa.

E quanto ao futuro, a outros governos, eles não dão ponto sem nó, uma olhadela no diário oficial ou em artigos na Revista Sociedade Militar mostra que a distribuição de condecorações, jantares e títulos de nobreza ocorre de maneira desenfreada, o que significa que cuidam para que o seu status seja cada vez mais alto, o círculo de amizade com altas autoridades da república é sempre incrementado.

Pergunta de Júlio Machado: Você acha que a distribuição de condecorações é, então, por um – digamos – “bom motivo”?

Robson Augusto:  Sim, até hoje, mesmo com vários pedidos, não explicaram o que tantos parlamentares e juízes fizeram para ser condecorados. Portanto, muita gente acredita que a condecoração não é pelo que um juiz ou parlamentar fez, mas é na verdade pelo que pode fazer no futuro pelos membros da cúpula das Forças Armadas.

As portarias sobre condecorações dizem que a homenagem é pelos bons serviços prestados às Forças Armadas e não pelo que podem um dia fazer.

Tem um desembargador que possui mais de 10 medalhas militares! Veja lá na Revista Sociedade Militar, depois te passo o link. O cara nunca deu um tiro, mas tem mais medalhas que o Duque de Caxias! Só falta dar pra ele uma espada!

Esse país realmente não é pra amadores, como dizem. Eu não entendo muito bem como isso ocorre, como as pessoas engolem e deixam esses absurdos permanecerem. Talvez haja tanta coisa ruim, tanta falcatrua que acaba se deixando isso pra resolver depois. Militares da cúpula ocupando cargos comissionados – paradoxalmente – conseguem manter um discurso de neutralidade política, de que militar é autoridade de estado e não de governo.

Como assim? O cara é de ESTADO, mas tem função comissionada em um governo! E depois retorna para a ativa!

Portanto, por tudo isso, quando Bolsonaro sair, seja daqui a dois ou a seis anos, pra eles não tem problema algum, estarão mais do que consagrados como amigos e benfeitores de todo tipo de autoridade da república e terão a garantia de que a coisa permanece do mesmo jeito por mais algumas décadas.

Só pra fechar, quanto aos pedidos de intervenção militar, que acompanho desde 2013, sem emitir aqui juízo de valor sobre a legalidade desse tipo de ação, solicitada inclusive por uma parlamentar ainda essa semana (Cristiane Brasil), posso dizer que só seriam atendidos um dia se um governo ameaçasse cortar todas as regalias do principado que ocupa as cadeiras da cúpula das Forças Armadas, os altos comandos. Aí sim eles se moveriam e fariam uma nova revolução, contrarrevolução ou outro nome qualquer, novamente e obviamente, não por patriotismo, conservadorismo ou outro ismo, mas principalmente em defesa de seus principados particulares.

Observem o que ocorre na Venezuela, Nicolás Maduro garante o status e regalias da cúpula das Forças Armadas, lhes concede créditos exclusivos, status, automóveis etc. e por isso fica tudo maravilhosamente bem. Se há alguma movimentação revoltosa isso jamais vem da cúpula militar e acaba sendo esmagado rapidamente.

Aqui não seria diferente.

Não poderia deixar de citar uma declaração do Brig. Rossato, ex-comandante da FAB, mesmo MICHEL TEMER tendo feito tudo aquilo que fez, o oficial comparou-o a Napoleão Bonaparte, dizendo que os oficiais generais se sentiam inspirados por ele. (salvo engano… posso errar uma ou outra palavra) : “ presidente, … generais se sentem revigorados pelo estímulo transmitido na convicção de suas ideias… age como grande general, um Napoleão” .

Pergunta de Júlio Machado:  E quanto à situação dentro dos quartéis, você enxerga possibilidade de abuso de poder por parte dos oficiais generais contra seus subalternos, uma chibata moderna, caso esse crescimento do status da cúpula aumente mais ainda mediante um novo mandato de Bolsonaro?

Robson Augusto:  Bem, abuso de poder ocorre em todas as sociedades, empresas, instituições. Onde há seres humanos há disputa por poder e algumas pessoas infelizmente não conseguem se controlar muito bem.

Muito recentemente percebemos o uso da máquina pública para que o salário da cúpula das Forças Armadas fosse aumentado em um percentual maior do que a base recebeu e as pensionistas foram sobretaxadas. Esse uso da máquina pública, com militares da ativa fardados falando bem de um projeto de lei e as assessorias parlamentares das Forças Armadas atuando full time fazendo Lobby dentro do Congresso Nacional pode, a meu ver, ser enquadrado como abuso de autoridade.. se tratava de um processo legislativo, não uma operação militar! Se o presidente fosse um civil isso aconteceria dessa forma? Eu acho que não.  Portanto, se um determinado grupo se sentir muito poderoso, “apadrinhado” pelo executivo federal ou mesmo íntimo de autoridades do judiciário, remetendo agora também à questão das medalhas conversada há pouco, infelizmente eu enxergo sim a possibilidade de que incorra em abuso de autoridade.

Imagine um coronel que denuncia um tenente e quando ambos entram no plenário da justiça militar para julgamento o coronel dá um abraço no juiz e outro no promotor, haviam se encontrado no final de semana anterior, numa cerimônia regada a whiskey e canapés onde as autoridades foram condecoradas por sua indicação! O que o tenente pode esperar desse julgamento? Se houver uma guilhotina ele será decapitado.

Alguém disse que para haver justiça é preciso haver equidistância entre as partes e o julgador, e eu concordo.

Muitos absurdos têm ocorrido. Muito recentemente o Dr Pedro, um amigo advogado, ingressou na justiça contra a Marinha do Brasil em nome da família de um militar que se suicidou após ser trancafiado injustamente em uma cela, mesmo sofrendo problemas psiquiátricos, tomando regularmente remédios controlados e – pasme – já tendo tentado o suicídio uma vez. Ele já venceu em primeira instância.

Eu particularmente defendo que existam corregedorias regionais, com a participação de militares de vários postos e graduações já na reserva, advogados da defensoria pub. federal e membros do Ministério Público – que não tenham recebido condecorações (risos) – que mantenham as Forças Armadas sob vigilância rigorosa e onde os próprios militares possam realizar denúncias.  Creio que seria um ótimo elemento de dissuasão contra excessos.

Admira-me muito que outros oficiais daquela organização militar onde o cabo faleceu preso não tenham influído para que essa aberração não ocorresse!  Pior, infelizmente as informações que chegam até a mim atestam que esse tipo de coisa é cada vez mais frequente. 

Outro exemplo: Sabemos – por exemplo – que o código penal está no Congresso Nacional para modificações, mas ao contrário do que deveria ser, não está sendo modernizado, não está sendo encaixado no contexto de humanização por que passam todas as outras legislações. Os militares se negam a contextualizar sua máquina de controle, seu aparelho disciplinar. Como diria Foucault, ainda não aprenderam a trabalhar sem que a sombra da punição esteja presente em todos os instantes a normalizar os comportamentos. Não ouvi dizer que membros da tropa ou da sociedade tenham sido convidados para opinar nessa tal modernização do principal códice punitivo dessa categoria e que serve como base até para o que ocorre nas polícias e bombeiros.

A coisa tramita quase em segredo, se não fosse uma reportagem da revista Sociedade Militar ninguém saberia disso.

Eu soube por um deputado que o próprio Superior Tribunal Militar usou sua influência para que a relatoria saísse das mãos de um graduado. O relator era o deputado subtenente Gonzaga mas ele passou a função para o General Peternelli. Não vejo uma tentativa de contextualização das regras, pelo que percebo o que se quer é endurecer mais ainda a coisa.

Já falei demais, obrigado. Esse papinho vai me render um monte de xingamentos por várias semanas (risos). É um país maniqueísta, na mente de muitas pessoas se você não pensa como eles em um ou outro ponto, obrigatoriamente é jogado do outro lado do espectro político, está no lado ruim. Mas, quem não aguenta passar por isso é melhor que se afaste da análise política.

Júlio Machado: Eu que agradeço! Grande abraço
Júlio Machado é historiador, formado pela Universidade Federal do Amapá

Publicado no Portal Militar

Imagem / créditos: PRES. DILMA ROUSSEFF DURANTE ALMOCO DE CONFRATERNIZACAO COM OS OFICIAIS GENERAIS DAS FA – ROBERTO STUCKERT FILHO https://fotospublicas.com/dilma-rousseff-durante-almoco-de-confraternizacao-com-os-oficiais-generais-das-forcas-armadas/

Republicado, original janeiro 2021

Deixe um comentário
Compartilhe
Publicado por
Sociedade Militar