Forças Armadas

A Caixa de pandora

O exército, formado à base de imposição governamental e de escravos em troca de alforria, reuniu o que de pior havia no populacho do século XIX. Conquanto tal recrutamento se desse na nascente classe média, a estratificação social prosseguiu no militarismo e não possibilitou a ascensão dos pobres. O drama brasileiro da “casa grande e senzala” foi replicado na caserna. Dessa classe média até os dias atuais surgem jovens oficiais e praças. Aqueles poucos que serão comandantes e os outros muitos que serão eternos comandados distanciam-se ainda mais nos quartéis. Oficiais de um lado, praças de outro. Reflexos tardios desse choque social, a reestruturação empulhada em 2019, a torpeza dos generais políticos e a alta traição do Comandante Supremo apontam um único futuro possível aos militares, as urnas.

A guerra do Paraguai marcou um antes e um depois na história militar brasileira. “Até a guerra do Paraguai, o militar é funcionário de segunda ordem, esquecido, mal pago e sem nenhuma representação social”¹. Depois da campanha, o status da profissão mudou. Eis aí o paradoxo, ela só é valorizada quando é tarde demais. Põem-se as grades depois que o ladrão invade a casa. Alardeando pacifismo aos quatro cantos, tido como povo pacífico – nada mais distante da verdade – o Brasil teima em viver deitado num berço esplêndido de milhões de quilômetros quadrados com uma Defesa suspeitosamente incapaz de fazer frente a uma ofensiva militar séria.

Além de belicamente sucateadas, as FFAA também se esmeram em pagar mal os seus militares, principalmente os praças. Contrariando toda lógica federalista, o que deixa entrever um plano insidioso de se sufocar lentamente as FFAA, as forças auxiliares oferecem a nata dos salários dos profissionais de segurança. As comparações são inevitáveis. Muitos dizem que os PM são mais unidos, menos subservientes, o que lhes teria proporcionado mais eficiente representatividade política. Mas a comparação é estrábica. Foi exatamente o oposto. A representatividade existe hoje porque as polícias estaduais romperam com a hierarquia e a disciplina. À custa de greve, revolta, e até sangue derramado, muitos praças foram eleitos. Deu-se visibilidade à causa dos policiais e os que alegaram estar dispostos a representar a classe ganharam o voto de confiança. As FFAA são nacionais. Articulações grevistas seriam impensáveis. Com representatividade sociopolítica nula, sem “moeda de troca” na jogatina política, trinta anos voaram até que Jair Bolsonaro subiu a rampa presidencial nos ombros de generais, almirantes e brigadeiros. O “mito” seria por nós…

Um ano se passou desde a Lei 13.954/19, e a decepção e o desespero moral que acometem os militares, principalmente os da reserva, e as pensionistas têm contornos de pesadelo acordado. Longe de ser um marco revitalizador da carreira, estimulando os novos e recompensando os antigos, a Lei, talhada exclusivamente pelos oficiais (bem longe da vista dos praças) – como disse o poeta “atrás de portas fechadas, à luz de velas acesas”, criou uma terceira cabeça nessa hidra monstruosa chamada militarismo. Ao lado dos oficiais e dos praças, mas acima, bem acima, os generais agora planam no topo financeiro da pirâmide estatal brasileira… bem distantes da tropa malcheirosa que tanto detestam. Autorizados por Bolsonaro, os senhores da guerra de travesseiros conjuraram o que de pior poderia existir no inferno legiferante nacional e chancelaram o único tratamento que a pátria amada se digna a oferecer ao militar pobre: o desprezo.

Como nada é tão ruim que não possa piorar, a Lei nº13.954/19 começa a dar seus frutos malignos. Graças à sua redação avacalhada e flagrante supressão de direitos, em ação provocada por um militar prejudicado, o Poder Judiciário recentemente² decidiu representar ao Ministério Público Federal para que “tenha ciência da ilegalidade lesiva ao patrimônio público”, segundo o Magistrado, causada pela Lei, “franqueando-lhe [ao MPF] ação que achar pertinente dentro de suas competências constitucionais e legais.” A interpretação do Juiz, não obstante lhe pareça razoável, carece de profundidade – o meritíssimo acha que o adicional de “disponibilidade” seria devido unicamente aos militares da ativa.  Dada a compreensão rasa que os leigos têm de temas castrenses e a antipatia que, graças ao Governo, os militares estão angariando ultimamente, corremos sérios riscos de sofrermos cada vez mais derrotas esdrúxulas na esfera judiciária.

Não há para onde correr. Quem disse nos representar, nos traiu; quem disse nos valorizar, nos vendeu aos que nos traíram. O que é imperioso fazer é mostrar quem somos e o que queremos, que nada mais é do que justiça. Somos setecentos mil! Urge reunir todos os prejudicados pela Lei nº13.954/19 e mostrar ao governo nossa força, que é o voto depositado nas urnas de 2022 com uma só intenção: depor os traidores e restaurar a ordem, ainda que tardia.

¹ Cel Nelson Werneck Sodré, História Militar do Brasil

²https://www.sociedademilitar.com.br/2021/02/juiz-manda-investigar-uniao-considera-ilegal-adicional-de-disponibilidade-concedido-para-militares-da-reserva.html

JB Reis

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Publicado por
Sociedade Militar