Política Brasil

CASO DANIEL SILVEIRA: ATÉ ONDE VAI O PODER DO STF?

Em primeiro lugar, gostaríamos de alertar para o fato de que o presente artigo não pretende realizar qualquer análise a respeito da existência ou não de crime cometido pelo Deputado Daniel Silveira, mas apenas analisar de forma bastante abreviada o contexto e os possíveis efeitos da criação deste perigoso precedente pelo STF.

Feito o comentário acima, notamos que, segundo a decisão do Ministro Alexandre de Moraes, cujo inteiro teor pode ser acessado ao final deste artigo, o inquérito instaurado pelo STF teria fundamento na suposta existência de fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de intenção de calúnia ou difamação, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares.

CASO DANIEL SILVEIRA: ATÉ ONDE VAI O PODER DO STF?

Em seu relatório, o Ministro sustenta o seguinte:

“(…) além de atacar frontalmente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas ameaças e ofensas à honra, expressamente propaga a adoção de medidas antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal, defendendo o AI-5; inclusive com a substituição imediata de todos os Ministros, bem como instigando a adoção de medidas violentas contra a vida e segurança dos mesmos, em clara afronta aos princípios democráticos, republicanos e da separação de poderes”.

Ocorre que, sem prejuízo da possibilidade de existência de crime, a decisão pela prisão de Daniel Silveira proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes e depois confirmada pelo colegiado do STF, conforme os especialistas, incorreu em diversos equívocos que, não só maculam a própria decisão, como renovam as críticas por parte da sociedade civil quanto a esta postura, digamos, proativa da corte suprema que, agora, além de decidir, passou também a denunciar e investigar.

Usando de gancho o comentário do parágrafo anterior, deve-se dizer que, segundo a lei processual, o STF não tem competência para a instauração de “inquérito judicial”, já que é vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação (CPP, art. 3-A), o que é sustentado pela noção do sistema acusatório criado pela Constituição Federal, que atribui ao Ministério Público a função de investigar (CF, arts. 129) e à polícia a função de garantir a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (CF, arts. 144).

Outra questão que vem atraindo a crítica dos especialistas é o fato de que, segundo a Constituição Federal, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável (CF, art. 53, § 2º), o que não é verdade no caso do Deputado Daniel Silveira, já que, a despeito da interpretação utilizada pelo STF, o rol de crimes inafiançáveis é taxativo e está previsto na Constituição Federal, mais especificamente nos incisos XLII, XLIII e XLIV do seu art. 5º, incluindo tão somente os crimes de racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos e crimes cometidos por ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Passando agora à questão principal, que envolve a discussão quanto à existência ou não de crime flagrante, destacamos que a lei processual prevê, sim, a possibilidade de flagrante permanente (CPP, art. 303). Nessa linha, se admitirmos que há crime, segundo o próprio relatório da decisão, o fato de o vídeo ter sido postado, divulgado e mantido disponível nas redes sociais caracterizaria uma situação de infração permanente e, consequentemente, de flagrante delito, o que permitiria a consumação da prisão em flagrante. 

No entanto, o problema não está realmente nesta conclusão, mas especificamente nos seus possíveis efeitos, já que, em um cenário extremo, um precedente como este poderia ser utilizado como dura ferramenta de repressão e controle a ser imposto pelo poder judiciário. Seria possível entender, por exemplo, que alguém poderia ser preso em flagrante caso mantivesse disponível postagem realizada anos atrás, ainda que, após isso e por qualquer razão, tenha mudado o seu entendimento sobre o mesmo assunto.

Sobre isso, inclusive, como somente somente se vê em casos raros, as opiniões de representantes de setores tanto à esquerda quanto à direita convergem: a consolidação do entendimento do STF quanto a um flagrante permanente neste caso põe em cheque a própria liberdade de expressão, garantindo ao estado uma espécie de poder atemporal, um controle permanente do discurso que, em último grau, acaba por nos remeter a uma situação de autoritarismo que não condiz com a democracia.

Aliás, é no mínimo curioso o fato de que o órgão tenha utilizado, para basear a tese da inafiançabilidade decorrente da defesa do AI-5 pelo Deputado, a chamada lei da segurança nacional, publicada em 1983, durante o governo de João Figueiredo, cujo texto carrega a fama de ter sido utilizado como ferramenta para a perseguição de opositores.

A incompatibilidade de alguns dos recentes atos do STF com o previsto na legislação é clara, assim como é claro o seu protagonismo. O que não está tão claro assim é: até onde vai o poder do STF?

Veja aqui o teor completo da decisão do STF

Artigo de colaborador J.Silva. A revista Sociedade Militar não necessariamente concorda com a visão dos autores.

Deixe um comentário
Compartilhe
Publicado por
Sociedade Militar