Forças Armadas

O Divisor – Artigo de colaborador na Revista Sociedade Militar

Muitos reclamam que o Brasil estaria excessivamente polarizado. Afirmam que Bolsonaro teria inaugurado uma era de divisão e ódio. Não pensamos que esse homem, assaz ordinário, teria tanta capacidade intelectual para causar tamanha desagregação social propositalmente. O que se nos  afigura é que sua administração desastrada e seus modos dignos de um inconsequente o tenham tornado súcubo de forças além de seu controle – e de carreada a todos nós. Intencionalmente ou não, esse político rescendendo ao centrão nauseabundo, seja pelas inimizades que angariou, seja pelos amigos que traiu, seja pelas bravatas que contou – e ainda conta, mesmo sabendo que não tem a mínima condição de cumpri-las – de suposto “messias” está lentamente se tornando um cavaleiro do apocalipse. Nem as FFAA escaparam, elas que eram vistas como instituições sólidas, um bloco indiviso, agora se desintegram e principiam a afundar no pântano escavado pelo “mito” divisor.

Desde sua redemocratização, o Brasil, aos trancos e barrancos, entre ladrões dos cofres públicos e vendilhões da justiça estatal, vem tentando chegar ao terceiro milênio como uma Nação, se não próspera, pelo menos séria aos olhos do mundo e de seu próprio povo. Podada pela “estratégia das tesouras”, a nova república brasileira afetava ares democráticos, mas na verdade apenas mudava o cetro do poder ora para a mão direita ora para a esquerda de grupos elitistas, que eram tudo, menos inimigos. Um teatro que nos iludia enquanto cooptava nossos votos e esperanças. O presidente eleito em 2018 aparentou saber disso e se comprometeu a “lutar contra o sistema” (de qual “sistema” ele falava, nunca saberemos). Em palavras, mais do que em atos, erigiu uma fantasmagórica “bandeira vermelha” como inimigo a ser combatido. A palavra, o discurso de um político, por mais canalha que seja o homem que fala, tem peso. Bolsonaro não mede palavras (o que pelo seu séquito de cultores descerebrados é visto como “sinceridade”) e desde seu discurso de posse vem invariavelmente abrindo mais e mais feridas em temas que, como Mandatário máximo do país, deveria pugnar por fechar. Quem ataca a imprensa, por mais mal intencionada que parte dela seja, dá mostras de que não tem apreço pela liberdade. Não se espera que um presidente seja capacho da mídia, mas que seja inteligente e saiba usá-la a favor de seu governo, que deve ser, espera-se, voltado para o bem geral. Disso ele é culpado. Ele não criou o ódio. Ele já estava por aí. Sempre esteve. Mas ao arriscar tudo em nome de políticas, aos olhos de muitos,  extremadas, a fim de chegar a Brasília, Bolsonaro forçosamente criou um pólo oposto, que obviamente criaria atrito com o pólo único, de matriz socialista, já em vigor desde 1985. Talvez lhe tivessem faltado tato, sensibilidade, assessores perspicazes, que lhe apontassem o caminho da conciliação temporária, para só mais tarde avançar as pautas políticas. Disso também ele é culpado.

O Governo que aí está, elegeu-se mais por rejeição do modelo anterior do que propriamente por consciente aclamação popular. Bolsonaro “pegou o bonde andando”, um “bonde” sem motorista, ladeira abaixo e já sem freios. Ex-presidentes impechados, condenados, o presidente em exercício, Temer, processado, a classe política em peso atolada em escândalos de corrupção. À sombra da lembrança saudosa dos que não viveram a ditadura militar, o ex-capitão se projetou como o salvador da Pátria, venceu uma eleição apertada, como um azarão fruto do desespero de um povo iludido, mas não convenceu.

A crise de saúde pública que está deixando o mundo de joelhos atinge a todos, ricos e pobres, e num país folclórico e mambembe como o nosso, tende a se potencializar. Baixando um pouco mais o tom dessa marcha fúnebre, eis que a administração da pandemia no Brasil se tornou novo foco de divisão. Os três níveis do poder público, ao invés de se unirem em prol de soluções para a crise, digladiam-se como titãs, usando do flagelo que nos assola como plataforma política. Numa derradeira e covarde afronta a um povo já tão massacrado, a morte de seus indivíduos se transformou no cabo eleitoral mais macabro da história deste país. Não há anjos nesse umbral, mas sabemos que aquele que se dirigiu ao povo para confiar-lhe a direção dos destinos da Nação deveria ser o primeiro a apontar o caminho da concórdia e da união em prol de uma direção única. Mas o orgulho, mais do que a vida de muitos, sufoca-lhe a garganta e não permite que sequer manifeste condolências aos milhares de basileiros mortos. Sabemos que o vírus chinês mata menos do que outras moléstias conhecidas, mas isso não significa que as vidas ceifadas sejam desimportantes. Toda vida importa, e seu valor é absoluto. Só alguém doentiamente atormentado, carente de um mínimo senso de compaixão, pode relativizar isso. Disso também ele é culpado.

Mas a cereja deste bolo nefasto, que completa dois anos, adorna a instituição que, aos olhos deste povo, tão carente de ordem e de justiça, até a posse de Bolsonaro era o último bastião da moralidade estatal. Mas mesmo isso ele conseguiu macular. Como um cavalo de troia comprou os generais, que antes o ignoravam e traiu os militares de baixa patente, que o apoiaram e nele votaram por trinta anos, favorecendo os militares da alta cúpula que, já se vê, desprezam-no profundamente. Ao comprar briga com a grande imprensa, não pensou nem por um momento – perguntamo-nos se cultiva este hábito salutar, o pensamento – que as FFAA poderiam ser vítimas fáceis de intrigas, escrutínios diários, reportagens falsas ou verídicas, espionagens, tudo com o intuito único de atacá-lo. Sem pestanejar, blindado por generais alérgicos à tropa, sacrificou a boa imagem do militar brasileiro, e agora envereda pela senda negra dos que sacrificam tudo e todos para se manter no poder.

JB Reis

A Revista Sociedade Militar não necessariamente concorda com as opiniões expressas em artigos de colaboradores, a publicação visa enriquecer o debate e expor as diversas visões em torno dos diversos temas tratados pela revista online

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Sociedade Militar