Os vários anos cobrindo assuntos relacionados aos militares das Forças Armadas e Forças Auxiliares nos fizeram calejados em algumas questões. Por exemplo, já se tornaram para nós muito comuns algumas práticas de caráter duvidoso realizadas por parlamentares, federais e estaduais, visando atrair a simpatia do público militar.
Trato nesse texto do chamado projeto com vício de iniciativa, ao longo dos últimos anos foram vários do tipo, quase todos deixaram militares eufóricos na data da apresentação, mas ao longo do tempo foram rejeitados por conta do tão famoso controle de constitucionalidade das leis, processo feito de forma preventiva ainda nas casas legislativas.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê a devolução ao
autor, pelo Presidente da Casa, ainda antes da tramitação, da proposição que considere evidentemente inconstitucional.
O vício de iniciativa
A prática, que geralmente provoca bastante agitação no público envolvido por conta de anos de busca de alguma reparação de injustiças, é a apresentação de um projeto de lei que a primeira vista “encurrala” o poder EXECUTIVO, solicitando promoções, reajuste de salário ou mudanças em planos de carreira dos militares das Forças Armadas.
De sargento para subtenente
– Um caso bastante conhecido ocorreu em 2010, quando o Senador Paulo Paim, respondendo a intensa luta e anseio de militares dos quadros especiais, apresentou o Projeto de Lei número 204 de 2010.
Era o texto dos sonhos e – apresentado por um senador de altíssimo status– despertou euforia em muita gente.
Entre outras coisas, o texto promovia todos os sargentos do Quadro Especial do Exército Brasileiro que ingressaram até 1995, estando na reserva ou ativa, à graduação de subtenente.
“… Art. 1º Aos cabos estabiliz. e Taifeiros-Mor, constantes no Quadro de Acesso para promoção a 3º Sargento do Quadro Especial, fica assegurada a referida promoção retroativa à data em que completaram respectivamente 15 (quinze) anos de efetivo serviço… Art. 2º Aos Sargentos do Quadro Especial do Exército, na reserva remunerada, reformados ou no serviço ativo, cujo ingresso nas fileiras do Exército se deu até 31 de dezembro de 1995, é assegurado, na inatividade, a promoção a Subtenente.”
O projeto de Paulo Paim foi enterrado apenas cinco meses depois por um relatório do Senador Demóstenes Torres, que apontava justamente o vício de iniciativa:
“À vista da clareza indiscutível da prescrição constitucional, a proposição não reúne condição jurídico-constitucional de prosperar. … inconstitucionalidade total por vício de iniciativa emerge do quanto consta na Constituição Federal, no art. 61, § 1º, II, f, dispositivo do qual se colhe, literalmente, ser de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que (…) disponham sobre (…) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para reserva…”
Reintegração de ex-soldados da Aeronáutica
– Entre inúmeros outros casos citamos outro, que vem de longa data mas que se mantém até hoje como uma ferida aberta. Ainda quando era deputado federal Jair Bolsonaro participou em 08/10/2013 de audiência pública sobre o assunto e deixou claro que esse tipo de decisão era exclusiva do presidente da república. Na época mencionou que só a Presidente Dilma, que era a “dona da caneta”, poderia resolver o caso dos SOLDADOS CONCURSADOS DA FAB que – apesar de concursados – foram demitidos e buscam reintegração.
“Agora, a experiência que eu tenho aqui de 23 anos como Deputado Federal me ensinou que, quando o Governo quer, ele faz. Fala-se muito em democracia, mas quem decide é uma pessoa só. No caso, é a Presidente da República… A questão dos taifeiros da Aeronáutica foi decidida porque um taifeiro aqui em Brasília convenceu o Presidente Lula – que tinha uma maneira diferente de agir. E o Presidente Lula mandou para cá a proposta. A iniciativa dessa proposta era privativa do Presidente da República.
É a questão do §1º do art. 61 da Constituição, que diz: São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que (…). E uma delas trata da estabilidade. Então, não temos aqui autonomia para decidir, entendo eu, o retorno desse pessoal aqui.”, Jair Bolsonaro
Em dezembro de 2020 o deputado federal Gurgel (PSL-RJ) apresentou o projeto de lei 5596/2020, a proposta prevê a reintegração dos militares (CESD) licenciados da FAB e sua promoção até suboficial. De acordo com condições especificas o militar reincluído poderá ascender até o oficialato.
O projeto de Gurgel acabou indo parar no Jornal O Dia. Todavia, apesar de possuir um objetivo muito louvável, nasce morto simplesmente porque não poderá tramitar, enquadra-se no mesmo caso acima citado (art. 61 da Constituição).
Parte do texto apresentado pelo Deputado Sargento Gurgel
“Art. 1º Esta Lei dispõe a reinclusão de militares oriundos do concurso público CESD de 1994 a 2001 do Comando da Aeronáutica. Art. 2º Aos militares licenciados, sem processo administrativo demissional, e oriundos do Quadro de Soldado Especializado da Aeronáutica — SE, cujo ingresso no referido Quadro se deu até 31 de dezembro de 2001, é assegurado o acesso às graduações de suboficial, podendo chegar ao oficialato na forma do MMA 35/1 de 1996…”
Mais um PROJETO sobre o quadro especial de sargentos
– Em 2017, após fala incisiva e convincente na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, a senhora Kelma Costa conseguiu – junto com associações – emplacar uma Sugestão que versava sobre “promoção de cabos estabilizados e Taifeiros-Mor e a promoção de Sargentos do Quadro Especial do Exército Brasileiro”. Na época muito se comemorou, havia certeza de que a coisa se transformaria em projeto de lei e a informação se esparramou festivamente por organizações militares do Oiapoque ao Chuí.
Na época o Montedo publicou uma nota de grande repercussão, foram 258 comentários.
A promessa de criar-se um projeto de lei não foi cumprida, embora se tenha vislumbrado real esforço de alguns parlamentares envolvidos, como Paulo Pimenta e o Subtenente Gonzaga.
À época a comemoração poderia ter sido adiada caso o parecer do deputado subtenente Gonzaga fosse lido pelos interessados. O deputado foi honesto, não tentou engabelar os graduados e apresentou as cartas que tinha na mão, deixando claro que a SUGESTÃO não poderia – pelo menos no Congresso Nacional – se transformar em projeto de lei, a única coisa a fazer foi a Indicação Legislativa.
“…Diante do exposto, atendendo o preceituado no art. 6º do Regulamento Interno da CLP, que determina que nos cabe proceder as adequações necessárias para assegurar a regular tramitação das sugestões a nós submetidas, meu voto é pelo aproveitamento da Sugestão nº 195, de 2010, mediante encaminhamento de seu conteúdo legislativo ao Chefe do Poder Executivo Federal, na forma de uma INDICAÇÃO (§1º, inciso I do art. 113 do RI/CD)…”
Tabata Amaral, a Robin Wood capenga
Bem recentemente a deputada Tabata Amaral, assumindo uma linha oposta, não tentando agradar militares, mas buscando agradar parte da sociedade civil, fazendo-se uma espécie de Robin Wood capenga tenta passar por heroína e propõe tirar parte do salário das pensionistas das Forças Armadas para bancar o auxílio emergencial.
A deputada incorre no mesmo caso acima citado, o vício de iniciativa, quando um projeto de lei esbarra na CF1988 ou no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o que faz com que obrigatoriamente seja impedido de tramitar.
Será possível que não sabe disso, questão elementar a se observar no processo de elaboração de um projeto de lei?
Percebe-se certa movimentação de alguns que aparentemente pretendem de alguma forma pegar carona na repercussão da coisa dizendo que tentarão barrar o projeto de Tabata Amaral (1409/2021). Caso se debrucem um pouco sobre a legislação que trata do processo legislativo perceberão que o projeto da jovem parlamentar pedetista é natimorto, não tem como prosperar, pelo menos no que diz respeito às pensionistas das Forças Armadas.
É verdade que nem sempre os interessados em certos assuntos sentem-se a vontade em ouvir a verdade, em saber que andam em círculos, guiados por tutores “complicados”. Mas, tendo uma noção exata da realidade acreditamos que poderão traçar novos caminhos para alcançar seus objetivos.
(*) Robin
Robson Augusto – Militar R1, jornalista, sociólogo / Revista Sociedade Militar
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