Política Brasil

PERIFERIAS CARIOCAS – CONFLITO ETERNO

Antes do ministro Fachin, do STF, proibir as operações nos morros cariocas alegando a questão da pandemia do Covid-19 (?), Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, já havia determinado essa medida nos anos 80. O resultado foi o mesmo: fortalecimento do crime organizado enquanto a comunidade ao redor ficava cada vez mais refém perante a um Estado ausente.

Vários comércios faliram durante as medidas restritivas devido à pandemia, menos o tráfico, esse continuou funcionando a todo vapor e após essa medida, sem o incômodo da polícia. Com esse fortalecimento, obviamente os investimentos foram em pessoal e armamento. E quando os setores de inteligência da polícia detectam que a situação está chegando a um nível intolerável, são obrigados a agir, e essa ação deve ter poder suficiente para subjugar o exército de traficantes, que por sua vez, sentindo-se fortes, não entregará o território sem confronto.

Eis a questão: se você não sobe o morro hoje porque não quer, amanhã não irá subir porque não deixam.

Em entrevista para a CNN, o ex-ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, criticou a operação Exceptis, no Jacarézinho, apontando o número de “suspeitos” mortos e disse que essas ações em nada afetam o crime organizado. Esses suspeitos, dos quais Jungmann disse que também têm direitos, sendo essa alegação uma insinuação de execução, é óbvio que todos têm direitos, exceto quando atiram contra a polícia ou contra qualquer cidadão. Disse o ex-ministro que eles seriam imediatamente substituídos pelo tráfico.

Realmente não me lembro de qual grande ação o ex-ministro encabeçou contra o crime organizado, mas posso afirmar que a polícia carioca, dentro de suas possibilidades, obteve sim resultado positivo.  Demonstrou força, tomou o território, causou prejuízos ao tráfico em diversos aspectos. E esses “suspeitos”, talvez não sejam substituídos tão facilmente. Foram apreendidos 6 fuzis, 1 submetralhadora, 12 granadas, 1 calibre 12, 1 munição anti-aérea,16 pistolas e munição de artilharia. Um investigador foi morto.

Uma coisa o Jungmann está certo: para haver eficiência permanente, seria necessário ações sociais do Estado e não só da polícia. Esse raciocínio deveria ser um tanto óbvio, como a questão da seca do nordeste em um mundo em que até desertos são irrigados, mas quem ganha com isso? Quantas pessoas já se elegeram prometendo pra uns que resolveriam a questão do crime organizado, e para outros que manteriam o status quo?

A polícia fez a sua parte, mas isso está além das instituições policiais. As UPP, nome fantasia para Companhia de Polícia Militar, dariam certo se não fosse a ambição política de alastrarem o programa sem capacidade pessoal e logística, e novamente manter a questão reduzida somente com a polícia.

O Estado deve tomar o território e mantê-lo. Conquistar mentes e corações, e isso não se faz apenas com a polícia. Usar a Guerra Psicológica, em que o inimigo (no caso o crime organizado) se vê hostilizado por todos os lados, e isso deveria incluir a mídia.

O poder paralelo ganha a simpatia local muitas vezes, pois são eles que provém saúde (distribuindo remédios), amparo social (com cestas básicas e outras ajudas, muitas vezes vinda através de cargas roubadas), lazer (shows de funk e outros) e justiça, essa é rápida, cruel, nada justa, mas alcança os fins propostos.

E o Estado? Apresenta-se apenas com a polícia, que sobe, executa o serviço necessário para o fim para o qual foi chamada, mas vão embora, deixando novamente toda a região sob o poder do estado paralelo.

O dia em que levarem a Segurança Pública a sério, não deixarão grandes áreas sem policiamento diuturno, e todos os atendimentos sociais sendo executados pelo Estado, sem intervenção de Ongs nem associações.

Os romanos sabiam disso há milhares de anos. Ao conquistarem as nações, isso após toda a barbárie que a guerra traz, sabiamente não interferiam na religião e mantinham basicamente o mesmo sistema de governo, obviamente colocando um sacerdote e um rei que atendia aos seus interesses, após matarem os anteriores. Em seguida construíam estradas, aquedutos, algumas vezes sistema de esgoto e até mesmo banhos. Isso atendia as suas necessidades logísticas, mas eram melhoramentos. Com isso, muitas vezes o povo não sentia tanto a diferença e até mesmo via com bons olhos a mudança em relação aos antigos tiranos. Além do poderio militar, essas foram algumas das estratégias para manterem o domínio por tantos séculos.

Quanto às críticas a ação da polícia, que os “especialistas” vêm a público apontar após operações desse tipo, gostaria mesmo de saber quais as soluções apontadas.  Inclusive vindas de muitos que sempre estiveram ligados ao poder, contudo nunca foram capazes de aplicar soluções.

Como incursionar em terreno hostil, sob fogo de fuzil, com coletes incapazes de deterem grosso calibre, com o perigo de granadas, em pontos altos de difícil locomoção, sem troca de tiros?

Parece que todos os sociólogos e especialistas sabem tudo sobre Segurança Pública, menos a polícia.

Talvez o sonho de algumas autoridades do Rio de Janeiro, fosse que lá, como em São Paulo com o PCC, tivesse uma única quadrilha. Assim, não haveria milícia, confronto entre quadrilhas e até mesmo o número de homicídios seria controlado. Queriam mesmo que permanecesse a falsa a imagem de que tudo está bem.

Quanto ao tráfico, é só um detalhe. Afinal, ninguém vai a um Distrito Policial prestar “queixa” de tráfico.

O tráfico continua no Jacarézinho, mas de uma coisa eu tenho certeza, nenhum dos vinte e sete estão mais traficando.

Davidson Abreu é Oficial da polícia militar com mais de 27 anos de experiência.

Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas / Pertenceu ao corpo docente do Curso Superior de Formação de Soldados / É professor do Estágio de Aperfeiçoamento Profissional da Polícia Militar / Escritor e palestrante

Autor do livro Tolerância Zero – Faro editorial – selo Avis Rara

Revista Sociedade Militar não necessariamente concorda ou discorda das opiniões expressas em artigos de colaboradores, a publicação visa enriquecer o debate e expor as diferentes visões em torno dos diversos temas tratados pela revista online

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