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Forças Armadas – Uma Grande família, mas nem tanto!

Nossa homenagem a João Cândido Felisberto, o Almirante Negro, que demonstrou à marujada de 1910 a essência do que é “família”: enfrentar os fortes e proteger os fracos, e não o contrário.

 No último dia 15, em seu primeiro “tuíte”, aparentemente vindo de nenhures e indo para lado nenhum, o comandante da MB atual (dizemos “atual”, porque nesta jangada governista não sabemos mais quanto tempo dura um comando militar…) lançou nas redes sociais o termo “família militar”. Segundo ele, essa sorridente família, composta por Marinha, Exército e FAB, navega um mar de rosas brancas, azuis e verdes, sob a magistral batuta do MD.

Aos desavisados, a declaração do almirante pode parecer inocente, idílica mesmo, mas além de debochada e de ser uma tapa na cara de milhares de veteranos, ela não é verdadeira, como iremos demonstrar a seguir. A autêntica família militar, não essa abstração de twitter, foi violentada pelo atual governo e seus generais em 2019. E ela só poderá ser resgatada pela via da representatividade política dos praças.

Em nome da didática, apesar de não ser novidade para o seleto leitor da RSM, a “família militar” no Brasil é formada basicamente por três membros: oficiais, praças e suas respectivas pensionistas. Apesar de descrita na Carta Magna como sendo composta por uma classe única, a profissão das armas é legalmente dividida em duas categorias, oficiais e praças, entre as quais existe um abismo, tanto do ponto de vista da valorização institucional, quanto sob a ótica da percepção salarial. Um aspirante de vinte anos, inexperiente, imaturo e engomado, ganha bem mais do que um suboficial com mais do que o dobro de idade e dez vezes mais expertise, sem contar a trajetória sociofamiliar que invariavelmente a este último verga a cerviz. Oficiais atraídos pela luz semidivina da cúpula (além da qual jaz o traiçoeiro, mas sedutor poder político), e os praças, cada vez mais arrastados pela força gravitacional da miséria financeira, voragem terrível, que desde sempre escancara sua boca famélica, antegozando o dia em que os militares pobres – ideal  macabro do atual Comandante Supremo – engrossarão as fileiras do INSS.

Não são necessários argumentos sociológicos complicados para entender que a vida militar brasileira sempre tenta replicar a estrutura “casagrande e senzala”. Um estudo, mesmo que superficial, sobre temas como a Guerra do Paraguai, a Revolta da Chibata, o Comando dos Sargentos de 1963, que descambou no golpe do ano seguinte, demonstra aos que têm olhos de ver, que a vida dos praças sempre foi cortejada por uma semiescravidão velada. Já mencionamos repetidas vezes como o poder disciplinar de comando atribuído aos oficiais insidiosamente degenera em um pretenso poder tutelar segundo o qual os praças são vistos como relativamente incapazes e carentes de uma mão “amiga” para “guiá-los”, mesmo que seja ao abismo.

A partir do PL 1.645, o braço “político” desse leviatã, o Ministério da Defesa, não só aplicou as premissas acima, como investiu com unhas e dentes contra a parcela mais frágil da tropa, a fim de emplacar a desestruturação da carreira. Todo um sistema de engodos e truques, desde os mais infantis e vergonhosos, como farta distribuição de medalhas, churrasco com comunistas, até os mais cabeludos e antirrepublicanos, como bater a porta na cara do vereador Fabrício Dias passando pela tramoia recém descoberta pelo TCU de que os números da previdência militar teriam sido manipulados, toda essa “família” cumpriu à risca a agenda conservadora do Comandante Bolsonaro. Com a Lei 13.954/19 os senhores da “casa grande” sem vergonha nenhuma enriqueceram os militares mais ricos e empobreceram os militares mais pobres. Conservadorismo clássico…

Mais do que palavrório rebuscado, esse texto é uma constatação fria e pretende ser uma advertência de pista quente. A eleição decisiva para os militares traídos por Jair Bolsonaro e seus generais gananciosos será em 2022. A caserna franqueou seus portões à corrida eleitoral. Entre sargentos e generais candidatos, pululam novas caras, vendendo as mesmas velhas promessas. Nunca houve tantos militares concorrendo a cargos políticos e nunca fomos tão aviltantemente enganados. O sangue ainda escorre pelas costas, e não podemos nos dar ao luxo de ser esfaqueados de novo. Os candidatos militares deverão passar pelo crivo da história. Os que entraram na cova dos leões em 2019 e os enfrentaram de mãos nuas terão a preferência. Um trabalho de Hércules nos aguarda. A verdadeira família militar, aquela dos almirantes negros, espera ansiosamente por isso.

JB Reis /  https://linktr.ee/veteranistao

REVISTA SOCIEDADE MILITAR

 

 

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Sociedade Militar