Forças Armadas

TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR E PENAS RESTRITIVAS DE LIBERDADE NA POLÍCIA MILITAR

OBSERVAÇÕES QUANTO A LEI Nº 13.967, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2019

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, que reorganiza as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal. Ver tópico

Art. 2º O art. 18 do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, passa a vigorar com a seguinte redação: Ver tópico (26 documentos)

“Art. 18. As polícias militares e os corpos de bombeiros militares serão regidos por Código de Ética e Disciplina, aprovado por lei estadual ou federal para o Distrito Federal, específica, que tem por finalidade definir, especificar e classificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a sanções disciplinares, conceitos, recursos, recompensas, bem como regulamentar o processo administrativo disciplinar e o funcionamento do Conselho de Ética e Disciplina Militares, observados, dentre outros, os seguintes princípios:

– dignidade da pessoa humana;

II – legalidade;

III – presunção de inocência;

IV – devido processo legal;

– contraditório e ampla defesa;

VI – razoabilidade e proporcionalidade;

VII – vedação de medida privativa e restritiva de liberdade.” (NR)

Art. 3º Os Estados e o Distrito Federal têm o prazo de doze meses para regulamentar e implementar esta Lei. Ver tópico (58 documentos)

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Ver tópico (8 documentos)

Brasília, 26 de dezembro de 2019; 198º da Independência e 131º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

A lei exposta acima gerou controvérsia quanto a sua constitucionalidade e também quanto a possível quebra da hierarquia e disciplina.

Contudo, já em 2012, o Conselho Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça – CONASP/MJ, já havia recomendado ao Ministério da Justiça que adotasse junto a Presidência da República e Congresso Nacional, as providências para vedar as penas restritivas de liberdade para punições disciplinares – recomendação 12, de 20 de abril de 2012.

A lei 13.967 originou-se de projeto (PL 7645/14) apresentado pelo deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG) e pelo ex-deputado Jorginho Mello em 2014.

Entendo que o questionamento mais viável quanto a constitucionalidade da lei está em sua forma no que tange a autonomia dos Estados perante a Federação, no vício de iniciativa do projeto, entendido por muitos como usurpação da competência dos chefes dos Poderes Executivos das federações em legislar sobre seus servidores, ferindo a autonomia administrativa dos Estados Membros.

Entretanto, não abordarei especificamente esse fulcro, e aprofundarei nas questões a seguir, as quais creio serem mais temerárias quanto a maneira ambígua do raciocínio, que acaba se estendendo a tortuosas questões derivadas, muitas vezes refletindo na atuação do policial militar, esse sim, que atua na frente de combate. Ou seja, a essência da questão, os apontamentos que levam a conclusão que o cerceamento da liberdade é benéfico para uma instituição policial, e até mesmo o entendimento de que o “direito de privar alguém de liberdade por questão disciplinar” é um direito individual daquele que terá sua liberdade privada.

QUANTO AS CLÁUSULAS PÉTREAS

Os incisos do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, por protegerem os direitos fundamentais, são considerados cláusulas pétreas, de acordo com o artigo 60, § 4º da própria Constituição.

Resumidamente, entende-se por cláusula pétrea aquelas que não podem ser alteradas nem revogadas, exceto por nova Constituição.

Com base a essa afirmativa, alguns defendem a inconstitucionalidade da lei 13.967 por ser o inciso LXI do artigo 5º, cláusula pétrea.

Inc. LXI – Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

A parte que nos interessa “salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.” Traz uma exceção e não uma obrigação, o que seria inócuo um inciso de um artigo que prega os direitos fundamentais, definir como direito a prisão fora do estado de flagrância e sem ordem por escrito, de uma pessoa pertencente a determinada classe.

Ainda que fosse esse o entendimento hermenêutico, se engana esse positivismo jurídico, no qual define taxativamente a inalterabilidade da cláusula.

Cláusulas pétreas podem SIM ser alteradas, ainda na Constituição vigente, desde que essa alteração sirva para ampliar direitos e nunca aboli-los ou restringi-los, como assim já se pronunciou o STF.

“No Brasil, em que se adota uma fórmula mais mitigada – a de não se admitir proposta de emenda tendente a abolir (o que implica dizer que não há imutabilidade absoluta, mas proibição de alteração que demonstre tendência à abolição dos princípios previstos nos quatro incisos do § 4o do artigo 60 da Constituição)-, tem-se que admitir, no mínimo, que as cláusulas pétreas, por serem princípios excepcionais, são normas de interpretação restritiva (…)”.

Ministro Relator Moreira Alves, julgamento conjunto das AdIs 829; 830; e 833, julgados em 1993, sendo os primeiros julgados de emendas.

 As normas restritivas de direito devem ser interpretadas restritivamente, as normas garantidoras de direitos devem ser interpretadas amplamente. Nesse sentido, ainda que em um inciso de um artigo de direito fundamental, autorizar a prisão sem flagrante ou ordem escrita e fundamentada por autoridade judiciária competente, restringe um direito e não o oposto. Não se trata do direito de “ser preso” e sim o direito de “não ser preso”.

 

Um exemplo de ampliação das cláusulas pétreas ocorreu com a Emenda Constitucional nº 45 que incluiu o inciso LXXVIII.

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Interessante também observar que o art. 90-A da lei 9099/95, o art. 324 do CPM, as restrições quanto à aplicação de insignificância, são exemplos de normas ou posicionamentos que deveriam causar discussões de inconstitucionalidade quanto a lei 13.967/2019, mas isso não se observa.

O Major PM da reserva e advogado atuante, Abelardo Júlio da Rocha, defende a inconstitucionalidade da Lei, sendo a primeira parte de seu artigo intitulada como:

“A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 SEMPRE RECEPCIONOU ABERTAMENTE A PRISÃO DISCIPLINAR DE MILITARES.”

 Iremos nos ater somente a essa parte de seu bem construído artigo devido a essa curiosa constatação.

Certamente a Constituição de 1988 recepcionou a prisão disciplinar como tantos outros assuntos que foram se alterando e se adaptando com a sociedade com o passar do tempo.

Muitos críticos apontam falhas na Constituição, que foram sendo corrigidas, devido ao momento histórico de sua promulgação, vinda logo após o período de governo militar, e o receio da ditadura ensejou maior controle das Forças Armadas e auxiliares. Alguns apontam até um “revanchismo” por parte de alguns parlamentares, não seria de se admirar essa boa recepção.

Com o passar dos anos o ordenamento jurídico em geral foi se modernizando com o advento das Lei 9.099/95, Lei  10.259/2001, Lei 13.964/2019 que incorporou ao CPP a Audiência de Custódia, somente para citar alguns exemplos.

Os militares não estão a margem da sociedade e a legislação pertinente faz parte dessa evolução, como já foi citado no passado.

QUANTO AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO

Definição:

De acordo com Miguel Reale;

“Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis”.

Princípio da razoabilidade

Razoável é aquilo que é conforme a razão, ao bom senso, à justiça; o que é racional; o legítimo, o sensato, o justo.

 

“O princípio da razoabilidade é, pois, um princípio com função negativa, que tem como objetivo verificar se certo ato ultrapassou os limites legais estabelecidos, ou seja, se o ato é razoável. A razoabilidade verifica-se no exame do meio e do fim perquirido, que devem ser compatíveis, objetivando impedir que o poder estatal cometa excessos contra o direito fundamental”.

RAÚJO, Jailton Macena. A tendência de abstrativização do controle concreto de constitucionalidade e sua manifestação processual.

Princípio da proporcionalidade

Impõe a proteção do indivíduo contra intervenções estatais desnecessárias ou excessivas, que causem aos cidadãos danos mais graves que o indispensável para a proteção dos interesses públicos.

Fica evidente a desproporção entre faltas disciplinares e sanções privativas de liberdade. A pena privativa de liberdade como sancionamento de sanções disciplinares, identifica-se com a realidade das Forças Armadas que segue a lógica da guerra e do enfrentamento do inimigo associados à realidade de tropas aquarteladas.

Princípio da Igualdade

O princípio da igualdade vai além de igualar as condições, ele proporciona ao desigual a possibilidade de competir de forma igualitária. É um principio equalizador, que visa trazer harmonia entre forças desiguais.

Aplicar a pena privativa de liberdade ao policial militar, que já vive em situações extremas, salta aos olhos o desiquilíbrio que essa ação traz a tona.

 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

“Ao eleger a Dignidade da Pessoa Humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nossa Constituição traduz a escolha política elementar, a de que o Estado e a sociedade estão centrados na pessoa e objetivam seu respeito e a promoção de uma vida digna.”

Costa, Helena Regina Lobo da. A Dignidade HUMANA: TEORIAS DE PREVENÇÃO GERAL POSITIVA. São Paulo: Ed. RT, 2008. P. 36-37.

O sentimento do individuo pode ser algo pessoal, e não raro o policial terá o sentimento degradante de ter a sua liberdade tolhida devido a uma falta disciplinar. Salvo a vida e a integridade física, a liberdade é o maior direito do ser humano, ou pelo menos sua maior luta, da qual muitas vezes dá a vida por ela.

É exatamente nesse sentido a distinção entre liberdade humana (referente a toda a humanidade) e liberdade da pessoa humana (referente ao indivíduo).

QUANTO A HIERARQUIA E DISCIPLINA

Militares submetem-se a um regime estruturado nos princípios basilares da hierarquia e da disciplina. Faz-se necessário diferenciar ambas, utilizando o artigo 14 do Estatuto dos Militares (Lei n° 6.880, de 09 de dezembro de 1980):

Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.

  • 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antiguidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade.
  • 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.

 

Em 1910 os militares lutaram contra as penas corporais, evento conhecido como a Revolta da Chibata.

A Constituição de 1988 foi a primeira do Brasil a permitir que os praças pudessem exercer seu direito ao voto.

Os regulamentos das polícias e corpos de bombeiros na virada do milênio foram se atualizando e descaracterizando de seu bojo regras incompatíveis com os direitos individuais e com o próprio sistema democrático, como por exemplo, a necessidade de autorização para que o militar pudesse contrair matrimônio.

Esses exemplos já seriam o suficiente para a desconstrução da retórica da quebra da hierarquia e disciplina, mas fica mais evidente essa natural evolução do ordenamento ao apontarmos que a Lei não traz exatamente algo novo, pois seu intento já foi aplicado, total ou parcialmente.

O Estado de Minas Gerais em 2002, portanto há quase duas décadas, antecipou-se e aboliu do regime disciplinar aplicável aos policiais e bombeiros militares a pena privativa de liberdade para sancionamento de faltas disciplinares militares.

À época da edição do Código de Ética e Disciplina da Polícia Militar de Minas Gerais, muitos alardearam o caos na Instituição prevendo a quebra da hierarquia e disciplina sem as punições restritivas e privativas da liberdade. Erraram.

O Estado do Rio de Janeiro suprimiu as prisões disciplinares também em 2002, o decreto foi revogado pela governadora “Rosinha Garotinho”. A supressão retornou por determinação do Comandante Geral através de Boletim em 2009.

Em 2004 foi a vez da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, através de decreto.

A própria Polícia do Estado de São Paulo obteve considerável avanço em 2001 ao permitir a conversão do cumprimento da sanção de permanência em prestação de serviço extraordinário, no Regime Disciplinar em seu artigo 18.

QUANTO A QUEBRA DA DISCIPLINA E HIERÁRQUIA

Curioso que o temor de que a lei 13.967 abale a hierarquia e disciplina parte dos militares, normalmente os que possuem maior poder de aplicação das sanções.

Talvez a causa dessa precaução seja devido ao mal funcionamento das repartições públicas no Brasil devido a diversos fatores como sindicalizações, ideologias, corporativismo, nepotismo, etc, até o cidadão médio, que vê com bons olhos as instituições militares, acabou associando eficiência com organização militar.

A clareza das funções, a objetividade em cumprir a missão determinada, a hierarquia bem definida somada a rigidez disciplinar, facilita a operacionalidade, mas está longe de ser a solução para todos os males.

A militarização das escolas é um exemplo disso. Bons resultados de conduta e desempenho são as provas da eficiência, pelo menos aos olhos dos cidadãos. Mas há um erro de interpretação.

Não desmerecendo as instituições militares ou cívico-militares, ocorre o inverso. Os maus resultados das escolas públicas são fruto do descaso, desorganização, dificuldade em punir maus funcionários e maus alunos, políticas educacionais equivocadas, militância política, falta de estratégia e objetividade, resultado prático científico, entre tantos outros pontos.

Se a solução para o ensino fosse a militarização, outros países já teriam feito o mesmo, e os maiores resultados no mundo seriam os das escolas militares.

Sim, as escolas militares e cívico/militares são eficientes, mas não seria a solução educacional para todo um país, pois parte de sua eficiência se apoia na ineficiência do padrão público de ensino que deveria ser restruturado por completo.

Exemplo típico e muito citado é o Japão, que tendo as escolas civis, possuem uma rigidez maior do que as nossas militares e o senso de hierarquia é cultural em toda a sua sociedade. E não há a necessidade de Licença Especial Caçada, para isso.

Coisa semelhante ocorre em empresas de sucesso. Há rigidez disciplinar e hierarquia clara e definida, os óbices para maior controle muitas vezes é bloqueado por nossa CLT. Não há a necessidade de punição com cerceamento de liberdade.

Outro paralelo curioso que podemos fazer, referente a controle e eficiência, são os monitoramentos de acesso em edifícios, em que cada vez vemos maior controle. Para entrar é necessário a apresentação de R.G, e tirar uma foto digital imediatamente, há câmeras na entrada, no corredor e no elevador. O cidadão recebe um cartão, passa pela catraca eletrônica e deposita esse cartão na sua saída.

Poderia citar inúmeros exemplos de quartéis que não há o mínimo controle de entrada. Ou que podem ser facilmente burlados quando quem adentra faz cara de bravo, presta continência ou passa apressadamente vestindo terno e gravata, dando um breve “bom dia”.

Obviamente esses monitores de acesso dos edifícios não estão sob a égide de um regime de normas e condutas militares, mas sabem que o não cumprimento das normas estabelecidas pela empresa podem acarretar punição séria.

A hierarquia e disciplina não foi conquistada pelo temor de uma punição afeta ao cerceamento da liberdade. Toda a estrutura da Polícia Militar prima por esse sentimento. Fosse a motivação o medo, com certeza a instituição não teria resistido.

Além do mais, o ser humano é complexo, e há indivíduos que encaram a punição de maneira diferente.

Vedar as medidas punitivas privativas de liberdade não significa abraçar a impunidade, bem pelo contrário. Outros tipos de punições podem até mesmo serem encaradas como medidas mais rígidas e causar o mesmo ou mais alto temor, bem como atender os anseios da correção.

QUANTO AO CUSTO

Vale levar em consideração o custo que a Administração Pública arca com a decisão de manter um policial militar que cometeu uma infração disciplinar detido em um quartel.

Após a decisão, há uma série de documentação a ser providenciada, que irá envolver a subunidade do policial, a Seção de Justiça e Disciplina, a Seção de Logística, a Guarda do Quartel ou Serviço de Dia e o comandante da Unidade.

A Seção de Logística deverá providenciar alimentação (café, almoço e janta) bem como as condições para o alojamento. A guarda deverá fiscalizar o fiel cumprimento da detenção (ou qualquer outra nomenclatura) e manter a disciplina.

Observem o número de policiais envolvidos e as providências necessárias. Tudo isso gera um custo ao erário público.

QUEBRA DE PARADIGMA E A CULTURA DE FORMAÇÃO

A maior das críticas referentes a polícia que ouvimos propagadas pela mídia, é quanto ao treinamento do policial militar, que ele é mais preparado para a guerra e menos preparado para lidar com o cidadão.

Essa crítica é infundada, proferida geralmente por quem nunca entrou em um quartel, muito menos teve o interessa em saber sobre a grade curricular de um curso de formação, pois veria que existem diversas matérias e que a carga de Direitos Humanos, por exemplo, é muito além da média e se aprimora a cada ano.

Há também a questão política de transformar essa mentira em uma verdade e outros interesses, como já tentaram, obrigar que os cursos deformação tivessem 5% da carga horária destinada a Ongs que estariam encarregadas de ministrarem essas aulas.

Por outro lado, em relação ao assunto das penas disciplinares, realmente fica difícil fazer com que o policial não só entenda a complexidade como aceite de bom grado que deve primar pela Dignidade da Pessoa Humana, e demais princípios, enquanto ele, por pura questão funcional, vê-se severamente punido por faltas disciplinares, coisa às vezes complicada até para explicar aos familiares.

Entendo que durante a formação ainda é necessário, até mesmo para que o aluno dê o devido valor a liberdade e aprimore o senso de justiça. No entanto, após formado e apto a executar suas funções, qual o sentimento que esse soldado irá ter, quais as emoções irá absorver, ao constatar a realidade, em que o criminoso preso em flagrante delito sairá do Distrito Policial muitas vezes antes que o soldado termine seus relatórios? Ou até mesmo em casos mais graves, o criminoso sairá na Audiência de Custódia e devido a um atraso ou tantas outras questões menores, ele policial, terá sua liberdade cerceada.

Apesar de pertencer a uma instituição que se ergue sobre os pilares da hierarquia e disciplina, na qual jura cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado, respeitar os superiores hierárquicos, e tratar com atenção os irmãos de armas, e com bondade os subordinados; dedicar-se integralmente ao serviço da pátria, cuja honra, integridade, e instituições, defender com o sacrifício da própria vida, sua função é civil, como assim já definiu inúmeras vezes os Tribunais.

Bem expôs Eliezer Pereira Martins, doutor e mestre em direito pela UNESP e pela PUC, em seu artigo:

 

“A pena de prisão disciplinar militar (pouco importando a denominação que a designava: prisão, detenção, permanência disciplinar ou quejandos), jamais contribuiu para a adesão à disciplina das polícias ou dos corpos de bombeiros militares – em verdade era exaltada pelo maus policiais, porquanto anódina àqueles refratários aos valores da instituição; e objurgada pelos bons policiais militares uma vez que desproporcional, indigna e ofensiva aos brios de pessoas de bem.

Vai-se assim, sem deixar saudades, a lógica indisciplinada da “cadeia tirada, galho quebrado”. Doravante, os Códigos de Ética e Disciplina certamente prestigiarão novas modalidades punitivas efetivas – e afinadas com os valores do Estado de direito -, para a reeducação funcional dos policiais e bombeiros militares refratários à disciplina da instituição a que vinculados.”

POR FIM

Entendo veementemente que a lei 13.967 foi a evolução natural de um entendimento que já há quase duas décadas vinha se solidificando. Ainda assim, talvez devido ao momento conturbado em que o país vive, digladiando-se em inúmeras disputas políticas, fazendo com que todas as ações de iniciativa da União acabem por ser questionadas perante o judiciário e encontrando guarida.

Pesa o entendimento de que a União não teria competência para essa legislação, competência esta que seria apenas dos Estados, em consonância com o pacto federativo. Alguns também defendem que a lei fere o princípio da isonomia que deve reinar entre os policiais militares estaduais e os militares das forças armadas, estes continuariam expostos a ações de detenções e de prisões.

É fato que alguns Tribunais já decidiram pela inconstitucionalidade da referida Lei, como O Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul, em 9 de dezembro de 2020.

O governador da Bahia, Rui Costa (PT) também ajuizou no STF Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei.

Apesar das ações contrárias, a vinda do assunto à baila em nível Federal mostra a importância da atualização da questão, coisa que afeta diretamente a ação do policial perante a sociedade.   

A opinião do autor não necessariamente equivale a opinião da instituição a qual pertence.

Davidson Abreu

Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo / Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas / Professor do Estágio de Aperfeiçoamento Profissional da Polícia Militar / Autor do livro: Tolerância Zero – Faro Editorial, Avis Rara.

Colaborador da Revista Sociedade Militar

A Revista Sociedade Militar não necessariamente concorda ou discorda das opiniões expressas em artigos de colaboradores, a publicação visa enriquecer o debate e expor as diferentes visões em torno dos diversos temas tratados pela revista online
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