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Somos ou não somos racistas? – Resenha do livro “Não Somos racistas” de Ali Kamel – J.B. Reis

Não seria essa divisão entre “raças” um estratagema para armar um campo de batalha entre irmãos, que de outra maneira jamais se voltariam uns contra os outros? … Entre os 56,8 milhões de pobres, os negros são 7,1%, e não 65,8%. Os brancos, 34,2%, e os pardos, 58,7%. “Portanto, se a pobreza tem uma cor no Brasil, essa cor é parda.”

Um assunto que sempre tem estado em alta há alguns anos é o racismo. Acho interessante e acompanho o que surge aqui e ali sobre ele. É uma questão premente no mundo todo. As mídias ocidentais, o ambiente acadêmico e muitas pessoas públicas estão mais ou menos de acordo sobre o assunto. Sendo um país “multiétnico”, no Brasil o eixo do assunto está na discriminação dos brasileiros de pele escura, a raça negra.

 Pensei nos relacionamentos que tive ao longo da vida, desde a infância, passando por adolescência, juventude e idade adulta. Quantas pessoas de cor de pele diferente da minha eu encontrei, convivi, devotei amizade, amei ou não… Realmente não me recordo de ter olhado para nenhuma delas como inferior a mim por causa de sua cor. A diferença que vejo em quem é diferente convida-me antes a incorporar algo dele do que em princípio  segregá-lo. Adotei como princípio de vida, respeitar a quem enfrenta os mais fortes, reverenciar os que protegem os mais fracos e tentar imitar os dois tipos.

 Resolvi ler um pouco sobre o assunto particular do racismo neste País, tão colorido e ao mesmo tempo tão obscuro. Como não poderia, para escrever sobre isso, ler muito material, lancei mão de duas pequenas obras, que vi, no meu diletantismo de amador, como representativas de dois pólos em eterno confronto. Uma delas, de Ali Kamel – Não Somos racistas – será objeto de alguns comentários no texto abaixo. A outra ficará para um próximo texto.

Resenha do livro “Não Somos racistas”

 Apesar de modesto, tem menos de 150 páginas, o livro de Ali Kamel tem a densidade dos fatos. É um trabalho de pesquisador, de um curioso, mas também de um detetive competente. A princípio, não acredita no que falam sobre o racismo no Brasil, já que o que falam não casa com o que ele vê. Segundo ele, uma das maiores forças do Brasil é a sua característica de nação melting pot, ao contrário, por exemplo dos EUA, que é uma nação multicultural ou multiétnica. Neste caso as diferentes culturas, etnias, credos, raças coexistem, mas não convivem. Vivem justapostas, mas não aglutinadas. Estão sob determinada égide nacional, mas seguem separadas como uma casa construída sem argamassa. Pode-se desconstruir a residência tijolo por tijolo e a ideia de casa terá desaparecido após essa operação. Já no primeiro caso, no Brasil, é impossível desconstruir sem destruir, pois cada tijolo, cada parede, estão unidos como uma coisa só. O melting pot seria então, segundo o autor, aquilo que nos fazia sentir “(…) orgulhosos da nossa miscigenação, do nosso gradiente tão variado de cores(…)”. O que o livro se propõe investigar é que estaríamos sendo  “reduzidos a uma nação de brancos e negros. Pior: uma nação de brancos e negros onde os brancos oprimem os negros.

 

Ali Kamel, como gente que não leu ou leu sem entender pode ser levada a pensar, não descarta o racismo. Em nenhum momento ele afirma não haver manifestações abjetas de racismo no Brasil. O que ele faz, por exemplo, nas inevitáveis comparações com os EUA (esperadas, já que os dois países são coevos) é afirmar o óbvio, isto é, que o racismo ianque é muito mais acintoso e manifesto do que por aqui, que seria um racismo “envergonhado”.

No capítulo inicial “Gênese da nação bicolor” um nome se repete, Fernando Henrique Cardoso. No início de sua trajetória como sociólogo plantou a semente do “racismo a qualquer custo”, que depois foi transplantada nos governos do Presidente FHC e se tornaram frondosas jabuticabeiras nos governos Lula e Dilma. Com perícia clínica o livro  mostra como  o jovem intelectual FHC “passa a bola” para o ladino político FHC e os dois “fundamentam” o mito de que as agruras do negro no Brasil são preponderantemente filhas do racismo e não só da pobreza. O truque é exposto com clareza. A pobreza não é uma chaga. O racismo é. Que se combata o racismo, não a pobreza, pois isso seria erguer a maioria pobre a melhores condições socioeconômicas e fatalmente, mais cedo ou mais tarde, perder… eleitores, eleitores facilmente manipuláveis. Uma classe, brancos, contra a outra, negros. Laboratório marxista na prática!?

O pretenso cientificismo ideologizado que ergue o punho e aponta, babando e vociferando a palavra “raça” também é examinado. O autor traz opiniões e estudos de especialistas (médicos geneticistas) sobre o assunto. Conquanto longa, vale a pena uma citação:

“O geneticista Sérgio Pena já mostrou isso num estudo brilhante. Usando os marcadores moleculares de origem geográfica, ele analisou o patrimônio genético de cidadãos negros da cidade mineira de Queixadinha e descobriu que 27% deles tinham uma ancestralidade predominantemente não-africana, isso é, maior do que 50%. Considerando-se os brancos de todo o Brasil, descobriu-se que 87% deles têm ao menos 10% de ancestralidade africana. Nos EUA, esse número cai para apenas 11%. Ou seja, no Brasil, há brancos com ancestralidade preponderante africana e negros com ancestralidade preponderante européia. Somos, graças a Deus, uma mistura total.”

E arremata com uma obviedade, daquelas do tipo atual, como ter de explicar que o céu é azul: “Raça, até aqui, foi sempre uma construção cultural e ideológica para que uns dominem outros.”

Disse que o livro é pródigo em números. A parte que mais me intrigou foi o capítulo “Sumiram com os pardos”. É recorrente entre ativistas do “movimento negro” (que não passa de uma articulação político-partidária, só instrumentalmente preocupada com os negros) a frase “lacradora” “a pobreza no brasil tem cor, e ela é negra”. Dizem muito “o Brasil tem a maior população negra depois da Nigéria”. Mas essa interpretação (distorção) é falaciosa, já que soma pardos e pretos e os classifica como “negros”. Segundo Kamel, os brancos são, de fato, 51,4% da população. A grande omissão diz respeito aos pardos: eles são 42% dos brasileiros. Entre os 56,8 milhões de pobres, os negros são 7,1%, e não 65,8%. Os brancos, 34,2%, e os pardos, 58,7%. “Portanto, se a pobreza tem uma cor no Brasil, essa cor é parda.”

Para citar só um dos muitos efeitos deletérios de políticas públicas embasadas em dados falseados e interpretações enviesadas, as práticas de cotas e ações afirmativas se baseiam na certeza estatística de que os negros são 65,8% dos pobres, quando, de fato, eles são apenas 7,1%. Na hora de entrar na universidade ou no serviço público, os negros terão vantagens. Os pardos, não. Do ponto de vista republicano, isso é grave.

Tocante e saboroso, o capítulo “Educação, a única solução” revive um pouco das experiências do autor, quando aos 11 anos, começou a estudar no Colégio Santa Rosa de Lima, no Rio de Janeiro. Nessa parte, ele apresenta números reveladores sobre a educação no Brasil e no mundo. E mais uma vez, a manipulação e o engano são a tônica das estatísticas. A panaceia do autor para a questão do racismo é o óbvio de sempre: investimento maciço em educação. Brancos, pardos e negros pobres precisam para ontem de uma escola séria, não a draga que engole inutilmente nossos impostos. A política imoral e criminosa dos últimos governos nos colocou num beco sem saída na questão do racismo. Qual candidato a algum cargo na República proporá o fim das cotas raciais ou sociais? O “mercado de votos” será implacável com ele.

O último capítulo faz uma advertência muito séria, quando afirma que o multietnicismo tão em voga no mundo ocidental hoje em dia não é, ao contrário do que alguns pensam, um marco civlizatório, “algo chique”, como escreve Kamel. Ele diz que

“(…) nações multiétnicas estão num degrau abaixo em termos de ideal civilizatório: no topo, nações misturadas, em que cor e “raça” são noções de um passado bárbaro; no meio, nações multiétnicas, em que a discriminação é odiosa, mas onde a mistura é evitada como “antinatural”; e no degrau mais baixo, as nações que se orgulham de sua pureza racial, seja ela qual for.”

Eu levaria um pouco mais longe essa constatação. Não seria essa divisão entre “raças” um estratagema para armar um campo de batalha entre irmãos, que de outra maneira jamais se voltariam uns contra os outros? Vemos o que ocorre nos EUA na questão racial. Praticamente um barril de pólvora sempre prestes a explodir. Por aqui, vez ou outra, a mídia de massa (sempre ela) dá nó em pingo d’água para erguer bem alto a bandeira vermelha do racismo a qualquer custo, mesmo sacrificando a inteligência de quem paga pelas notícias. Não somos uma nação bicolor, não somos multiétnicos. Somos miscigenados, somos um só povo. O povo brasileiro. Um povo imperfeito, como qualquer outro. Mas como todos os povos,  a caminho da redenção e com uma missão particular a cumprir. Isso precisa ser resgatado. Precisa ser trazido à tona. Não pode ser esquecido. Num Brasil em que judeus, palestinos e árabes conseguem conviver em paz, negros, brancos e pardos terão perdido essa arte? Duvido.

JBReis

O livro pode ser comprado no site: https://www.alikamel.com.br/livros/nao_somos_racistas.php

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