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O Grande moinho de vento – Texto de colaborador

Observando com os olhos da razão as últimas agitações na mídia e nas redes, poderíamos ser levados a pensar que o Brasil está numa espécie de conflagração ideológica. O Presidente da República, do alto de sua moral de filho do centrão, declarou guerra às urnas eletrônicas. As batalhas, por enquanto, têm lugar no mundo das ideias e no universo da infosfera, mas esperamos de coração que isso se desmanche no ar, pois as piores guerras são as guerras santas, as que têm um motivo “justo”, e  ‒ na moda de hoje ‒ aquelas feitas “em nome da democracia”. Mas, toda guerra tem algum lucro para quem a provoca, e quase nenhum para os idiotas úteis que pegam em armas.

O novo moinho de vento de Bolsonaro se chama “voto impresso”. Já houve vários: kit gay, cloroquina, ameaça comunista, armamentismo. Todas podem ser pautas populares legítimas, mas ele as sequestrou e fez delas seu pobre “capital” político. Sem dúvida que o cidadão comum, caso queira, deveria ter direito a auditar um ato seu que interfira na sua própria vida. Mas, esta é uma pauta tão legitimamente bolsonarista quanto a estratosfera é exclusividade dos tucanos. Novamente ressaltamos aqui o estofo moral do Presidente, ao detectar que ele não se rebelou contra o “sistema” em 2018, mas esperou ser eleito pela mesma urna que agora ataca, e tão logo sua governança destrambelhou, tirou essa “carta” da manga. Isso é administração ou bingo de quermesse?… Voto de papelzinho deveria ser a última coisa na lista de prioridades de um governo em apuros, e ainda mais de um povo combalido moralmente e arrasado materialmente pela peste chinesa. Já são milhões de desempregados, muitas empresas dando as costas ao País, e nós declaramos guerra ao império da razão, insurgindo-nos contra a cortina de fumaça bolsonarista da urna eletrônica.

Qual é o graal dessa jihad política? Um pedacinho de papel ordinário, que vai atestar para todos os fins (insondáveis, por sinal) a qual cangaceiro de gravata delegaremos o poder de nos tapear pelos próximos quatro anos. A primeira dúvida que nos vêm à cachola é quão “democrática” é a nossa democracia, a ponto de nos preocuparmos tanto com um pedaço de papel… Ela é tão democrática quanto é democrático o voto obrigatório? A nossa democracia é fruto de um golpe (antidemocrático) dado por um general cabrão, que abominava o povo como quem prefere cheiro de cavalo. Nossa democracia é a mesma que exilou o último filho ilustre, único imperador dessa terra ingrata, ao qual sobejava cultura e amor pelo País (coisa inexistente em quase todos os seus sucessores). Brigamos no Twitter ou nos fantasiamos pelas ruas aos gritos em defesa dessa democracia que, desde o ninho de onde foi parida, sempre foi uma oligarquia, sempre foi uma farsa costurada por jagunços de algibeira, ora café com leite, ora leite com café. Uma democracia que pouco tem de demos, mas muito tem de daemon.

 O Estado democrático pode ser tão invasivo e violento quanto qualquer outro, e como não temos uma sociedade alternativa, a democracia carece de válvulas de escape. Uma delas é o accountability, isto é, a capacidade de prestar contas. Quanto mais transparente aos olhos do povo, mais democrática é a democracia. Mas não se assanhe o leitor, essa transparência é fosca e o vidro está sujo. Queremos o papelzinho exatamente porque somos cidadãos de papel, filhos bastardos de um país de papel. Também porque não temos memória, porque não temos raízes profundas, porque nossa nação não foi resultado de uma fundação sólida, e vivemos repetidamente ‒ já fizemos isso antes ‒ sendo arrastados feito zumbis para a dimensão perigosa do culto à personalidade. E que personalidade…

Terminamos com o pé esquerdo. A culpa não é exclusivamente do Bolsonaro, é do PT também. Sejamos sinceros, nunca este país foi bem governado, mas depois que o proletariado petista subiu a rampa do Planalto e decidiu pegar a chave do cofre, a coisa degringolou de vez. De lá para cá, conduzir os destinos políticos da nação tornou-se mais do que tudo um espetáculo. Já não é necessário pão e circo, a fúria é suficiente, o pão a gente vê depois. Bolsonaro está seguindo a política do “quanto pior melhor” e do “quero ver o circo pegar fogo”, não só por que ele faz disso a sua yoga. Essa bêbada dança do sabre é a segunda temporada de um continuum esquerdista. Lula e sua trupe (des)governou pela cleptocracia. Bolsonaro governa (ou o que quer que seja isso que ele está fazendo), como fez Nero, pela  ignocracia.

Ao descobrirem as atrocidades de governos ditatoriais, uma das primeiras perguntas que as pessoas fazem é: “como o povo pôde permitir e ainda colaborar com elas?” Mas não se pode voltar no tempo, e mesmo as testemunhas oculares têm seus pontos cegos… As ditaduras consentidas são um primeiro passo para os regimes de exceção, e elas começam não por absurdos etnocêntricos ou apostasias escandalosas. Começam com pautas democráticas, palavras vazias, mas doces aos nossos ouvidos famintos. Quem pode ser contra Deus e armas? Quem pode ser contra família e pátria!? Afinal, quem pode ser contra o voto impresso!? E, por fim, quem não reza pela cartilha tresloucada do “mito” está contra nós? Bons tempos em que o Brasil era um país bem humorado que não se levava a sério e o candidato mais bem votado era o macaco Tião…

JB Reis

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