Forças Armadas

Militares! Ações na Justiça, denúncias contra generais e contato estreito de graduados com políticos de oposição geram desconforto na cúpula das Forças Armadas

Politizados, suboficiais e sargentos geram desconforto em cúpula militar, mudam legislação, estrutura do Ministério da Defesa e já são tema de livros

Quem observou a tramitação do Projeto de Lei 1645 de 2019, um dos primeiros projetos apresentados pelo governo Bolsonaro, talvez não tenha percebido todas as implicações desse processo sobre a estrutura militar.

Logo nos primeiros atos do processo legislativo, o relator do projeto de lei, o deputado Vinícius de Carvalho, alegre, sem conseguir esconder o orgulho, da tribuna da casa anunciou: Fui escolhido pelas próprias Forças Armadas para relatar esse projeto, pelas três forças. Poucos dias depois o parlamentar, ciente de uma acusação de ter aberto a guarda para o Executivo intervir ilegalmente no legislativo, recuou abruptamente e “desdisse” o que disse, declarando então que quem o escolheu para a relatoria teria sido o deputado Priante.

Esse foi apenas um dos primeiros percalços enfrentados pela equipe escolhida pelo governo para aprovar a nova lei de remuneração dos militares das Forças Armadas, apresentada às pressas, como condição exigida pelo Congresso Nacional para apreciação da Reforma da Previdência geral.

O deputado Vinícius de Carvalho e muito menos os generais do Ministério da Defesa imaginavam, mas o processo legislativo em torno daquele projeto de lei seria um dos maiores desafios a ser enfrentado pelos setores de inteligência, comunicação social e operações psicológicas das Forças Armadas. Não porque lutariam contra um exército de outra nação, mas porque, impondo reajustes maiores para a cúpula do que para a base e criando descontos significativos sobre as pensionistas, esposas de militares que já faleceram, as instituições militares ganharam um inimigo inesperado, um inimigo interno, membros do baixo escalão das forças armadas, subtenentes e sargentos – conhecidos como graduados ou praças – o que os obrigou a colocar setores enormes das instituições para enfrentar um pequeno grupo de sargentos e suboficiais e trabalhar intensamente a favor de um processo legislativo que todos no Ministério da Defesa esperavam que fosse de tramitação simples e rápida.

Muitos observaram que o processo legislativo estaria se tornando uma disputa desigual na medida em que as forças usavam um aparato de guerra, uma estrutura com milhares de pessoas e equipamentos modernos, criada para enfrentar um inimigo externo, para trabalhar a favor de uma demanda política que interessava à cúpula.

Sem recursos financeiros, sem o aparato gigantesco das Forças Armadas e perseguidos passo a passo por oficiais baseados em estruturas instaladas dentro da própria Câmara dos Deputados, as assessorias militares, os Suboficiais e sargentos ainda assim em certos momentos quase viraram o jogo a seu favor, a ponto das Forças Armadas, em ações até hoje contestadas, terem distribuído notas advertindo que seria proibido para militares, mesmo na reserva, participar de manifestações de cunho político.

As notas foram consideradas ilegais por muitos militares, haja vista que a legislação brasileira permite que militares da reserva participem de manifestações de cunho político. Como exemplo disso citam as convocações do Clube Militar para que associados participem de atos pró-governo.

Alguns dos graduados que participaram das audiências públicas ocorridas na Câmara e Senado contestando as propostas apresentadas pelos generais do Ministério da Defesa, até hoje – dois anos após – sofrem com processos disciplinares e as associações de militares que participaram do processo como convidadas de senadores têm sido chamadas para dar explicações sobre o ocorrido, debaixo de acusações de sindicalismo militar, algo que sequer se configura como crime previsto na legislação vigente.

Fica claro que a aproximação das camadas médias das Forças Armadas com a política gera desconforto na cúpula das instituições. A impressão que se tem, e isso não é de hoje, é de que a cúpula das Forças Armadas quer manter o monopólio das relações com o poder por interesse particular.

Vários oficiais generais assumiram recentemente cargos de natureza política estando ainda no serviço ativo, cita-se Pazuello e Eduardo Ramos e todos recebem salários que extrapolam em muito o Teto Constitucional, que vale para o cidadão comum, mas que para eles passou a não existir no governo Bolsonaro

Para ilustrar o que foi acima colocado, abaixo um trecho de entrevista concedida pelo jurista B. Lima Sobrinho

“ … não há como entender, ou justificar, que generais possam ter direito a manifestações políticas e que o mesmo direito seja negado aos suboficiais, de modo a que sejam presos aqueles que pretenderam seguir os exemplos de seus superiores hierárquicos  (…) Se a tropa se convence de que, no plano político, os superiores gozam de um direito que é recusado aos sargentos, a conseqüência será … a formação de um sentimento de animosidade, de um conflito que, por não se manifestar de imediato, não será menos perigoso, como uma força latente de desagregação (…)” (B. LIMA SOBRINHO, in O Semanário, 23 a 39-5-1963, p.5)

Recentemente a Revista Sociedade Militar obteve acesso a documentos confidenciais que mostram que tanto militares graduados como parlamentares que os apoiaram em suas reivindicações de mudança no projeto da reestruturação foram monitorados de perto pelos setores de inteligência das Forças Armadas.

Vários graduados contam que – de fato – enquanto caminhavam pelos corredores do Congresso Nacional para tentar convencer parlamentares a propor mudanças no PL1645/2019, membros da inteligência das Forças Armadas os acompanhavam de perto, acreditavam que estavam anotando quais eram os gabinetes visitados para que depois as assessorias das Forças Armadas enviassem oficiais para apresentar aos deputados a versão do Ministério da Defesa.

De acordo com a impressão das redes sociais, tendência de opinião após falas de parlamentares ou artigos publicados em sites e redes sociais, tudo apurado pelas ferramentas de monitoramento do Exército, as Forças Armadas traçavam estratégias, discursos e ações no sentido de facilitar a aprovação do projeto de lei do seu interesse.

Durante a tramitação do projeto de reestruturação das carreiras o Exército chegou a promover um passeio na Amazônia com vários parlamentares e almoços com parlamentares de oposição.

Apesar de todo o empenho, o projeto de lei do governo foi aprovado sem sequer passar pelo Plenário da Câmara dos Deputados, numa comissão, com gritos de Bolsonaro Traidor ao fundo. No Senado passou após a promessa de uma reparação de erros, que nunca foi cumprida pelo governo.

A única vitória dos militares graduados foi terem conseguido cortar do projeto de lei uma gratificação de 10% sobre o salário base. Essa vantagem seria concedida somente para a “elite militar”, seria recebida somente pelos oficiais generais, da ativa e na reserva, a título de “representação das forças armadas”.

Muito recentemente “pipocaram” na justiça várias denúncias em ações civis públicas movidas contra oficiais generais, incluindo o próprio comandante do Exército Brasileiro. Feitas por advogados ligados a sargentos, a coisa tem gerado grande desconforto na força terrestre.

O que parece é que os chamados “estamentos inferiores” estão aprendendo aos poucos a trilhar os caminhos democráticos existentes no país.

Mudanças advindas da movimentação

Bem recente uma mudança no código penal militar, incluída no projeto de lei Nº 9.432, apesar de já existir uma lei que trata sobre isso, deixa bem claro que militares não podem ser impedidos de contestar ato do governo. Outra mudança sensível atribuída à movimentação dos graduados em 2019 é a criação do setor de comunicação social do Ministério da Defesa. A coisa foi criada na correria logo após a realização de manifestações de graduados das FA na Esplanada dos Ministérios em outubro de 2020 ainda para contestar as injustiças da lei 13.954.

A movimentação dos militares graduados em 2019 – apesar de pouco compreendida – de fato é considerada um momento histórico, foi perseguida de perto pela grande mídia e especialistas no assunto a ponto de hoje figurar em vários livros e dezenas de artigos científicos publicados nos últimos anos.

Alguns livros que mencionam a polêmica reestruturação das carreiras dos militares das Forças Armadas e a re – politização das camadas médias das instituições

O livro Militares e militância, uma relação dialeticamente conflituosa, publicado pela UNESP e de autoria do sociólogo Paulo Ribeiro da Cunha, muito bem articulado, fala – entre outras coisas – sobre a influencia política das ideologias nas Forças Armadas Brasileiras.

O Autor menciona a movimentação política dos graduados no Congresso Nacional em 2019 em busca de justiça na lei de remuneração então discutida nas casas legislativas.

Estado, democracia e sociedade, desafios contemporâneos. Publicado pela editora Initia Via, em capítulo assinado por Guilherme Queiroz Alvares, fala sobre a atuação de associações de graduados das Forças Armadas e os desafios para uma consolidação da posição.

Os militares e o governo Jair Bolsonaro, Entre o anticomunismo e a busca pelo protagonismo. Publicado pela Zazie e de autoria de Adriano de Freixo, o livro que fala da “bolsonarização” das instituições militares menciona a insatisfação dos graduados das Forças Armadas com o projeto da reestruturação das carreiras, que acabou beneficiando a cúpula. (Disponível em pdf: https://zazie.com.br/wp-content/uploads/2021/05/DEFREIXO-6.pdf)

Ordem desunida: militares e política no governo Bolsonaro. Da Fundação Perseu Abramo e de autoria de João Roberto Martins Filho, narra conflitos do governo Bolsonaro envolvendo os militares, fala sobre a reclamação dos graduados no que diz respeito às mudanças impostas pela reestruturação. Também cita artigos da Revista Sociedade Militar. O capítulo pode ser lido online: https://revperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/320/262

Robson Augusto / Revista Sociedade Militar

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