Forças Armadas

A FERIDA AINDA SANGRA! Democracia e participação de associações de graduados no processo legislativo – Texto de Fabrício Dias

Título original: LEI 13.954/19 – A FERIDA AINDA SANGRA

“Se a acusação que paira sobre essas associações, se deve à participação nas discussões de caráter político no Congresso Nacional, referentes ao PL 1645/19, devemos, então rasgar a Constituição … ao Clube Militar… gerido e representado por Oficiais-Generais, jamais foi imputada qualquer acusação de cometimento de crime militar, mesmo havendo, por diversas ocasiões, se manifestado politicamente a respeito dos assuntos de seu interesse … “

Ao longo de todo o ano de 2019, estudamos e debatemos o PL 1645/19. Logo de imediato, fizemos diversos e importantes apontamentos daquilo que, educadamente, denominamos de “incongruências” contidas naquele documento.

Seguindo preceitos constitucionais, o Congresso Nacional – primeiro a Câmara dos Deputados, depois o Senado Federal – promoveu, através de suas comissões, diversas discussões sobre o assunto. Aliás, é para isso que servem as Comissões do Congresso Nacional, para que os assuntos de notada relevância sejam discutidos com a sociedade e, mais especificamente, com as classes diretamente atingidas pelos projetos de lei apresentados.

E foi assim que, dentro de todos os preceitos constitucionais e no exercício pleno da DEMOCRACIA, que nós graduados – praças das Forças Armadas – fomos CONVIDADOS a participar das diversas sessões promovidas por essas diversas comissões. E foi assim que, de forma firme, porém, respeitosa e educada, que comparecemos diante dessas comissões para honrarmos nossos pares e defendermos aquilo que acreditávamos (e ainda acreditamos) ser o certo, e que todos saibam, o fizemos com a dignidade daqueles que prezam a justiça e a perfeição de seus atos.

Todavia, apesar de todos os nossos argumentos e esforços, o tal projeto de lei, elaborado e defendido com unhas e dentes pelo Ministério da Defesa, após o logro de um compromisso assumido por membros do governo federal com aqueles que seriam sumariamente prejudicados pela lei que adviria daquele ato, o projeto foi aprovado e a Lei 13.954/19 foi, no apagar das luzes daquele ano de 2019, sancionada pelo Presidente da República.

Durante o decorrer de 2020, com tristeza (mas não com surpresa) vimos a escancarada falta de interesse dos representantes do governo federal em cumprir com o “acordo” por eles mesmos proposto.

Chegaram até, em setembro daquele ano, a nos convidar para uma reunião dentro do Palácio do Planalto para que o assunto do acordo fosse discutido, porém, mais uma vez, num ato ímpar de desprezo e humilhação por toda a classe de graduados, fomos impedidos, pelo próprio anfitrião, de participarmos daquela reunião e de entrarmos naquela casa, cujas despesas de manutenção são por todos nós supridas.

Naquele momento restou evidente que o governo não tinha (e não tem) qualquer intenção de mudar aquilo que já está aprovado. Ficou claro e evidente, o logro das promessas feitas aos militares Inativos e do Quadro Especial, Pensionistas, Dependentes e todos os demais que foram sumariamente “esquecidos” pela Lei 13.954/19.

Rapidamente, o assunto foi “esquecido” pelo governo, mas não o foi pelos maculados pela lei. Nas redes sociais o assunto é diariamente discutido, lamentado e cobrado. Ao longo de todo o território nacional, entenderam os afetados que foram traídos por aqueles que deveriam deles cuidar, e que, de fato, não possuem, em âmbito federal, representação oficial dentro dos Poderes Legislativo e Executivo.

Ainda em 2019, escrevi e publiquei uma longa crônica a respeito do assunto, que continha o seguinte parágrafo: “Lutamos muito para garantir que um Presidente, honesto e livre de escusas amarras, chegasse ao poder, e confiamos que esse nosso representante ainda se manifeste a favor da tropa que o elegeu”, infelizmente, fato é que até esse nosso representante não se importou com o ocorrido, e também nada fez para a alteração do “status quo” que trouxe benefícios àqueles que lhe são mais próximos e que integram os mais altos cargos da estratificação hierárquica, em detrimento daqueles pertencentes aos (por eles mesmos denominados) ”baixos estamentos” e que, em nenhuma instância, fazem parte de seu governo.

Os problemas e injustiças proporcionadas por essa malfadada lei, ainda se fazem ressoar por entre os membros da família militar e, como se por si não bastassem, entendeu o Governo Federal que deveria acionar a Advocacia-Geral da União – AGU, para encaminhar à Procuradoria-Geral de Justiça Militar, notícia de eventual cometimento de crimes militares por parte de associações de militares, imputando a estas a acusação de “constituição e atuação indevida de atividade sindical ou associativa representativa de militares com suposto desenvolvimento de atividades típicas de sindicato”. Tal procedimento contém, ainda, solicitação de abertura de Inquérito Policial Militar – IPM, por parte do Ministério Público Militar, que cita, nominalmente, as seguintes associações instituídas no estado de São Paulo: a Associação dos Militares Inativos de Guaratinguetá e Adjacências – AMIGA, a Associação dos Militares das Forças Armadas – AMFAESP e o Instituto Brasileiro de Análise de Legislações Militares – IBALM.

Segundo a Procuradoria-Geral de Justiça Militar, são alvo da investigação um total de sete associações, localizadas no Distrito Federal e nos estados de São Paulo, Pará, Bahia e Rio de Janeiro.

Sem explicitar a ocorrência (fato) em que, em tese, teriam essas associações cometido algum tipo crime, algumas delas já foram convocadas para sessões de IPM.

Se a acusação que paira sobre essas associações, se deve à participação nas discussões de caráter político no Congresso Nacional, referentes ao PL 1645/19, devemos, então rasgar a Constituição Federal, que garante a qualquer cidadão o direito de livre manifestação e defesa de seus direitos. Importante ainda ressaltar que as Comissões instituídas pelo Congresso Nacional, como já citei anteriormente, existem exatamente para que sejam discutidos com a sociedade envolvida, os assuntos de seus interesses, de forma a se aprimorar os textos das propostas das legislações ali estudadas. Todavia, parecem ser os graduados e militares inativos, considerados cidadãos de uma categoria inferior, situada num “limbo” existencial, desprovidos de pensamento próprio e cerceados dos seus mais elementares e constitucionais direitos de manifestação.

Importante ressaltar que JAMAIS nos manifestamos como sindicalistas! Jamais fomos a qualquer ambiente para discutir ou pleitear aumentos salariais (e isso está gravado, filmado e inserido nos anais das sessões especiais do Congresso Nacional). Participamos, como cidadãos e CONVIDADOS, legitima e legalmente amparados, de discussões acerca de assuntos que diretamente nos afetavam e sobre o qual temos absoluto conhecimento.

Nunca conclamamos quaisquer movimentos relativos a greve ou desabono às nossas instituições militares. Apenas defendemos, como cidadãos, a isonomia de tratamento e justiça social entre todos os militares de todas as Forças.

Infelizmente, a abertura de IPM contra as citadas associações denota um tratamento autoritário e que tem, pelo menos em tese, o intuito de fazer calar aqueles que ousaram, legitimamente, buscar a defesa de seus direitos.

Gostaria de aqui ressaltar o papel da Advocacia Geral da União: nos termos do art. 131 da Constituição, “a Advocacia-Geral da União (AGU) é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Cabe ainda ao Advogado-Geral da União, dentre outras atribuições, assessorar direta, imediata e pessoalmente o Presidente da República”.

Ou seja, a AGU trabalha na defesa e no interesse da União e a ela cabe o assessoramento ao Poder Executivo e ao Presidente da República.

Diante desse entendimento, tudo nos leva a deduzir de onde partiu a ordem para a imputação de eventuais crimes às associações militares.

Contudo, ainda na esfera das discussões ocorridas dentro do Congresso Nacional a respeito do PL 1645/19, é importante ressaltar que diversas associações de Policiais Militares dos diversos estados do país, lá se fizeram representar por MILITARES FARDADOS e, muitos deles (segundo confirmado pelos próprios) ali se fizeram presentes recebendo diárias! Entretanto, não se houve identificar nenhuma abertura de IPM referente a atuação dessas associações que, aliás, possuem forte representatividade dentro do próprio Congresso Nacional. É mister ressaltar que TODOS os militares das Forças Armadas, que se fizeram presentes dentro do Congresso Nacional nessa mesma discussão, estavam lá por recursos próprios e já se encontravam inativos, ou seja, na Reserva ou Reformados, portanto, devidamente amparados pela lei 7.524/86, que em seu Art, 1º explicita o quanto segue: Respeitados os limites estabelecidos na lei civil, é facultado ao militar inativo, independentemente das disposições constantes dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, opinar livremente sobre assunto político, e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria pertinente ao interesse público.

Também vejamos que ao Clube Militar, sediado no Rio de Janeiro, notadamente gerido e representado por Oficiais-Generais, jamais foi imputada qualquer acusação de cometimento de crime militar, mesmo havendo, por diversas ocasiões, se manifestado politicamente a respeito dos assuntos de seu interesse.

E isso me faz lembrar de uma crônica publicada no site do “Portal Militar”, de autoria do Jornalista, Cientista Social e Militar da Reserva, Robson Augusto, onde ele cita parte de um importante texto do advogado, historiador e escritor membro da Academia Brasileira de Letras, JOSÉ BARBOSA LIMA SOBRINHO, que, diz: “… não há como entender, ou justificar, que generais possam ter direito a manifestações políticas e que o mesmo direito seja negado aos suboficiais, de modo a que sejam presos aqueles que pretenderam seguir os exemplos de seus superiores hierárquicos (…) Se a tropa se convence de que, no plano político, os superiores gozam de um direito que é recusado aos sargentos, a consequência será … a formação de um sentimento de animosidade, de um conflito que, por não se manifestar de imediato, não será menos perigoso, como uma força latente de desagregação (…)” (BARBOSA L. SOBRINHO, in O Semanário, 23 a 39-5-1963, p.5).

É inacreditável que, num país onde todos (do lixeiro ao engenheiro, do índio ao branco) independentemente de suas preferências sexuais ou religiosas, têm o direito de se manifestar; nós, militares inativos, graduados em sua grande maioria, somos levados a uma condição de subcidadania.

Vejo tudo isso com extrema temeridade, pois, como citei anteriormente, “Lutamos muito para garantir que um Presidente, honesto e livre de escusas amarras, chegasse ao poder…”, mas, infelizmente, as ações de seu governo rumam no sentido contrário das promessas de campanha e dos anseios daqueles que nele acreditaram. E isso me entristece, pois fiz parte do exército de seguidores que muito lutou para que esse governo se instalasse e levasse justiça social não apenas para sua base eleitoral, mas para todos desse país que por ela anseiam.

Entristeço-me também, por verificar que apesar de todo o nosso legítimo empenho contra as mazelas proporcionadas pela Lei 13.954/2019, nosso esforço foi desprezado por aqueles que tinham a obrigação de nos defender e apoiar.

Entendo que desse evento sai a Família Militar vilipendiada em seus anseios e ferida em seus direitos.

Por tudo que vi e assisti dentro desse contexto, me entristeço e lamento, pois restou explícito e evidente que a FERIDA aberta em 2019 AINDA SANGRA…

Fabrício Dias Junior é graduado em Gestão Pública pela Universidade Metodista de São Paulo; Vereador no Município da Estância Turística de Guaratinguetá (2º mandato) e Militar Reformado da FAB.

Publicado na Revista Sociedade Militar

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