O JORNALEIRO
Todos os dias o menino passava com uma ruma de jornais em frente a um quartel que ficava no centro de Belém, na Praça da República.
Ali parava para apanhar algumas mangas e descansar do peso dos jornais.
Ficava chupando mangas sentado no chão embaixo de uma mangueira. Nem das belas estátuas se dava conta.
Aquele garoto despertou a curiosidade de um militar. E por curiosidade, quase sempre o militar atravessava a rua e ficava a conversar com o jornaleiro que mal conseguia falar, tal a maneira como comia as mangas.
O garoto era o tipo amazônico com ascendência indígena sem nenhuma miscigenação. Já o militar, um nordestino típico.
Aos poucos o militar ficou sabendo que o menino estudava e morava num bairro da periferia onde os alagamentos eram constantes. A casa era de madeira, ao invés de uma rua, tábuas servindo de ponte no alagado onde tinham feito o casebre.
Isto lembrava ao militar uma casinha de palha..
Naquele dia observou muitos jornais e resolveu perguntar quantos o menino vendera naquela manhã que prometia ser chuvosa.
Sem levantar os olhos, sem nada falar, o jornaleiro fez o V da vitória.
Com a chuva que ameaçava cair, muito certamente não venderia mais nenhum jornal naquele dia.
– Você quer vender todos estes jornais bem ligeirinho?
O jornaleiro de um pulo levantou-se e balançou a cabeça.
– Faça o seguinte. Limpe as mãos, pegue os jornais e vá para a esquina. De lá venha gritando AUMENTO DOS MILITARES, AUMENTO DOS MILITARES.
Quando o menino saiu para a esquina o militar atravessou a rua e ficou no portão de entrada do quartel.
Logo começou a ouvir o grito do jornaleiro anunciando o aumento dos militares.
Olhou para um colega e perguntou se ele tinha escutado o jornaleiro anunciar a manchete do jornal.
Um outro militar que estava próximo disse que ouviu e que falava em AUMENTO DOS MILITARES
Antes que o jornaleiro passasse em frente ao portão já havia vários militares com o dinheiro na mão.
E foi um vapt-vup. Faltou jornal para tantos compradores.
Quando o último jornal foi vendido o menino perguntou o que faria agora.
– Vá embora, ligeiro, não olhe para trás e passe um tempão sem andar por aqui.
Não sabia porque estava agora a se lembrar desta passagem da sua vida.
Lembrava e ria da cara dos colegas procurando a notícia que não existia.
Resolveu ir ao banheiro do C-47 que os americanos, após a guerra, tinham doado ao Brasil. E na passagem para o banheiro viu entre os passageiros, universitários que estavam no projeto Rondon, um rosto que lhe pareceu familiar.
Na volta encarou aquele estudante que também o olhava com simpatia e um sorriso bem aberto.
– Gostou de ter vendido todos os jornais?
– Foi a mais rápida venda de jornais que fiz.
– Qual curso está fazendo?
– Medicina.
Em Brasília, Geisel era o Presidente da República e nas universidades meninos inteligentes, através do estudo, faziam cursos que mudariam completamente as suas vidas e a dos seus familiares.
Uma enorme alegria dominou por completo aquele piloto.
E um grande abraço aconteceu. Lágrimas rolaram nas faces e nos corações daqueles dois homens.
E ainda existe quem diga que a felicidade não existe.
Inácio Augusto de Almeida.
Texto recebido do autor. Publicado na Revista Sociedade Militar
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