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O Pior cego – Réplica ao artigo “Temos que DERROTAR GRAMSCI E FRANKFURT”

O Pior cego

 O texto que se segue é uma réplica ao artigo “Temos que DERROTAR GRAMSCI E FRANKFURT”, de autoria do Sr. Davidson Abreu, capitão da PM de SP, e publicado na Revista Sociedade Militar

 “O homem medíocre discute pessoas. O homem comum discute fatos.

O homem sábio discute ideias.”

(Provérbio chinês)

 Davidson Abreu – A direita, no plano geral, não conhece nem a si mesmo, muito menos aos seus inimigos. Apesar de ser de conhecimento que a população brasileira possui maioria conservadora, sem contar liberais e outras vertentes de direita, o povo em geral, com diversas preocupações, geralmente são de direita, possui valores conservadores, mas não sabe disso.

JB Reis – Há uma sabedoria entranhada na psique do brasileiro que protegia com cláusula pétrea três temas espinhosos, a respeito dos quais não se falava, sob pena de se incorrer em desafetos: política, futebol e religião. Pode ser que isso seja um eco da repressão política do tempo da ditadura. Pode ser por causa da miscigenação étnica dos brasileiros, que lentamente abrandou ódios e os transmutou em tolerância. Depois da redemocratização, o futebol permaneceu um feliz tabu, mas, primeiro a religião e há alguns anos, a política, passaram a ser “pensadas” a golpes de martelo, como diria Nietzsche.

O maior valor conservador é a liberdade, sendo a liberdade religiosa uma das manifestações mais representativas desse corolário. Neste particular da religião, por exemplo, é temerário pretender que se possa levianamente vincular qualquer tipo de instância pública a esta ou àquela vertente religiosa, e ignorar outras tantas. Por isso o Estado brasileiro é laico. Não porque seja um Moloch ateísta, mas porque seria inviável, antirrepublicano e excludente, associar este ou aquele “deus” ao poder público, sendo a nossa nacionalidade um caldo cultural em constante fervura.

Este governo, autoproclamado o farol do conservadorismo, quando – com nítidas intenções eleitoreiras – borra a fronteira secular entre Estado e religião, principia a destruir essa isenção que levou tantos séculos para se institucionalizar.

Ao contrário do que o autor afirma (que “o povo possui valores conservadores, mas não sabe”), o povo brasileiro sabe que é conservador, o povo sabe que “o conservadorismo valoriza a diversidade típica do individualismo”. Mais do que sabe, o povo vive esses valores, mas na sua simplicidade apenas ignora rotulações acadêmicas. Tanto sabe que evita ao máximo discutir religião mesmo privadamente – que dirá publicamente. Quem demonstra não saber (isto é, não praticar) esses valores é o governo atual que, num flagrante desrespeito à tradição popular, mistura o que sabiamente sempre esteve separado.

DA – Hoje, com as redes sociais, isso mudou bastante, contudo, não era raro ver pessoas nitidamente de direita, votarem em candidatos de esquerda devido ao carisma ou ao discurso bonito sem contraponto. Outra dificuldade era a ausência da direita no debate político, e quando muito algum picareta sem ideologia nenhuma se colocava em posição mais a direita, como o Collor e o Maluf, por exemplo.

 JB – É verdade que a descentralização e a atual velocidade de distribuição da informação fizeram o que séculos de enciclopédias pouco conseguiram, e apesar de haver perda na profundidade, o alcance é enorme. Mas, não parece robusto o argumento de que as pessoas votavam em tal e tal candidato exclusivamente por “carisma” ou “discurso”. O Brasil é muito complexo e seu sistema eleitoral, que resiste tenazmente a qualquer reforma mais profunda, é muito relevante para ficar de fora dessa equação simplificada “eleitor >> candidato”. As simplificações escondem mais do que aparentemente pretendem mostrar.

DA – Enquanto isso, a esquerda sempre foi mais organizada e politizada. Não estamos falando na população humilde seduzida por discursos populistas e trabalhistas, mas sim nas bases mais altas chegando às universidades até aos organizadores intelectuais.

 JB – O texto reflete uma preocupação em salientar a falta de uma “cartilha” da direita, como se fosse um catecismo a ser ensinado pelos luminares, a elite cultural incipiente, aos incultos da plebe. Note-se que é feito um afago no Zé povão, a quem o autor chama de “humilde”, com “preocupações” (como se alguém não as tivesse!) que o impediriam de se entupir de nominalismos tão inúteis quanto imprestáveis, para depois sair arrotando filosofias de twitter e, logo em seguida, votar no candidato da família “de bem”.

DA – Entre a estratégia da esquerda está a sua maior fraqueza – a censura. Enquanto filósofos como Olavo de Carvalho incentivavam seus seguidores a lerem autores comunistas, a esquerda omite autores de direita. Nas livrarias até um passado recente eram raras as obras, nas universidades não se falavam neles e o debate era nulo.

 JB – Defende o autor uma liberalidade, segundo ele, apenas existente no ramo direitista da política e da cultura, e mais do que depressa, ensaca todos os autores, que não seriam conservadores, no balaio do comunismo, nivelando por baixo (e aparentemente solucionando) a questão. Como se comunismo fosse alguma fonte cultural, e não uma ideologia política. Cita que até pouco tempo eram raras as obras de autores conservadores – provavelmente se refere aos livros mais conhecidos de Olavo de Carvalho, que, de fato, foram publicados em meados dos anos 1990, e se tornaram “best sellers” há alguns anos. Mas, ao contrário da fantasmagórica “censura” comunista brasileira, o sucesso atual dessa literatura, encabeçada pelo falecido escritor,  deveu-se simplesmente à repaginação dessas obras feita pelo jornalista Carlos Andreazza, que durante os oito anos em que esteve à frente da Editora Record foi responsável por uma “guinada à direita” da Casa. Olavo se tornou “best seller” e hoje Andreazza tenta se descolar do “filósofo” desbocado. Essa mesma editora já publicou no passado Paulo Freire, Albert Camus, Pablo Neruda e outros “comunistas”. Eis aí a mão invisível (mas nem tanto) do mercado a criar e a derrubar mitos, conforme a conveniência financeira da vez…

Levemente planando, desconectando-se da realidade, o autor insinua que – admitindo a sua premissa de que os governos que se sucederam desde José Sarney até Dilma Rousseff, todos, absolutamente todos (segundo a mencionada “estratégia das tesouras”) eram esquerdopatas, comunistas, globalistas – houve censura ao debate público. Não houve nenhum tipo de censura estatal! O que não houve foi procura. A esse vácuo responderam as editoras nacionais. Os movimentos intelectuais seguem ciclos. A primeira metade do século vinte foi terreno fértil para os autores conservadores. Houve uma baixa. A onda agora voltou a subir. É tudo simplesmente uma questão mercadológica. Nada além disso. Não há uma entidade demoníaca escondendo os livros de direita no porão das gráficas…

DA – As instituições públicas e privadas estão aparelhadas. Jornais, revistas, emissoras de TV, streaming, Hollywood, universidades, estão há muito contaminadas.

JB – “Aparelhamento” provavelmente designa a infiltração de um ideário político ou cultural nas engrenagens da máquina governamental. O nome insinua artificialismo e intencionalidade, como se, havendo claros na Administração Pública (que só podem ser os cargos de provimento via concurso ou nomeação), uma classe profissional ou ideológica em uníssono e lentamente (assim é uma infiltração!) se reunisse (provavelmente de maneira secreta em algum porão escuro!) e combinasse que todos, após declinarem de suas preferências pessoais, questões familiares  e profissionais, prestariam concursos e tomariam posse de sua respectiva cadeirinha giratória na repartição governamental para conduzir a política pública para o lado que o partidão indicasse. Quem é ou já trabalhou na Administração Pública sabe muito bem que, excetuando-se o topo da pirâmide estatal, o servidor público módico sempre pugna pela imparcialidade e impessoalidade – e inclusive pode ser punido se transgredir esses itens.

O que começou a acontecer a partir de 2019 e segue a todo vapor é justamente o aparelhamento mais desavergonhado já testemunhado pela sociedade brasileira, que, talvez por ser tão descarado e abrupto, chama tanto a atenção de todos. Os tentáculos daquilo que alguns chamam de Partido Militar, mas que preferimos apelidar de “Regência de Chumbo” (inclusive por colocar o “antipresidente” no seu devido lugar), após cravar raízes em cada mínima fissura do poder Executivo, agora se esgueira pelos partidos políticos, tentando ocupar também o Poder Legislativo, além de já estar mais recentemente “cobrindo e alinhando” o Tribunal Superior Eleitoral. Que curioso e sempre útil é o brocardo “acuse-os do que você faz”…

DA – A mentalidade do desencarceramento, do criminoso vítima da sociedade, da crítica ao direito penal, da deturpação dos Direitos Humanos, transformou nosso país em um campo de batalha e eles não param.

 JB – Como ocorre na cultura, a vida não avança em linha reta, mas em espiral cíclica. Depois de vinte e um anos de violência estatal, guerrilhas, violação institucionalizada de direitos humanos, sufocamento da imprensa e desestruturação da função social do Estado, sem falar da economia nacional destruída, o movimento esperado seria mesmo que a Constituição de 1988 pendesse para o lado do socialismo como forma de tentar reequilibrar o tempo perdido com a “experiência” militar. O mero oscilar desse pêndulo pode ser uma causa do caos que vivemos na segurança pública, etc. Os governos pós-ditadura foram cúmplices, lenientes, omissos? Sim. Em geral, esses são carne e ossos dos governos. Mas, o Brasil não foi descoberto em 1988. Há que se retroagir e apontar o dedo a quem pôs uma pedra no caminho dessa Nação em 1964. É preciso avançar, mas sem jogar a sujeira para debaixo do tapete.

DA – Outro erro estratégico fatal para a esquerda foi seu ódio contra os militares, e em nosso caso inclui as polícias militares. Ao chegarem ao poder, fizeram de tudo para desmoralização das forças militares e policiais.

JB – Por fim, ao trazer o foco do texto para a seara pessoal, o autor, que é militar, demoniza os políticos que estão no pólo ideológico oposto ao seu. Infelizmente não aponta indícios do tal ódio esquerdista contra os militares. Não se digna a apresentar provas, documentos, reportagens, não vê necessidade de demonstrar a realidade que imagina pelas lentes do seu viés de confirmação. Pelo contrário, os fatos documentados, extensivamente noticiados para qualquer leigo que queira se aprofundar no assunto, apontam justamente para o sentido contrário ao afirmado por ele. A singela verdade é que foi exatamente durante os governos de esquerda que as Forças Armadas [fiquemos no âmbito federal] foram mais respeitadas, tiveram os maiores índices de confiabilidade e admiração por parte da sociedade civil, e receberam investimentos robustos para sua modernização. Os militares não eram ricos, mas havia uma dignidade silenciosa, que só a consciência tranquila do cumprimento do estrito dever legal traz. A relação governo/militares era talvez mais respeitosa justamente por causa da ausência de familiaridade entre os políticos e a classe armada. Tratavam-se como “cavalheiros”, que não se dão as costas, mas que ao mesmo tempo logram manter uma relativa paz.

A desmoralização começou justamente a partir de 2019, quando a ausência de familiaridade se transformou em pura promiscuidade. Usando indevida e ilegalmente a imagem e a ótima reputação conquistada pelas Forças Armadas, sob os governos petistas, o atual antipresidente e seus generais transformaram uma instituição sólida em um puxadinho envidraçado de uma convenção partidária. Diariamente declarações de militares políticos tresandam a revanchismos, incitação à subversão da ordem constitucional, discursos laudatórios da ditadura militar, e assim por diante.

A desmoralização real (e por que não o ódio contra as categorias de base da caserna) materializou-se principalmente na reestruturação da carreira militar por meio da Lei nº 13.954/2019, que fez o que nenhum governo de esquerda até então sequer sonhou  fazer. Extinção abrupta e sem transição da paridade histórica entre ativa e reserva. Bitributação covarde e criminosa das  pensionistas. Tratamento remuneratório diferenciado para militares de mesmo posto/graduação e idêntica formação. Provavelmente o insigne autor não compartilhe desse ponto de vista, do ponto de vista de quem olha de baixo para cima. Mas, é debaixo que a maior parte dos militares (quase 80%) olha para este governo atual e vê que está em curso um movimento de corrosão da classe militar. Se isso é parte de um projeto maior, que venha a incluir as parcelas menos favorecidas da sociedade brasileira, só o tempo dirá. Mas, uma coisa é certa, os verdadeiros inimigos da maior parte dos brasileiros, principalmente os militares cumpridores de leis e regulamentos, não são Antonio Gramsci nem Theodor Adorno.

JB Reis

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Sociedade Militar