O voo do Cisne Negro / Uma entrevista com o editor da Revista Sociedade Militar
Autor: JB. Reis /
“Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.” (Friedrich W. Nietzsche)
Normalmente os jornalistas é que entrevistam. São eles que manejam a arte irritante, mas quase cirúrgica, de colocar as pessoas em “saia justa”, e a partir daí provocar discussões importantes, trazendo para o público algo que de outra forma jamais seria exposto. Não sou jornalista, portanto, não tenho a perícia requerida para transformar uma rodada de perguntas e respostas em uma “Entrevista”. Mas, como há respostas que precisam de perguntas, pensei em perguntar ao perguntador.
A entrevista que se segue com o jornalista, cientista social e militar da reserva Robson Augusto, antes de ser um mero pingue-pongue verbal, não deixa também de ser uma homenagem sincera que reputo muito necessária.
Uma pessoa minimamente conhecedora do passado recente da história do Brasil sabe que não vivemos tempos normais. Mais de seis mil militares estão dentro do governo federal. À exceção de uma ou outra voz no deserto, geralmente indivíduos, a esmagadora maioria da imprensa nacional parece não ver nada demais nisso, e insiste na teoria vencida de que ditadura só se faz com tanque na rua.
A RSM (Revista Sociedade Militar) talvez seja o único veículo jornalístico que destoa dessa platitude orgânica. Chamada de mídia comunista por muitos militares e também de bolsonarista por outros, o site e sua linha editorial seguem sendo o que a imprensa não poderia nunca deixar de ser, a saber, imparcial, e não um pravda digital agitador de torcidas.
JB Reis
https://linktr.ee/veteranistao
- Você poderia contar um pouco da história da Revista Sociedade Militar?
Resposta – Nascemos em 2011 com a publicação do livro “Militares pela cidadania”, uma monografia que acabou transformada em um pequeno livro. A intenção era vender livros, mas a coisa acabou crescendo muito. Ninguém falava do pessoal militar, das questões mais importantes que afetam a tropa. Fomos ficando, e a cada ano os acessos aumentando.
Antes, e é a primeira vez que revelo isso para o público em geral, lá pelo ano de 2004 tivemos um site muito legal, desafiador, inovador para a época. Para dar a dica de que era mantido por gente da Marinha do Brasil, chamamos de Cisne Negro, o nome pelo qual era conhecido João Cândido, e ao mesmo tempo um gracejo com o hino da Marinha, o Cisne Branco.
Eu e um grupo de amigos, dois na verdade, que palpitavam e discutiam comigo a pauta, denunciávamos abusos cometidos pelas instituições. Naquele tempo quem possuía um pouco de conhecimento de internet e redes em geral tinha como se manter anônimo e não havia muitos meios de se ser rastreado pelas conexões discadas.
Recebíamos dezenas de denúncias e elas ficavam nos campos de comentários para todo mundo ver. A coisa fazia o maior sucesso e obviamente irritava as cúpulas armadas. Amigos da inteligência, em conversa informal, sem saber que éramos nós os donos do “monstro”, justamente pela minha familiaridade com o que na época chamávamos de informática, creio, contaram que havia uma caçada em busca daqueles “marginais” que mantinham o site e decidimos largar, porque estava ficando meio perigoso. A intenção era lançar um projeto melhor estruturado depois. Creio que a Revista Sociedade Militar (RSM) talvez tenha um pouco daquilo tudo, aquele ineditismo, uma imprensa incômoda, o aprofundamento em questões antes vistas como tabus, mas que hoje são discutidas já com naturalidade. O único vestígio que resta desse site é uma citação em uma tese de mestrado. Vou te enviar o “print” (imagem abaixo).
- Há muitos outros veículos de imprensa dedicados a assuntos militares. Qual o diferencial da RSM? O que basicamente a destaca dos demais?
Resposta – Sim, existem várias páginas dedicadas a assuntos militares. Todavia, a maior parte delas trata mais profundamente sobre equipamentos e segurança pública. Após 2014, o cinquentenário da revolução de 1964, muita gente começou a falar de militares e muitos que passaram um ano ou pouco mais do que isso servindo o exército, fosse como recruta ou como oficial temporário, passaram a se autodenominar como VETERANOS, invocando também para si a designação de especialistas em assuntos militares, disparando besteiras mil em blogs e sites recém criados.
Foram inúmeras as falácias que desmentimos na RSM, desde a construção de bases russas e chinesas na Amazônia à possibilidade de bombardeios sobre Brasília feitos por caças venezuelanos… imagine só, um bombardeio feito por caças! …sediados a mais de 3 mil quilômetros do alvo!!! Alguns blogs foram criados recentemente como consequência da Lei nº 13.954/19, mas a maior parte acabou desaparecendo também rapidamente. Alguns pela natural falta de tempo, outros pela falta de recursos para investir nesse tipo de comunicação e outros, pelo que vi, porque eram tendenciosos, tentaram se aproveitar do momento tentando emplacar sua visão de mundo, ao invés de apurar e publicar fatos reais e relevantes relacionados aos militares.
- O diferencial da Revista Sociedade Militar
Resposta
1) A RSM tem o foco principal em assuntos relacionados ao pessoal militar. Consideramos que o ser humano é a arma mais preciosa das Forças Armadas e que tudo tem que girar em torno dele;
2) Tentar fazer tudo com a maior excelência possível. Nosso público merece os melhores textos, melhores autores, melhores vídeos, melhor design e informação mais aprofundada possível;
3) Temos poucos, mas ótimos colaboradores e um conselho editorial formado por 5 pessoas, gente muito antenada e com base jurídica e política. O material mais polêmico não é publicado sem passar por esse pessoal. Quase todos os dias recebemos textos, sugestões, vídeos. Só publicamos aquilo que tem muita qualidade e é relevante para nosso público, normalmente 3 ou 4 artigos por dia.
O que basicamente destaca a RSM dos demais veículos de imprensa?
Resposta – Enquanto outros sites que ensaiam trabalhar em nosso nicho tem algumas dezenas de visitas diárias, no máximo algumas centenas, nós normalmente temos milhares de leitores diários. Isso se deve ao que foi colocado acima, excelência, verdade, qualidade e respeito pelo leitor.
- Você consegue estabelecer uma estimativa de quanto é o público da RSM?
Resposta – Sei exatamente o tamanho do público da Revista Sociedade Militar que lê o conteúdo no site. Quanto às replicações em redes sociais e feitas por blogs e outros sites que copiam e repetem nosso material, não temos como mensurar, mas sei que são muitas. As vezes recebemos ligações de pessoas de muito longe e até de outros países questionando sobre texto nosso publicado em outros sites e blogs.
O plágio as vezes é irritante, mas decidimos não mais nos preocupar com isso, gostaria apenas que citasse-nos como fonte. Há também várias citações em livros, teses, monografias, isso é muito legal!
A grande mídia as vezes vem “pescar” por aqui. Correio Braziliense, Época… Há algumas semanas a FOLHA ligou, viram um artigo sobre Silva e Luna, publicaram por lá citando a gente. Depois eu soube que generais ligaram para o escritório do jornal dizendo que a Revista Sociedade Militar não é gerenciada por militares. Vi isso no Twitter da Folha também… um brigadeiro reclamando por lá… outro disse que nós somos uma “célula de contrainteligência”. Só posso rir disso tudo. Querem o monopólio do discurso… até na internet!
Na contagem feita pelo Google Analitycs desde 2013 já somamos mais de 47 milhões de visualizações de artigos. Só em 2021 somamos 6.634.228 visualizações de artigos.
- A RSM é conhecida por muitos militares de postos inferiores na hierarquia militar como uma voz para a categoria. Quanto disso corresponde à verdade?
Resposta – É preciso deixar claro – como tratamos de assuntos ligados ao pessoal militar – que evidentemente as questões relacionadas às pessoas mais na base são maioria, é questão matemática, de proporção. Mas, temos textos versando sobre injustiças que ocorrem contra praças e oficiais. Não cremos que seja sadio incentivar a polarização. Queremos – de fato – escrever principalmente para a categoria militares e família militar como um todo e acho que conseguimos fazer isso.
- A RSM se envolveu num caso em que a Marinha do Brasil tentou “avançar o sinal” e quebrar o direito constitucional à privacidade da fonte jornalística. Você poderia fazer um resumo dessa história?
Resposta – Publicamos um artigo que narra uma entrevista com um militar que acabara de sair de uma audiência pública onde os graduados haviam sido derrotados em suas pretensões. No texto publicado, escrevemos que em um discurso emocionado um suboficial declarou que os generais não representavam a tropa e que o pessoal iria se reagrupar para tentar dar uma reviravolta na situação.
A Marinha resolveu apurar se o militar citado teria praticado algum crime ou contravenção, e a princípio tentaram identificar o editor da RSM para atestar a veracidade da coisa. Naquele momento o oficial encarregado não me pareceu saber que o editor era (e é) um militar da reserva. Fui intimado para depor e, no primeiro depoimento, fui perguntado se poderia confirmar a declaração do suboficial – que por sua vez, resolveu negar a coisa, por estratégia de seu advogado. Respondi que não confirmaria nada. Perguntaram se eu teria gravação da entrevista. Disse que não daria essa informação, e perguntaram mais algumas coisas, nem lembro mais. Em resumo, eu disse que não falaria nada e não daria nenhuma informação que não passasse de meu nome e coisas relacionadas a meu trabalho que não implicassem em revelar dados sobre fontes, consultores etc.
Chamaram-me novamente para uma acareação. Claramente tentavam me intimidar, ver se eu ficaria constrangido ao ver que o suboficial entrevistado negaria na minha frente que eu havia apenas transcrito o que nos falou – em resumo, dizendo que era uma reportagem mentirosa. Na minha frente, seguindo a estratégia que seu advogado criou, ele disse que não falou nada, que não deu nenhuma entrevista. Quando me perguntaram, eu permaneci indiferente à situação… e estava mesmo. A negativa do militar – creio – era sua estratégia de “sobrevivência”, entendo e respeito isso. Portanto, repeti que não daria nenhum tipo de informação que pudesse ajudar a identificar uma fonte. Não neguei nem confirmei absolutamente nada.
O café estava bom, mas a sala era um pouco pequena, quatro advogados amigos e familiarizados com questões militares e criminais resolveram me ajudar e participaram das inquirições. Era notório o constrangimento de todos os participantes, principalmente as praças do setor.
A Marinha tentou virar o jogo contra mim fazendo parecer indisciplina da minha parte, que em qualquer situação eu era militar e estaria sujeito ao cumprimento de ordens. Ingressei com um habeas corpus, ganhamos, a Marinha recorreu e em todas as instâncias vencemos. Se insistissem mais, eu iniciaria uma “medida protetiva” contra o almirante que comanda o Distrito Naval, mas resolveram parar.
- Você atribui a ousadia (porque num estado democrático é algo bastante ousado!) da Força Naval ao fato de o responsável pela RSM ser um suboficial? Você acha que se fosse outro o veículo jornalístico, a MB não teria sido tão “corajosa”?
Resposta – Bem, a princípio não tive certeza de que sabiam que era um suboficial o editor da Revista Sociedade Militar. Portanto, creio que só queriam confirmar se o entrevistado deu mesmo a entrevista, obter alguma gravação etc., e puni-lo pela ousadia que teria tido ao criticar generais, que para alguns são uma casta de semi-deuses. Mas, quando souberam quem eu era, mudaram de estratégia, e tentaram me enquadrar de outra forma, achando – presumo – que eu ficaria intimidado, com receio de ser punido, o que obviamente jamais fariam com um jornalista que não seja militar da reserva.
- Como tem reagido o Ministério da Defesa à atuação da RSM? A exemplo do que aconteceu com a MB, alguma vez a RSM se viu de fato cerceada em sua liberdade de Imprensa?
Resposta – Soube que o ministro Braga Netto andou irritado porque foi confrontado por deputados depois que descobrimos os relatórios de monitoramento sobre parlamentares e imprensa. Isso os deixou intrigados e sobressaltados, porque até hoje não revelamos e nunca revelaremos como publicações confidenciais envolvendo seções de inteligência e comunicação social chegam até nós.
Eu pago minhas próprias contas. Eu trabalhei e as Forças Armadas me pagaram, não me devem e eu não devo nada a elas.
Portanto, o Ministério da Defesa não tem qualquer autoridade sobre a nossa revista online. Para mim um general e um cabo são a mesmíssima coisa como militares, merecem o mesmo respeito, e como escrevemos sobre gente, a opinião do cabo talvez seja para nós mais importante e embasada que a do general.
Vez por outra tentam sonegar informações, mas às vezes vencemos usando os canais competentes… E sei que o IP da Revista Sociedade Militar é bloqueado em alguns quartéis, devem considerar-nos “subversivos”.
Amigos da ativa contam que os comandos estão sim incomodados com a RSM. Vejo isso com naturalidade, sempre quiseram ter a exclusividade no que diz respeito à veiculação de informações realmente embasadas sobre as Forças Armadas. Mas, ultrapassamos até essa barreira. Divulgamos as informações e com frequência – o que talvez irrite mais – problematizamos as situações com a ajuda de gente de dentro, bem informada. As cúpulas pouco ouvem a voz das bases sem os “filtros” aplicados pela burocracia e hierarquia. Todavia, entretanto… vivemos outros tempos e agora basta um comandante de força acessar um grupo da sua turma para ver ali informações relevantes sob o prisma da tropa. Isso é muito bom, extremamente salutar! O comando precisa saber exatamente o que está acontecendo.
A FAB já ligou algumas vezes pedindo para mudar um ou outro texto que pelo seu prisma faria a sociedade ter uma visão equivocada sobre alguma coisa. Quando concordamos, mudamos; quando não, fica como está. Repito, as Forças Armadas não têm autoridade sobre a RSM.
O Exército também ligou, quando divulguei um fato que, na visão do comando da Força, atrapalharia uma ação a ser empreendida aqui no Rio de Janeiro, na época da intervenção. Mudamos rapidamente, concordei com eles… e era um texto produzido por um coronel da ativa! Como ligaram quase instantaneamente após a publicação, julgo que tenham uma equipe ou pelo menos uma pessoa em cada comando nos monitorando de perto.
Já recebi contato também de oficiais superiores na ativa, de determinada Força Armada. O grupo queria fazer uma informação chegar ao comandante da Força e estava sendo impedido pelo Estado Maior. Como a Revista Sociedade Militar – segundo disseram – está obrigatoriamente incluída na sinopse entregue para o comandante todas as manhãs, um artigo sobre o tema resolveria o problema deles.
- Bolsonaro mexeu com muita coisa na sociedade brasileira. Os militares foram os primeiros afetados por suas canetadas. Você poderia fazer um paralelo entre a RSM antes e depois de Bolsonaro? Os anos de 2019 e 2020 foram os mais promissores para a RSM?
Resposta – A gente vem mantendo um crescimento discreto, mas contínuo. Ano após ano o número de acessos aumentou. De fato, certamente por conta do clima político tensionado, em 2019 foram cerca de 30% a mais de acessos (chegamos a 10 milhões naquele ano!). Depois, retornamos ao número normal, cerca de 7 milhões. Mas, não diria “ano mais promissor” e sim mais movimentado, quando inclusive perdemos muitos leitores civis e militares que têm em Bolsonaro uma espécie de ídolo e que – confundindo um pouco as coisas – não admitem notícias que contenham críticas ou informações negativas sobre as Forças Armadas, ainda que sejam verdadeiras.
- Sabe-se que os militares federais carecem de representatividade real no Congresso. A lista de ex-militares que se elegeram e se esqueceram que foram da classe é considerável. Como você vê o movimento incipiente de alguns militares que pretendem formar um partido político?
Resposta – Eu acho que o movimento é louvável em seus objetivos, mas se permanecer como está, creio que não alcançará êxito. No Brasil, em política, é necessário muito desprendimento, dedicação e dinheiro. E os militares das Forças Armadas não têm o costume de investir no seu próprio futuro. São raros aqueles que o fazem.
A criação de um partido exige mais que vontade. Penso que a chamada tem que ser ampliada, a família militar federal é muito pequena. A parte politizada é menor ainda. Caso se englobassem aí as polícias, bombeiros e guardas municipais, haveria um número expressivo em todos os estados… Salvo engano, uma associação aqui no Rio está fazendo isso, tentando unir essas categorias. Mas, de fato, nunca parei para pensar sobre essa proposta.
A maior parte da interação dos militares hoje se dá por meio do Whatsapp. Temos amigos em praticamente todos os grupos envolvendo militares e – usando um aplicativo específico para isso – baixamos a listagem de todos os números de telefone de militares que participam de grupos no Telegram e Whatsapp. O somatório dos números, salvo engano, não lembro bem, não chega a 3 mil pessoas e é gente de todo o Brasil. Esse número pode parecer grande para um grupo de amigos, mas é algo insignificante em relação a política. As informações, portanto, estão circulando por um grupo pequeno e fica só a aparência de que se está indo longe. São dezenas de grupos, mas formados pelas mesmas pessoas. É preciso aplicar uma estratégia de marketing, ampliar o alcance, costurar mensagens padronizadas, investir com regularidade para que cheguem mais longe e se transformem em adesões.
Para você ter uma ideia da mente militar no quesito investir em si mesmo como categoria política, tivemos 6.7 milhões de visitas no ano passado (2021). A RSM não cobra pelos acessos ao conteúdo, aos artigos – alguns sites de notícias fazem isso – apenas pedimos doações para a manutenção, há muito tempo. Repito o número, 6.7 milhões, mas hoje não temos nem 40 doadores e a doação é de menos de 5 reais mensais. Cinco (reais) é muito pouco! Não dá nem mesmo para uma passagem de ônibus em alguns locais.
É preciso entender mais a imprensa como PODER… Não um poder para aqueles que são donos do site, do jornal, mas um poder para a categoria envolvida. Um mau comandante, um mau juiz ou outra autoridade, por vezes deixa de cometer um crime, deixa de prejudicar seus subordinados não porque são bons, mas porque têm a sombra da denúncia e publicação em um site que pode levar a informação a milhares de pessoas, o que fará com que seja sancionado.
Quando resolvemos pedir doações, que chamamos de assinatura colaborativa, a intenção, além de investir em um servidor potente, era chegar a 10 mil reais por mês e deixar um repórter permanente em Brasília questionando deputados, Ministro da Defesa, senadores e correndo para cima da notícia sobre militares, o que certamente provoca mudanças, processos, pedidos para parlamentares… Com 40 doadores já criamos situações bem… legais! Imagine só se tivéssemos 2 mil!
Depois que começamos a explorar o caso das medalhas, por exemplo, vários jornais grandes nos ligaram e depois também questionaram as Forças Armadas. O Exército deixou de colocar ao lado do nome dos agraciados – no Diário Oficial – o seu cargo político, e há um advogado preparando um projeto de lei que obriga a descrição do que de fato o político fez para ser condecorado, o que evita – pelo menos em tese – a concessão de uma medalha apenas para “compra de apoio político”.
Depois que começamos a falar do uniforme antiquado para cabos e marinheiros, a Marinha mudou a farda, agora eles usam a mesma farda que oficiais e sargentos. Depois que começamos a falar do rancho das praças, comandantes foram chamados para explicar como estão gastando o dinheiro que recebem para alimentação da tropa. São questões simples, mas importantes e tudo isso se soma em nosso quotidiano, nossa vida é feita de detalhes e todos eles importam para o bem estar físico e mental. Há inúmeros exemplos de mudanças que ocorrem simplesmente porque as coisas vêm à luz.
Deixar as coisas escondidas nunca foi bom para ninguém, é no escuro que ocorrem os piores crimes.
- A RSM participaria de eventos de praças, fazendo cobertura jornalística e publicando artigos a respeito dos eventos, divulgando datas e locais?
Resposta – Já fazemos isso, na medida em que não estejamos sendo usados para alguém fazer crescer seu capital político ou ganhar dinheiro. Mas, há casos complicados: o cara cria uma associação com 10 ou 15 membros, faz um evento com o intuito de emplacar seus candidatos, faz alianças com quem quer e nos chama para divulgar seus discursos e dizer para todo o mundo militar que ali estão os representantes dos militares.
Eu não embarco em qualquer coisa. Já sugeriram que criássemos um evento anual pra discutir as nossas questões e criar uma pauta para apresentar à classe política. Nossa reputação e responsabilidade são grandes e se não for possível fazer com excelência é melhor não fazer. Não somos um blog com 10 ou 20 acessos diários. Neste exato momento, nesse instante, um dia normal, sem grandes notícias, pelo menos 120 pessoas estão com nosso site aberto lendo algum artigo. Daqui a um minuto e meio serão outras 120 pessoas… e com frequência temos mais de 1.5 mil acessos simultâneos.
- A RSM aceitaria publicar artigos pagos e produzidos por terceiros?
Resposta – Publicamos eventualmente artigos pagos, sempre com qualidade e dentro de nossa linha editorial. A manutenção de um sistema capaz de prover milhões de acessos não é barata, o pagamento é muito bem-vindo.
Publicamos artigos de “terceiros”, mas eles têm que ser de interesse da categoria e possuir a qualidade que exigimos. Muitos artigos disfarçados de notícia, mas com claro interesse de promover uma ou outra pessoa, chegam ao nosso e-mail, são avaliados e vetados.
- Até onde é possível observar, é nítido que você goza de confiança entre o público militar. Sendo este o principal capital inicial de um aspirante à carreira política, você já pensou em se candidatar?
Resposta – Muitas pessoas falam nisso. Recentemente militares do Exército me ligaram, queriam saber se podiam me apoiar para deputado. Outros grupos já entraram em contato. Fico agradecido, sinto-me lisonjeado, mas não tenho condições de embarcar nessa empreitada.
A primeira coisa que seria obrigado a fazer é largar a editoria da revista.
Mas, há outros motivos, considero que para ser eleito como deputado federal no Rio de Janeiro, onde a família militar definitivamente não vota em militar, é preciso um investimento de pelo menos 150 mil reais em uma estratégia de marketing bem elaborada, sem isso a candidatura não passa de um ensaio. Não há pulverização de votos em vários candidatos militares no Rio, como se diz por aí, não concordo com essa tese, na verdade – apesar de sermos 280 mil famílias militares – não há voto. O somatório dos votos em militares nas últimas eleições não chegou a 11 mil. Mas, não vou falar muito disso por aqui.
Poucos grandes veículos de imprensa publicaram em 2019 algo sobre os militares sem antes ligar para gente – pelo simples fato de não entenderem nada sobre o tema – cito Época, Correio Braziliense, Gazeta do Brasil, Fórum, Revista Piauí… E muitos líderes receberam ligações de jornalistas por indicação nossa.
Como candidato, como disse, não poderia continuar meu trabalho por aqui na RSM, onde falamos a verdade para quem quiser ouvir. Todos os dias, sem exceção, recebo xingamentos de alguém que não gostou de uma informação recebida.
Quando, com um dia de antecedência, publicamos que o PT estaria reunido com o Ministério da Defesa no dia da audiência sobre o PL 1645 no Senado, recebi xingamentos de comunista. Várias pessoas me ligaram, acusando de mentira e tentativa de sabotar o governo. No dia seguinte, na hora da reunião, o senador Paulo Paim disse que de fato estava ocorrendo um almoço…
Apenas noticiamos a verdade… ninguém liga pedindo desculpas.
Quando publiquei que o General Ministro Ramos estava sendo pressionado por parlamentares para resolver a questão da Lei 13.954, e que haveria uma reunião com graduados e políticos, o General Fernando Azevedo ficou uma fera com a gente e com o General Ramos… recebi aqui pressão de gente do General Ramos, Ministro Secretário de Governo, para mudar o texto… não mudamos. Depois soube que ele mencionou a RSM como criadora de caso, e que tentou jogar a Família Militar contra a gente.
Aliás, xingamentos, tentativas de criar intrigas e outras coisas desagradáveis surgem todos os dias. O cara tem um blog que recebe 50 acessos por dia, se ele criar um embate com a Revista Sociedade Militar e conseguir que o editor, no caso eu, “entre no ringue”, pode atrair bastante atenção para o seu “trabalho”. Ele nem sabe, mas criar caso com alguém já prestigiado em algum nicho está entre as técnicas ensinadas para pessoas que querem chamar a atenção. Coisas desse tipo ocorrem todos os dias, sabemos lidar com isso.
Todos querem crescer e tentar isso é um direito universal. Procuramos agir com ética e cuidamos de não confrontar publicamente outros atores da rede, mesmo que ainda sejam pouco conhecidos. No início ainda fazíamos uma ligação para avisar sobre algum erro… mas paramos com isso. A prática permanece com alguns, como o Montedo, um dos pioneiros na internet nesse nicho militar, que muito me aconselhou no início da RSM. É uma pessoa de extrema ética.
Quando se lida com 20 mil ou 25 mil pessoas por dia, às vezes 100 mil a depender da manchete, o risco de errar é muito grande, mas se ocorrer, temos que perdoar a nós mesmos… corrigir o erro se for possível, aprender com ele e rolar a bola pra frente. Continuaremos a dar o melhor de nós.
As pessoas “querem ouvir o que querem ouvir, o que soa bem aos seus ouvidos”. Estranho dizer isso, mas observe como os Bolsonaristas mais extremistas se reúnem em torno exclusivamente das informações trazidas pelos sites ligados ao governo; como Lulistas se reúnem nos chamados “blogs sujos”, poucos param e ouvem o contraditório.
A Revista sociedade militar nem sempre traz notícias que agradam a todos, mas traz as notícias que todos precisam ler, por isso milhares de militares dão pelo menos uma passadinha diária por nosso site.
- Se o governo atual tentasse cooptar ou mesmo subvencionar o site RSM, e se fosse possível a você estabelecer alguns limites e concessões, você toparia?
Resposta – Recebemos ligações com frequência das instituições, como ocorre com outros veículos de mídia, há eventos frequentes direcionados à imprensa. A Marinha nos seguia no Twitter, mas depois resolveu também nos abandonar. Deve ter sido ordem de alguém.
Há citações de textos nossos em trabalhos de generais e até na cartilha de planejamento econômico para os cadetes da AMAN e recebemos muitas sugestões de publicações enviadas pelo Centro de Comunicação Social do Exército, que – diga-se de passagem – é tocado por oficiais e praças que são muito competentes no que fazem. Por tudo isso, fica evidente que já estamos “cooptados”, que jogamos no mesmo time, queremos o melhor para o pessoal das nossas instituições armadas.
Dezenas de oficiais generais da ativa e reserva nos seguem nas redes sociais, inclusive vários (generais de) quatro estrelas. Não acho que é vigilância cerrada, estou certo que querem apenas saber o que a tropa pensa, ler as notícias por um prisma diferente. Falei acima, as coisas, às vezes, chegam meio “filtradas” nos gabinetes e um chefe precisa saber com precisão o que a tropa na ativa e na reserva de fato está passando.
Quanto a subvencionar a RSM, acho que aceitaria em parte, um patrocínio, como aceitaria de uma empresa. Não vejo o governo como um rival, muito pelo contrário. Mas, não sei como isso poderia ser feito, talvez com publicidade estatal. Mas, a condição principal seria que a linha editorial, a decisão sobre o que poderia ou não ser publicado, permaneceria nas minhas mãos. Nosso material tem como temática principal assuntos relacionados ao pessoal, direitos, carreira, salários, questões do quotidiano militar e da família militar, isso não pode mudar.
Como bem diz o nosso tema, “O ser humano é nossa melhor arma”.
FIM
Em tempo: Um agradecimento ao JB.Reis, que considero uma das mentes mais brilhantes que conheci nos últimos meses, tem um talento especial no que diz respeito a registrar sentimentos em linhas de texto. Agradeço ainda a todos os leitores, que na verdade são os co-editores, que juntos, ao longo dos anos, é que tem dado o tom do que se escreve nesse pequeno veículo de comunicação. Robson Augusto /