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Potência de sete – O Partido Militar e o sequestro de um país inteiro (Texto de colaborador)

Título original:  Potência de sete – Breve reflexão sobre o sequestro de um país

“Como foi longe esse demagogo inescrupuloso, desde os dias não muito distantes em que manifestava a vontade de ser meramente o ‘tambor’ de um movimento patriótico!”

(General von Lossow, citado em Ascensão e queda do III Reich, de William Shirer)

É preciso tirar o chapéu para a nova potência política nacional. O “partido” militar (ou o nome que queiram dar às forças que enxertaram Jair Bolsonaro na presidência) conseguiu algo que beira o ineditismo. Um candidato fraco, eleito sabidamente por rejeição aos governos anteriores, desprovido de propostas concretas para os problemas nacionais, desponta acima das hordas bolsonaristas como verdadeiro ídolo. Um anti-Getúlio, que não consegue falar ao povo, exceto através de um auxílio mendicância com data de validade determinada, e não vê o  povo real, do desamparo e do desemprego. Só enxerga armas e exala deboche.

Mas, mesmo com todo o niilismo político de Bolsonaro, algo crucial foi revelado neste sete de setembro. A alma da nacionalidade foi violada pela politicagem mais ordinária. O que Jair Bolsonaro fez neste último feriado foi uma tentativa de atrelar sua visão tacanha de mundo, sua percepção esquizofrênica da realidade à própria brasilidade. O sete de setembro, feriado de independência do Brasil, sabe-se lá por que, permaneceu uma pauta exclusiva das Forças Armadas. Não deveria. Mas, sempre foi. Até ontem, nenhum candidato à reeleição usou a magna data nacional como escada.

Até ontem, ninguém havia tentado circunscrever as cores, a bandeira, a independência da Pátria, a uma visão ideológica.

Mas, o candidato não fez isso sozinho. Na realidade, ele pouco fez, apenas se prestou a ser parte de uma engrenagem maior, galvanizando parcela radicalizada da população, que mais teme o passado do que tem coragem de reinventar o futuro – um conservadorismo tipicamente mumificado. Quem fez o jogo sujo do lenocínio da alma nacional foram os que se dizem protetores dela mesma. Foram os militares (generais, almirantes e brigadeiros) que cinicamente abriram as portas da caserna – observe o leitor, não só os portões de ferro dos quartéis Brasil afora, mas, e principalmente, os códigos morais da vida militar. Ignorando o passado desonroso do capitão Bolsonaro, endossaram sua rasa persona política e avalizaram-na, fundindo assim os valores militares com os valores de Jair Bolsonaro.

Ladinos, jogando nas sombras, por trás das cortinas, fizeram parecer que Bolsonaro era o mandante. Durante três anos simularam subserviência, um papel conveniente para quem não tem coragem (nem quer abertamente) assumir posicionamentos. No sete de setembro, mantiveram-se discretos. Sabem que sempre vão ganhar. Se Bolsonaro metesse os pés pelas mãos (o que quer que isso signifique), a facção “legalista” (e ostensiva) do “partido”,  alegando dever de ofício, repeliria qualquer tipo de inconstitucionalidade. Se Bolsonaro conseguir perpetuar o discurso requentado e se reeleger, a camarilha fardada (o braço obscuro do “partido”) também vence por mais quatro anos.

Não há argumentos contra fatos. A profissão militar agora tem um lado. Politizou-se, não de modo saudável, de fora para dentro. Ao contrário, de maneira antinatural, radicalizou-se de cima para baixo. Um capitão, centenas de oficiais generais, milhares de oficiais superiores, polícias militares cooptadas, escolas cívico-militares a todo vapor, todos se arvorando como os únicos e legítimos representantes da nação brasileira, excluindo e rosnando para qualquer um que pense diferente, todos sob a batuta autoritária de um candidato que não carece de maiores apresentações…

Bolsonaro fez em uma oitava acima exatamente o que Bebel Gilberto fez ao sapatear sobre a bandeira nacional. Este sete de setembro poderá ficar na história como o dia em que meia dúzia de militares, sem disparar um tiro sequer, sequestrou o Brasil.

Atenção: A Revista Sociedade Militar não necessariamente concorda com textos assinados por colaboradores, a publicação integral é parte de nossa política de estímulo à necessária discussão livre e respeitosa sobre assuntos relacionados às Forças Armadas, política, geopolítica e instituições de segurança brasileiras.

JB Reis

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Publicado por
Sociedade Militar