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Espelho meu – Texto de colaborador

Espelho meu

 

“Foi necessário tomar a grave decisão de fazer com que esse povo desaparecesse da face da terra.”

(Heinrich Himmler, citado em “Espelho do ocidente”, de Jean-Louis Vullierme)

Simplificações sobre o momento político pelo qual passamos é o que mais se vê boiando no mar de informações que nos envolve. Seria até agradável poder discorrer com frivolidade sobre os episódios que dia a dia brotam dos jornais, das redes sociais, dos grupos de mensagem, etc. Seria bom poder escrever superficialmente sobre os culpados, os grandes, os máximos culpados pela treva que aparentemente ameaça nos tragar a todos. Os políticos. Gastam-se litros e litros de tinta – agora bits e bits de informação – dissecando personalidades políticas desvairadas que levaram povos inteiros ao abismo, mapeando e destrinchando suas biografias, à procura da solução final, em busca da razão de fazerem o que fazem, e finalmente cravando-lhes a culpa total por tudo que nos acontece.

Mas, não se trata deles realmente. Não é deles que precisamos falar. Não é sobre eles que assenta a maior culpa, afinal. Esses homens, se é que podemos chamá-los assim – pois ao se tornarem voluntariamente símbolos de algo, automaticamente deixam de ser simples humanos -, não são mais do que extensões nossas. Não são mais do que projeções de nossas ânsias, de nossos medos. Esses homens não são mais do que pontas de lança do contraditório exército de um homem só. Precisamos falar de nós. É urgente que nos examinemos. Já passa da hora de olhar o espelho.

Definitivamente não somos melhores do que éramos há cem anos. Não nos tornamos mais sábios porque estudamos mais. Não nos tornamos mais tolerantes porque conhecemos outras culturas. Não nos tornamos mais universalistas com outros povos porque aprendemos facilmente um idioma estrangeiro. O mundo moderno não nos tornou mais nem menos do que já éramos na época do holocausto judeu. Há alguns dias na Itália, berço do fascismo, um político de escol incentivou o ódio racial e a xenofobia aberta e publicamente. Ele foi um político eleito por milhões de pessoas como nós. Isso não nos diz nada!? Uma das maiores decepções de quem se interessa pelo que aconteceu na Alemanha de Hitler é descobrir que, por mais que tenha feito muita trapaça no meio do caminho, ele chegou ao poder por vias democráticas.

Adolf Hitler foi eleito democraticamente por pessoas como nós. Isso não nos diz nada!? Aqui no Brasil a florescente ultradireita está tentando enxertar o ódio político contra alguns grupos de esquerda. Serão os petistas os novos bolcheviques dos trópicos? Não se questiona aqui o modelo democrático, que pode ser tão ruim quanto qualquer outro. O que está em jogo é o nosso modelo de realidade e por quais meios escolhemos manifestá-lo.

Quem são os que se dizem conservadores, moralistas, “cidadãos de bem”? E aqueles que  pretendem revolucionar as relações, minar confianças ancestrais, implodir vínculos arraigados pela tradição? Todos esses são os que irrefletidamente encamparam a ideia de que o seu modelo de realidade, o seu mundo só pode existir numa realidade ultra excludente – só podem ser felizes à custa de um inimigo a ser eliminado. Diluídos na marcha lenta de décadas, os ideais revolucionários acachapados pela realidade da vida, de tempos em tempos, dão lugar à sua contraparte conservadora.

Surgem então os que pretendem manter a vida estagnada, parada no tempo e no espaço, mumificada na tradição, cristalizada e incapaz de se renovar. Tudo isso em nome de algum “deus”, pois é preciso cooptar os ingênuos, é preciso conduzir o rebanho crédulo e ao mesmo tempo útil aos “currais eleitorais” e sugar-lhes a energia preciosa em forma de sufrágio. De um lado pretendem extinguir a ideia de Deus, de outro pretendem corroê-la pela politização imoral. E nós o que fazemos? Escolhemos um lado. Escolhemos uma ideia e morremos ou matamos por ela. Quando temos vergonha de manifestar nossa estupidez, revestimos a ideia com as mais belas palavras, adicionamos justificativas de escrituras anacrônicas de outros povos, e justificamos votos dizendo que votamos em “princípios”, “não em pessoas”. E isso nos amortece a consciência. Permite que possamos expressar nossa torpeza, nossa brutalidade e nossa separatividade mais livremente. Afinal, se Deus está conosco, quem será contra nós?.. Entramos numa espiral infinita de justificativas e relativizações sem nexo, ilógica, esquizofrênica, pois a gana de mudar a realidade do outro nos sufoca. Não queremos mudar a nossa vida, queremos feito conservadores revolucionários, mudar a vida do outro para que ele se submeta a nós. E o outro? Bem, ao outro cumpre se submeter ou desaparecer.

JB Reis – https://linktr.ee/veteranistao

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