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O desastre estava anunciado: motivos que arrastaram militares de volta para uma nova aventura política

Foto Agência Brasil

Nos últimos anos o Brasil vem passando por uma turbulência política e social, como não se via desde o período de exceção do governo militar. De repente vimos militares saindo da caserna para desempenhar um protagonismo político que vai contra até mesmo o Estatuto dos Militares, pelo qual são regidos.

O último chefe do executivo se empenhou em uma cruzada de polarização e choque ideológico similar ao que acontecia no período da guerra fria, num mundo então regido de um lado por forças políticas marxistas com governos totalitários socialistas de um lado e a democracia capitalista e de livre mercado de outra.
O Brasil se viu recentemente ressuscitando em sua política o fantasma da guerra fria, polarizando forças de direita e esquerda de uma forma extrema, como se ainda estivéssemos vivendo um período de confrontos políticos já há muito tempo deixados para trás pelos países ocidentais que travaram esse embate há décadas.
O que estava em jogo aqui então eram os conservadores de direita de um lado defendendo sua agenda em defesa da família tradicional, manutenção de suas crenças religiosas, contra o aborto e casamento de homossexuais, direito ao porte de armas e  as forças políticas de esquerda defendendo exatamente o contrário.
Nesse embate, o então ex-presidente despertou uma direita adormecida e quase inexistente politicamente.
O embate porém, trazia uma luta caricata que lembrava os ´´anos de chumbo´´, quando se enfrentava um inimigo que se apresentava como defensor da classe proletária, inimigos do ´´tio Sam´´, os chamados ´´imperialistas americanos´´ e que travava uma luta de classes dentro da clássica dialética marxista, inimiga do capitalismo ocidental que seria o mal a ser extirpado.
Entretanto, esse tipo de ideologia utópica que ainda subsiste moribundamente em países como Cuba, Coréia do Norte e Venezuela, não é mais defendido em nenhum país desenvolvido e foi abandonado como um antigo e romântico sonho de Thomas Morus em sua “Utopia”. A “luta de classes” e sua “mais valia” foi sepultada mesmo por países com espectro de governo mais à esquerda ou de centro esquerda como se vê nos partidos sociais democratas na Europa e América Latina.
O que restou hoje no mundo com o rastro de destruição deixado pelos países de ditaduras de esquerda como China, Rússia e muitos outros que promoveram verdadeiros genocídios durante todo o século XX são hoje vários países ainda sendo governados por ditaduras de exploração e domínio, democracias capengas e instáveis e vários em conflitos por fronteiras e expropriação de territórios cobiçados.
Diante desse legado nefasto o ex-capitão, se apresentando como paladino dos bons costumes e da família e sociedade conservadora, empreendeu uma feroz oposição aos políticos de esquerda com projetos progressistas já muito diferentes da agenda marxista leninista, mas igualmente com uma proposta clara de substituição do atual modelo civilizatório herdado pela cultura ocidental judaico-cristã,
Em sua carreira política, iniciada com uma revolta no quartel em protesto aos baixos salários dos militares, o ex-capitão foi expulso da corporação e depois reabilitado e posto na reserva.
A partir daí, se lançou na política com a proposta de melhorar as condições salariais e sociais dos militares. Com isso, tornou-se persona non grata em meio a oficiais de alta patente e da cúpula das forças armadas pela forma como atuou em sua revolta ainda na ativa e no engajamento político de confronto à política salarial dos quartéis.
Dessa forma, seguiu uma trajetória política de quase trinta anos em que foi reiteradamente eleito e reeleito por seu eleitorado, majoritariamente composto de soldados, graduados e oficiais de baixa patente das forças armadas e auxiliares.
Em suas campanhas em busca de votos dificilmente era aceito para adentrar quartéis e nem sequer era recebido por oficiais superiores ou generais por ser visto como um mau exemplo como oficial.
Durante toda a sua carreira política em que prometeu mundos e fundos a seus eleitores, nunca conseguiu aprovar sequer um projeto que beneficiasse seus eleitores. Argumentava que só quem podia ajudar era o MD (Ministro da Defesa) ou o próprio presidente, principalmente no ano de 2000 quando o governo de FHC (Fernando Henrique Cardoso) tirou vários direitos e benefícios dos militares.
Ele dizia que era sozinho e não tinha uma bancada militar para fazer lobby. Todavia, nunca se preocupou em criar a dita bancada, talvez porque seria desbancado por outros militares e também porque queria e elegeu membros de sua família como filhos e ex-esposa.
Quando se elegeu presidente, também nada fez por sua base, alegando que quem poderia fazer algo eram os comandantes das forças.
A bancada da bala veio depois, apesar dele, Bolsonaro, e não era ligada a ele. Tempos depois, se aproximaram para uma coalizão que o levaria à presidência.
Nos últimos sete anos iniciou um projeto de candidatura à presidência em que reforçou veementemente a necessidade de substituir o então governo de esquerda chafurdado em diversos escândalos de corrupção que mergulhou o país numa convulsão econômica e social beirando ao caos.
Numa campanha judicial levada a cabo pela “Operação Lava-Jato” pelo então juiz Sergio Moro, cerca de duzentos políticos e empresários foram presos e milhões de dólares ressarcidos aos cofres públicos. O caso sacudiu as manchetes do mundo inteiro no que ficou conhecido como o maior escândalo de corrupção da história.
Surfando nessa lacuna de falta de um governo sério e comprometido com a sociedade, Bolsonaro emerge como um outsider, uma arara azul, uma opção diante de uma proposta moralizadora que prometia devolver a decência moral e social, desenvolvimento econômico com uma agenda liberal, direitos civis e mais combate massivo a corrupção.
O ex-capitão prometia o fim da política tradicional enlameada com todo tipo de vício e crimes, “toma lá, dá cá” etc.
Ainda prometeu uma moralização do congresso com projetos envolvendo militares em cargos públicos, escolas administradas por militares e ministros militares nos cargos mais estratégicos e em muitas secretarias, o que iria resultar no emprego de cerca de cinco mil militares em cargos políticos, assessoria, etc.
Em sua folclórica defesa do antigo regime militar e expondo os sucessivos crimes cometidos por governos socialistas mundo afora e os crimes de corrupção e projetos de liberação de costumes, o então deputado Jair Bolsonaro atraiu atenção e lenta aproximação da alta cúpula das forças armadas.
O projeto político que despontava no horizonte poderia ser muito interessante e uma chance de algum protagonismo de militares na cena política nacional.
A isso se junta o afago a cultura e tradições militares, o apego a honra, disciplina, fraternidade, patriotismo, civismo e nacionalismo. Não havia outra proposta mais contundente em contraposição ao caos a que o país foi submetido.
Não havia proposta mais promissora e chance maior daqueles que deixaram o poder há quase quarenta anos. Era uma convocação a uma “cruzada” contra as forças políticas e até espirituais contra o “maligno” governo que tinha abalado as estruturas econômicas, políticas e sociais da nação. Espirituais porque as religiões majoritárias no país com suas lideranças foram chamadas a se juntar ao “esforço de guerra ideológica” em favor de um país digno e próspero.
Havia no ar e nas mídias sociais uma esperança de que uma revolução moral, social e econômica estaria em vias de acontecer, promovendo uma devassa moral na política brasileira com o auxílio e credibilidade moral dos militares. A caserna sempre gozou de bom prestígio entre a sociedade.
Não podia haver ingrediente melhor, uma vez que os discursos veementes e de quem teria autoridade moral e coragem falava agressivamente, “sem papas na língua” contra as forças políticas do mal, fez do ex-capitão alguém que se projetou vertiginosamente da noite para o dia na cena política como a grande opção de mudança.
Com essa estratégia de campanha ele venceu as eleições com pouca folga, mas venceu.
Assumindo o poder, agora tendo como aliados aqueles oficiais do alto escalão que antes o viam como um pária, ele então seria o chefe supremo das forças armadas e chefe de seus antigos chefes. O ex-capitão agora chefiaria seus generais.
Começou a fazer o que prometeu que faria. Aparelhou o estado com muitos cargos, os mais importantes, para os agora colegas militares e antigos amigos de turma e de cursos como os da escola de pára-quedistas etc.
Promulgou uma lei de remuneração dos militares onde agraciou generosamente os salários da alta cúpula, mas deixou muitos militares graduados insatisfeitos, uma vez que perderam direitos ainda reclamados, juntado aos direitos que já tinham perdido no governo FHC em 2000. Na realidade, já no próprio período do governo militar, os militares também tiveram recuos em seus direitos salariais e de carreira. Isso desencadeou uma guerra política e um racha no parlamento entre os militares graduados e oficiais superiores.
A ferida ainda está aberta.
Isso foi o princípio dos descontentamentos na caserna e o sentimento de alta traição, não só contra aquele que teve sua carreira política toda construída por esses militares da base da pirâmide, como dos chefes da cúpula que deveriam ter defendido seus subordinados, promovendo uma isonomia salarial entre as três forças e entre militares de mesmo posto e graduação. Mas não foi isso que aconteceu, pelo contrário.
Nas disputas no Congresso para a aprovação da nova lei salarial dos militares, vimos parlamentares como o major Olímpio da polícia militar, ex-aliado, e então membro da bancada da bala, chamando oficiais generais de mentirosos e os acusando da pior das imoralidades para a honra militar: a de faltar com a verdade. Isso disse em alto e bom som para o Brasil todo ouvir
Vimos políticos como o deputado Glauber Braga também desafiando militares com patente de oficiais generais, sendo achincalhados e chamados igualmente de traidores e mentirosos, diante de todo o congresso e dos olhos da população.
Vimos militares graduados nas disputas pela correção do PL (Projeto de Lei) que aprovaria a sua nova lei de remuneração, apontando as falhas no então projeto e diante da recusa dos chefes militares e seus aliados no congresso de corrigir as injustiças, chamando os e o então presidente que nada fazia, de traidores em coro e alto e bom som.
Militares vem tendo sua política salarial sendo achatada desde os governos revanchistas de esquerda e num momento em que uma grande luz de esperança se acendeu quando o então ex-capitão, em seu discurso de campanha, se dirigiu aos militares de sua base prometendo: “digo aos militares das forças armadas: em meu governo, ninguém será deixado para trás!”.
O testemunho de muitos militares é que milhares foram deixados para trás com suas famílias, como já foi publicado aqui na Revista Sociedade Militar centenas de vezes, demonstrando as arbitrariedades na política salarial então aprovada. Era o sentimento de traição e apunhalada nas costas de muitos soldados que ficaram para trás.
Não se tratava de beneficiar ninguém, mas de fazer justiça.
Aqueles da alta cúpula, outrora seus desafetos, foram, de longe, a classe mais beneficiada e “agraciada” não só com polpudos salários, mas com os cargos políticos mais bem remunerados da nação. Sem contar os muitos que se elegeram e reelegeram surfando na onda bolsonarista.
Já os que sempre foram fiéis a ele e que o carregaram nas costas durante toda sua carreira, foram, literalmente, deixados para trás.
Em nenhum momento, até hoje o ex-presidente se dirigiu àqueles a quem deixou de fazer justiça para justificar seja lá o que for.
A partir desse momento e dentro dos acontecimentos políticos que foram se desenrolando em seu governo, muitos foram se afastando. Tanto militares, como políticos aliados, por diversos motivos. Quem recuava era sumariamente rotulado de traidor. Como se a traição fosse algo que lhe era estranho.
O país e o mundo foram acometidos pelo letal vírus da COVID-19.
Mais uma vez o país se viu diante de uma guerra de narrativas que se arrasta até hoje.
O então presidente se engajou numa batalha ideológica e de crença de que o vírus seria algo “mandado” de propósito e de que as vacinas tinham muito pouco tempo de testes para ter seu efeito na população. Foi assim orientado por muitos médicos e algumas autoridades de que havia outras panaceias já em uso e que teriam o mesmo efeito.
Comprou uma guerra praticamente com o mundo todo. Aliado a ele estavam também praticamente toda a cúpula militar que o seguia, salvo poucas exceções. Escalou um general para ministro da saúde e o que se seguiu foi uma série de acusações da oposição e outros setores de que o processo de vacinação era lento e a vontade de fazê-lo, pouca.
Em meio a um mar de acusações e conspirações, o congresso com a oposição levou o país a mais uma CPI, dessa vez a da COVID-19.
CPI instalada e dezenas de militares envolvidos e acusados de super faturamento na compra de vacinas, falta de compromisso com a população, acusações de culpa no número excessivo de mortes, crença em tratamentos alternativos com remédios recomendados pelo chefe do executivo e outras acusações.
CPI finalizada e a imagem de militares achincalhados mais uma vez expostos diante da população atônita vendo ministros e autoridades militares sendo “esculachados” em público e ameaçados de serem presos.
Com o episódio das urnas eletrônicas e sua eficácia se deu a mesma coisa. O presidente hora dizendo que elas podem ser fraudadas e hora concordando com o STF que estava tudo bem. Hora dizia que apresentaria provas e as provas não apareciam. Envolveu o Exército no processo, dizendo que o mesmo garantiria o processo e que a população poderia estar tranquila. Depois queria o código fonte ou que o IME (Instituto Militar de Engenharia), ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) ou qualquer outra instituição militar reforçaria a segurança das urnas.
Nada aconteceu e os militares ficaram com a pecha de que nada fizeram para garantir um processo eleitoral limpo e seguro.
O Exército, intimado pela justiça a se manifestar sobre uma investigação executada nas urnas, demorou a responder e chegou a dizer que não tinha obrigação de responder. Sob pressão dos ministros do TSE divulgou relatório indicando que não tinha encontrado provas de fraudes ou de que teriam sido fraudadas em algum momento. Apenas para ficar em cima do muro ou estar bem com o governo de então, disse que eventualmente poderia ser possível que alguém conseguisse “fraudar” o sistema, mas que não encontrou resquício nenhum nesse sentido. Falou e não falou. Pior ainda, porque desagradou a todos.
Afinal, a quem servem as forças armadas? não é ao estado brasileiro?
Nem o tal código fonte apareceu e nem o Exército afirmou que havia um problema. Mas o discurso no sentido de que há uma fraude em curso sempre nos processos eleitorais prossegue, mesmo o então presidente ter sido eleito e reeleito nos últimos vinte anos por elas.
Num fatídico 7 de setembro durante seu mandato o então presidente convocou militares e políticos para um palanque com exposição de alguns tanques e veículos militares nos gramados do palnalto, usando a data para um discurso político diante de uma multidão em Brasília, praticamente insinuando que se a população autorizasse em alto e bom som, ele poderia iniciar uma espécie de intervenção no congresso e STF. E ainda bradou as multidões que não mais obedeceria ordens, especificamente do ministro Alexandre de Moraes do STE.
O povo pediu e autorizou a ação. Nada aconteceu e no dia seguinte o presidente convocou o ex-presidente Michel Temer para ajudá-lo a redigir uma carta pedindo perdão ao juiz Alexandre de Moraes e ainda chamando-o de querido “mestre”.
Em nota oficial o Exército sempre afirmou que não haveria intervenção de espécie alguma no estado brasileiro e mesmo antes da eleição de Bolsonaro o Exército sempre reafirmou isso. Mas o discurso político do então presidente era sempre deixando entrever nas entrelinhas que “algo aconteceria”.
Com a derrota nas urnas nas últimas eleições e um pouco antes disso, houve muito barulho nas redes sociais de movimentos de massas, líderes políticos e militares pró governo se preparando para contribuir de alguma forma para que algo fosse feito para evitar a derrota e se a derrota acontecesse, algo deveria acontecer. Isso circulou abertamente e com muita clareza em todas as redes sociais.
O que veio a seguir é o que todos já sabem. Aconteceram manifestações em 08/01 chamadas hoje pela mídia de esquerda de “atos antidemocráticos”, que culminaram com invasões na sede do governo e que culminaram com uma CPMI que está em curso no parlamento.
O que estamos vendo é uma exposição das vísceras e entranhas de oficiais com carreiras exemplares praticando atos de delinquências inimagináveis. Oficiais de posto superior, assessores do presidente falsificando documentos de vacinas e sendo presos por isso. O outro, que já tinha sido expulso do exército, ajudando numa conspiração para convencer o presidente a forçar um rompimento no estado, mesmo à revelia dos chefes da forças armadas.
Um outro que vai depor e que tem seu sigilo telefônico revelado e exposto a todo o país, também forçando uma ação intervencionista e sendo chamado de mentiroso, infantil e ameaçado de sair preso da CPMI tal o volume de mentiras e da negação de tentativas de atos que até ele mesmo ficou sem saber o que dizer. Um circo de horrores o depoimento do senhor coronel Lawand. Um achincalhe, um vexame a exposição de linchamento público de sua imagem. sensação de vergonha alheia.
Diante de tudo isso tentamos imaginar como funcionam as cabeças de militares da ativa e da reserva das forças armadas que tiveram uma formação em academias militares e longos anos de preparo físico e emocional. Como podem ter um desempenho tão medíocre e de uma forma que beira a ingenuidade ou falta de compromisso com a verdade como a que temos visto nas comissões parlamentares de inquéritos?
Pessoas seduzidas e hipnotizadas pelo poder e se achando em posse de poder parecem crer que não há limites para suas ações ou que elas serão impunes, uma vez que o poder e a força estão com eles? Seria isso? O que leva um militar que devotou tantos anos de estudos em academia a se lançar em tal aventura? Ou foi vítima da crença, também ingênua, de que o líder supremo lhe dá garantias de que tudo vai ser como ele diz, que sua popularidade e respaldo com as forças gregárias que os unem não permitirão uma derrota sem consequências ao inimigo?
Há que se pensar aqui o que passa na formação e cabeças de homens que são treinados e preparados para defender a nação. E custa caro ao erário público isso.
Em seu discurso político há alguns anos e quando tomou posse, o presidente Bolsonaro disse que as escolas, a exemplo do que acontece em escolas de excelência como os colégios militares, deveriam dar ênfase ao ensino de ciências exatas como matemática, física, química ou língua portuguesa.  As ciências humanas deveriam ter muito pouco peso nas grades curriculares porque teoricamente não contribuiriam com quase nada.
Tentou implantar um modelo de escolas militares. Não foi a frente e não sabemos que fim levou o projeto.
Quantos países desenvolvidos tem entre suas melhores escolas, instituições militares de ensino público? Até onde se sabe, nenhum. Nem mesmo nas ditaduras militares de países miseráveis como Coreia do Norte.
Não que as instituições militares sejam ruins, não são. Elas apenas existem porque tem uma função. A de preparar alguém para carreira militar. Ou pelo menos deveria ser.
Obviamente, a tentativa de implantar o modelo militar de ensino deveria ser para brindar os alunos com uma qualidade que não se vê em nossas escolas públicas, salvo as de excelência nas quais é preciso prestar concurso público para se matricular.
O que foi propagandeado, porém, é que uma escola com administração militar teria um currículo também baseado em disciplina, educação e respeito, civismo, patriotismo, mais reforçada em matérias mais solicitadas em concursos, como as exatas etc. Talvez tudo não passou mesmo de propaganda política ou pelo forte lobby das escolas privadas que não devem ter gostado da ideia.
Mas, dentro de tudo que foi exposto aqui, se as escolas e academias de excelência militares de nosso país tem formado militares parecidos com os que se expuseram no último governo, há que se refletir se o modelo funciona mesmo ou se militar tem mesmo que só ficar em seu quadrado dentro das quatro linhas da Constituição para a qual ele jurou defender sua pátria até a morte.
Ao fazermos uma reflexão aqui, há que se notar que nosso cérebro sabiamente tem dois lobos e divisões, sendo um o lado o da razão, racional, matemático e o outro o da emoção e sensibilidade e da percepção do comportamento humano.
Se estimulamos apenas um dos lados, parece que as consequências não são nada favoráveis. Não à toa, nos últimos anos temos visto uma enxurrada de livros e palestras estimulando o que descobriram ser nossa “inteligência emocional”, sem a qual, nossas vidas podem estar fadadas a desfrutar com bem menos qualidade somente a metade de todo potencial e prazer de viver e ajudar a construir um mundo melhor.
Será que o que falta nas grades curriculares das academias militares são mais humanidades? Sociologia, filosofia, antropologia ou que quer que seja? Militares se formam em seus cursos, mas estão longe de ser os intelectuais que ajudam a construir as grandes nações, já que são muito poucos com entendimento intelectual e conhecimento geral do que de fato uma nação precisa? O que temos visto nos últimos anos parece demonstrar isso. Se não, então o que foi que aconteceu com nosso país nesses últimos quatro anos? Tanta aventura e episódios que lembram mais as antigas comédias de pastelões se não uma tragédia grega ou tragicomédia.  Seria cômico se não fosse trágico.
É lógico que o atual presidente eleito e muitos políticos também estão longe de possuir uma visão verdadeira de estado, mesmo porque a maioria nem é ilustrada ou muito mal tem uma péssima formação. Intelectuais na política brasileira é espécime raro.
Ou o currículo das escolas militares está correto e o erro está em querer transpor militares na administração pública e cargos políticos, lugar para onde ele não foi talhado?
O que um militar aprende em suas escolas de formação?
Táticas, estratégias de guerra, a arte da guerra, liderança, matemática, física, português, história militar, cálculo, direito e talvez uma pitadinha de humanas e administração. Autores como Bismarck, Sun Tzu, Júlio César, Napoleão, Rommel, Eisenhower. Guerras do Peloponeso, Pérsicas, romanas, doutrinas prussianas, francesas, inglesas etc. Educação Física, mens sana in corpore sano.
Pelo currículo sabemos que um militar é formado para ir a guerra e defender sua pátria, basicamente. Não pode, por força do seu estatuto, se envolver com política, se filiar a partidos políticos, se filiar a sindicatos, fazer greves ou manifestações públicas e nem exercer outra atividade diferente na administração pública ou possuir atividade empresarial com remuneração extra. Não pode muita coisa. Se cometer crime e for condenado será expulso com a perda da remuneração mesmo estando na reserva. Civis não perdem sua aposentadoria caso sejam condenados pela justiça. militares sim.
Tem que obedecer ordens, ter disciplina, estar sempre bem vestido e alinhado e pronto para operar a qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer ambiente. Tem que ser leal. Detalhe: sem horas extras, sem FGTS e sem hora pra sair ou chegar. É cumprir ordens, sem ponderações. É treinado para um quase estoicismo e vida espartana em certo sentido.
Natureza social bem diferente se comparada aos civis.
Quando o regime militar deixou o governo, os militares foram vitimizados com revanchismos que chegam aos dias de hoje. Depois de tudo que aconteceu no último governo e o temor dos partidos e políticos de esquerda de uma nova ameaça de “golpe militar” e diante de tudo que se viu, como vamos prosseguir?
Os opositores não querem saber se a economia ou os índices sociais estavam indo bem. Querem demonstrar que o modelo de administração militar não funciona e indicar que isso é um fracasso e retrocesso, ainda mais quando o que se vê numa tentativa desastrada como a que aconteceu no último governo é motivo para chacotas e expurgos pela propaganda contrária.
No fim, nem nióbio e nem grafeno. O que sobrou foi uma direita esfacelada com maioria eleita pelo governo anterior, mas que muitos já estão em revoada para outras siglas de poder. E agora, quem vai preencher e reparar essa lacuna?
O ex-presidente acaba de ser cassado de seus direitos de se eleger. Isso foi o resultado da tentativa de se propor a fazer o que aparentemente nunca quis fazer, mas arrastou muita gente junto com ele para uma vala comum.
A aventura malfadada de membros da caserna na política expôs uma fratura que vai demorar muito a fechar, diante de tantos episódios inglórios no qual tomou parte.
Quem sabe agora não seja o momento de rever a cartilha de formação de militares e fazer uma revisão e atualização nos currículos em direção a uma grade onde facilite mais uma percepção e entendimento das relações humanas na sociedade, direitos civis e constitucionais, filosofia, sociologia, políticas de governo e estado de direito? Mais ilustração sempre ajuda a resolver dilemas sociais.
Ou, no mínimo, usar um pouco mais do outro lado do cérebro, o intuitivo, para tentar ter mais percepção do que é o mundo real para além do simples positivismo prático e frio.
Nivaldo – historiador e militar R1 — Revista Sociedade Militar
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Nivaldo