Vez por outra a imprensa publica notícias sobre os salários dos militares. A partir do governo Bolsonaro, a frequência com que isso acontecia aumentou dramaticamente.
Acontece que muitas dessas matérias não levam em conta certas nuances particulares da carreira militar que fazem muita diferença de pesquisa para pesquisa.
Para não abrir muito o leque de investigação e nos arriscarmos a perder o foco, vamos nos ater ao que acontece na Força Aérea Brasileira.
No quesito salarial — o tema que nos interessa — é interessante conhecer primeiro a pirâmide de renda.
O que é uma pirâmide de renda
Uma pirâmide de renda é uma representação gráfica que ilustra a distribuição dos salários numa determinada sociedade.
No Brasil, a pirâmide salarial é bastante desigual, já que 90% da população ganham menos de R$ 3.500/mês e 70% ganham até dois salários mínimos.
Esse levantamento foi feito pela BBC News Brasil.
Da acordo com a reportagem da BBC, se você recebe 1.500 reais por mês, você está entre os 40% de brasileiros mais ricos do país.
Então, você ganha mais do que 60% da população, ou seja,128,2 milhões de pessoas têm o orçamento mais apertado que o seu.
Em 2023, o rendimento médio mensal no Brasil subiu para R$ 1.848, mas ainda assim, a desigualdade entre o topo e a base da pirâmide não diminuiu.
A Pirâmide de renda brasileira
Assim como a Marinha e o Exército, a Força Aérea Brasileira é uma estrutura estatal gigantesca.
Segundo a Lei nº 11.320/2006, o efetivo máximo de pessoal da FAB é de 80.937 militares, do soldado até o tenente-brigadeiro comandante da Força.
Além disso, é importante lembrar que essa mesma lei especifica os casos de militares que não são computados no limite fixado acima, como por exemplo: Oficiais-Generais Ministros do Superior Tribunal Militar; os Oficiais e Praças da Reserva Remunerada convocados por prazo limitado; os alunos das Escolas de Formação; entre outros.
Essa Lei é tabulada de tempos em tempos, e fica disponível para o público, podendo ser acessada facilmente no site da FAB.
A partir do correlacionamento entre os dados dessa tabela e de informações do Portal da Transparência do Governo Federal, elaboramos um gráfico revelador sobre a estruturação da carreira militar dentro da Força Aérea.
Quase 75 mil militares para menos de cem Brigadeiros
Feita essa breve contextualização, simplificando os dados da tabela do quantitativo físico de pessoal, e transportando-os para o gráfico abaixo, podemos tecer algumas considerações.
O gráfico acima mostra o quantitativo de pessoal por posto.
Há, por exemplo, 12.151 soldados de 2ª classe, 12.462 terceiros-sargentos, 2.220 capitães e 9 tenentes-brigadeiros.
Pode-se notar também que o gráfico tende ao formato típico de pirâmide, com uma base larga e um topo que se afina de maneira progressiva e acentuada.
As categorias com maior quantidade de representantes são os terceiros-sargentos e os sodados.
Em relação aos soldados, isso se explica pelo serviço militar obrigatório inicial.
No caso dos sargentos, o motivo é a necessidade de pessoal técnico-especializado em grande escala nas unidades militares.
Especialidades como administração, mecânica de aeronaves e áreas correlatas têm sempre muita demanda.
Além dessas carências óbvias, há também o caso dos sargentos temporários, que inflam esse número.
Atualmente a maior parte dos 3S é composta por militares contratados sem concurso público, e que vão permanecer na FAB por no máximo 8 anos.
Observamos também que o inchaço dos mais de 12.151 S2 com o tempo se fraciona em 6.918 S1, praticamente a metade.
Isso já não acontece quando se passa de 3S para 2S. Aqui a queda é de menos de 30%, mesmo com os temporários.
A Pirâmide de gastos da FAB: muitos ganham pouco e poucos ganham muito
A pirâmide salarial da FAB é clássica, isto é, tem base larga e topo fino.
Isso a torna muito parecida com a pirâmide de renda nacional, já que a renda dos 10% mais ricos é 14,4 vezes superior à dos 40% mais pobres.
Em português claro: muitos ganham pouco e poucos ganham muito.
A pirâmide acima também dá uma ideia de como se estrutura a carreira militar.
Quatro quintos da força de trabalho são formados por suboficiais, sargentos e soldados.
Menos de 1/5 é formado por oficiais, entre tenentes, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis.
Já a super elite da FAB, a nata que ganha mais de R$21mil por mês, é composta por um topo quase invisível de 87 pessoas.
São 54 brigadeiros, 24 majores-brigadeiros e 9 tenentes-brigadeiros.
A Pirâmide de gastos pode explicar defasagem salarial dos militares
Além de mostrar a estrutura da Força, essa nossa pirâmide revela também os gastos totais com pessoal por categoria.
Em vermelho, abaixo da quantidade, está o quanto o Governo brasileiro gasta com os militares por grau hierárquico.
Isso mostra uma realidade que, principalmente aos militares de baixa patente, é difícil de ser contestada.
A campeã de gastos é a base da pirâmide, os praças, custando mensalmente aos cofres públicos mais de 322 milhões de reais.
Logo atrás vêm os oficiais que demandam R$219 milhões por mês.
Já os 87 oficiais generais da Força custam ao erário “apenas” 1,8 milhões de reais a cada 30 dias.
Não é de se espantar que ideias de aumento salarial para os militares das Forças Armadas que passem de 1 dígito sejam projetos invariavelmente fadados ao arquivamento.
Afinal, os militares ganham pouco ou muito?
Finalmente achamos interessante fazer uma comparação entre as duas pirâmides salariais, a dos brasileiros em geral com a dos militares.
De cara, constatamos que, se o brasileiro é essencialmente pobre, o militar brasileiro é estatisticamente rico.
Uma matéria da Infomoney mostrou que a classe D (que tem renda mensal domiciliar até R$ 2,9 mil) representa mais de 50% da população brasileira.
Já na Força Aérea (ressalvando-se o quantitativo de pessoal, ocorre o mesmo com Exército e Marinha do Brasil), a classe D é representada por 13,01% do pessoal.
Isso se estende por alguns meses, quando então o Recruta é promovido a Soldado de 2ª Classe e “pula” para a faixa acima.
A classe C, para os 33,3% de brasileiros que ganham entre R$ 2,9 mil e R$ 7,1 mil, nos quartéis é uma massa composta de Soldados de 2ª e 1ª Classes combinados com Terceiros-Sargentos. São pouco mais de 42%.
O próximo patamar da pirâmide é o mais heterogêneo, já que vai do Segundo-Sargento ao Major-Brigadeiro.
Essa fatia, que na sociedade brasileira representa os 13,2% da classe B, na caserna é representada por quase 45% dos militares.
Esse contingente enorme de militares circula entre os entre os 10% mais ricos do Brasil.
Por fim, temos a praticamente imperceptível classe dominante.
Os 2,8% dos brasileiros que tem renda mensal superior a R$ 22 mil. Nos quartéis da FAB, eles são representados por 9 Tenentes-Brigadeiros.
Mesmo que cada um desses 9 oficiais generais receba 12 vezes o salário de um recruta, este soldado ainda está entre os 30% de brasileiros mais ricos do país.