Pesquisa analisou 24 países europeus e encontrou correlação entre uso de máscaras e excesso de mortalidade
Um estudo publicado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) gerou repercussão ao apontar que o uso de máscaras foi ineficiente para conter a transmissão da COVID-19. A pesquisa foi conduzida por Daniel V. Tausk, do Departamento de Matemática, e Beny Spira, do Departamento de Microbiologia, ambos da USP. O estudo analisou dados de 24 países europeus durante os anos de 2020 e 2021.
De acordo com o estudo, publicado em 12 de março de 2025 na revista científica BMC Public Health, não houve correlação entre o uso de máscaras em nível populacional e a redução da morbidade pela COVID-19. Além disso, os pesquisadores identificaram uma correlação positiva entre o uso de máscaras e o excesso de mortalidade ajustado por idade. Ou seja, os países com maior adesão ao uso de máscaras apresentaram taxas mais altas de mortes além do esperado.
Segundo os autores, “nenhuma correlação foi encontrada entre o uso de máscaras e a morbidade da covid-19, ou seja, as máscaras não demonstraram reduzir os casos da doença”. O estudo ainda sugere que o uso prolongado de máscaras pode ter causado efeitos adversos nos infectados, como a reinalação de partículas virais, potencialmente prolongando a infecção e aumentando a disseminação do vírus.
Diferentes abordagens e resultados entre os países europeus
O estudo dividiu os países analisados em três grupos distintos com base na intensidade das políticas de uso de máscaras. O primeiro grupo, formado por Itália, Espanha e Portugal, implementou leis rigorosas para o uso obrigatório de máscaras já na primavera de 2020. O segundo grupo, que inclui Noruega e Holanda, adotou medidas semelhantes apenas no inverno de 2020-2021. Por fim, Dinamarca e Suécia compuseram o terceiro grupo, mantendo baixos níveis de adesão ao uso de máscaras durante todo o período avaliado.
De acordo com os resultados apresentados no estudo, os países do terceiro grupo – Dinamarca e Suécia – bem como Noruega e Holanda, obtiveram melhores índices de controle da mortalidade em comparação aos países com maior rigidez nas políticas de máscaras. “Os noruegueses, os holandeses, os dinamarqueses e os suecos tiveram mais sucesso que os italianos, os espanhóis e os portugueses”, afirmaram os pesquisadores.
Essa constatação gerou um debate sobre a eficácia real das políticas públicas de uso de máscaras sobretudo em larga escala. Principalmente, inclusive, em contextos onde outros fatores, como medidas de isolamento social, vacinação e tratamento precoce, também foram variáveis relevantes.
Hipóteses sobre impactos negativos do uso prolongado de máscaras
O estudo da USP também levanta hipóteses que merecem investigação adicional, como possíveis impactos adversos do uso prolongado de máscaras, sobretudo entre indivíduos infectados. De acordo com Tausk e Spira, uma das consequências observadas pode ter sido a reinalação de partículas virais, o que teria contribuído para a persistência da infecção e facilitado o contágio.

De acordo com o estudo, “a doença pode ter persistido por mais tempo entre os infectados e ter se alastrado para mais pessoas”. No entanto, os autores ressaltam que, como o estudo é observacional e retrospectivo, não é possível estabelecer uma relação de causalidade direta entre o uso de máscaras e o aumento da mortalidade. “Apenas foi identificada uma correlação que merece mais investigação”, completaram.
Outro ponto destacado pelos pesquisadores é que os resultados obtidos estão em consonância com revisões sistemáticas anteriores. Estas já haviam apontado a ausência de evidências concretas sobre a eficácia das máscaras na prevenção da transmissão viral em nível populacional.
Revisões anteriores apontavam falhas na política de uso de máscaras
O estudo da USP reforça análises feitas por outras instituições científicas, inclusive revisões sistemáticas que vinham colocando em xeque a efetividade das máscaras desde os primeiros anos da pandemia. Diversos trabalhos científicos, inclusive revisados por pares, sugeriam que os benefícios esperados do uso de máscaras por toda a população não estavam sendo observados de maneira significativa.

Nesse sentido, o estudo coordenado por Daniel V. Tausk e Beny Spira trouxe dados empíricos que sustentam essas análises anteriores. As evidências reforçam que não há consenso na comunidade científica sobre a real eficácia das máscaras como ferramenta essencial no controle da pandemia, principalmente em ambientes comunitários e ao ar livre.
A publicação na BMC Public Health destaca que essas evidências não pretendem encerrar o debate, mas sim incentivar novas investigações. De acordo com os autores, é fundamental reavaliar políticas públicas que foram adotadas de forma massiva, sobretudo quando se trata de intervenções que afetam amplamente a sociedade.
Restrições e debates sobre liberdades individuais durante a pandemia
Além das controvérsias científicas, a obrigatoriedade do uso de máscaras foi um dos temas mais polêmicos durante a pandemia da covid-19. O fato gerou discussões sobretudo sobre liberdades individuais e o papel do Estado na imposição de restrições sanitárias. Em muitos países, incluindo o Brasil, o uso de máscaras foi exigido em espaços públicos e privados, com multas e outras sanções aplicadas a quem descumprisse a norma.
Essas medidas foram justificadas com base na proteção coletiva. No entanto, críticas surgiram tanto na esfera política quanto científica, alegando a falta de evidências sólidas para sustentar essas restrições. O estudo da USP, nesse contexto, pode reacender o debate sobre os limites das ações estatais em situações de emergência sanitária.
Os autores não abordam aspectos legais ou políticos em sua análise. Contudo, os dados apresentados fornecem subsídios para uma reflexão sobre o uso de evidências científicas no processo decisório durante crises de saúde pública.
Novas pesquisas são necessárias para esclarecer a eficácia das máscaras
O estudo conduzido por Daniel V. Tausk e Beny Spira conclui que há uma correlação preocupante entre o uso populacional de máscaras e o aumento da mortalidade ajustada por idade. Contudo, não estabelece causalidade. Essa distinção é essencial e recebeu destaque dos próprios autores, que recomendam mais estudos sobre o tema.
De acordo com Tausk e Spira, “os resultados são consistentes com revisões sistemáticas anteriores, que apontaram a falta de evidências sobre a eficácia das máscaras na prevenção da transmissão viral em nível populacional”. Ao apontar uma possível relação entre uso prolongado de máscaras e efeitos adversos nos infectados, os pesquisadores alertam sobretudo para a necessidade de se avaliar riscos e benefícios em futuras emergências sanitárias.
O estudo da USP representa um marco relevante no esforço de compreender os impactos reais das políticas adotadas durante a pandemia e reforça a importância de decisões baseadas em evidências robustas, sobretudo quando se trata de intervenções que afetam milhões de pessoas.