Por que Dom Pedro I rejeitou o título de rei e se tornou algo ainda maior
Ao proclamar a Independência, Dom Pedro I poderia ter se tornado “Rei do Brasil”. Ou assim é o que todo mundo esperava. Mas, a verdade é que a história não foi bem assim. A Revista Sociedade Militar consultou historiadores, especialistas e entusiastas para entender porque o primeiro Imperador do Brasil não escolheu o título de “Rei”.
Uma aclamação e não uma coroação
Na realidade, Dom Pedro I não “escolheu” o título. Ao retornar ao Rio de Janeiro após o famoso Grito do Ipiranga, Dom Pedro I foi recebido com grande entusiasmo popular. No meio das celebrações, o presidente do Senado da Câmara (espécie de câmara municipal da época) do Rio de Janeiro lhe ofereceu o título imperial. A decisão não ficou restrita a essa cerimônia, pois foi confirmada por várias câmaras municipais pelo Brasil.
Assim, ao contrário dos reis, que eram “coroas dadas por direito dinástico”, os imperadores do Brasil eram “aclamados“, ou seja, recebiam legitimidade diretamente do povo.
De acordo com historiadores durante sua cerimônia de aclamação, três jovens — um branco, um negro e um indígena — representaram simbolicamente as etnias que compunham o Brasil. Esse detalhe era importante para fortalecer a legitimidade de Dom Pedro I como Imperador do Brasil.
Mas por que Imperador e não Rei?
Havia várias razões para essa escolha. E todas elas mostram como o Brasil já nasceu com uma visão ousada sobre si mesmo:
1) O título de Rei do Brasil já existia!
D. João VI, pai de Dom Pedro I, ainda se intitulava “Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”. Se D. Pedro se chamasse “Rei do Brasil”, pareceria uma continuação do domínio português. Ao escolher “Imperador”, Dom Pedro I criava algo inédito e reforçava a separação entre Brasil e Portugal.
2) Império combinava mais com o Brasil
Historicamente, “Império” era um título usado por nações vastas e multiétnicas. Esse era exatamente o caso do Brasil. Já reinos costumavam ser menores e etnicamente mais homogêneos. Portanto, chamar o Brasil de Império fazia sentido para reforçar sua grandeza territorial.
3) Um toque de nobreza imperial
Dom Pedro I não era qualquer príncipe europeu. O futuro imperador brasileiro descendia de imperadores romanos do Oriente e do Sacro Império Romano-Germânico. Além disso, era casado com uma princesa da Áustria (D. Leopoldina, filha do imperador Francisco I). Em determinado momento, Dom Pedro I quase foi coroado rei da Grécia e até cogitado para unificar Portugal e Espanha como “Imperador da Ibéria”. Sua ligação com o título imperial não era só simbólica, portanto.
Primeiro monarca constitucional do mundo
Uma inovação brasileira que poucos sabem: Dom Pedro I foi o primeiro monarca a colocar oficialmente “Constitucional” no título. Ele se tornava, assim, um imperador vinculado às leis e à Constituição. Essa ideia foi tão impactante que anos depois Afonso XII da Espanha copiou e se autoproclamou “Rei Constitucional da Espanha”.
A relação com a maçonaria e um título pouco conhecido
Muito antes da proclamação da Independência, a maçonaria já estava envolvida nos movimentos independentistas. Em maio de 1822, meses antes do Grito do Ipiranga, Dom Pedro I recebeu da maçonaria o título de “Defensor Perpétuo e Protetor do Brasil”. Assim, consolidou-se como líder do movimento independentista. Esse título continuou sendo usado oficialmente mesmo depois da Independência.
E quando Dom Pedro I assumiu o trono português em 1826, acumulou por um breve período os títulos do Brasil e de Portugal. Assim, sua titulatura ficou gigantesca e impressionante:
“Sua Majestade Imperial & Fidelíssima, Pedro I & IV, Por Graça de Deus e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil; Rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África; Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.”
E as polêmicas?
Dom Pedro I era um líder carismático, mas também um governante controverso. Se por um lado sua aclamação como Imperador foi vista como um ato de soberania nacional, por outro, sua personalidade explosiva e decisões políticas geraram crises. Sua abdicação em 1831 foi um dos momentos mais caóticos da nossa história. Além disso, muitos viam nele um governante autoritário. Posteriormente, seu envolvimento na sucessão portuguesa levou a disputas internas no Brasil, enfraquecendo sua popularidade.
Ainda assim, a escolha do título de Imperador foi um golpe de mestre para consolidar a independência do Brasil e dar ao país um status de grande potência na América Latina. Afinal, não era qualquer nação que se intitulava Império logo de cara!