O Brasil é cada vez mais reconhecido no mundo por sua capacidade militar. O país tem participado de operações a serviço da ONU, no momento mantém tropa na África e esse ano será responsável por comandar uma esquadra naval que garante a segurança de navios mercantes na costa do continente africano.
Entretanto, apesar de ser reconhecido por sua postura pacifista no cenário global, o Brasil possui uma capacidade técnica que desperta curiosidade e preocupação em potenciais inimigos: segundo especialistas do Laboratório Nacional de Los Alamos, nos Estados Unidos, em artigo publicado pelo UOL ainda em 2022, o país poderia desenvolver uma arma nuclear em apenas um ano, caso decidisse abandonar seus compromissos internacionais.
O potencial nuclear brasileiro é real
Os brasileiros dominam o ciclo completo do urânio, uma conquista técnica significativa só alcançada até o momento por 14 nações no mundo. Na Fábrica de Combustível Nuclear de Resende, no Rio de Janeiro (INB), operam centrífugas que enriquecem urânio para uso em reatores nucleares, como os da usina de Angra dos Reis. Esse processo, essencial para energia nuclear, também é o primeiro passo para a produção de material físsil de grau militar.
Segundo estimativas de especialistas de Los Alamos, um dos principais centros de pesquisa nuclear do mundo, o Brasil poderia redirecionar sua infraestrutura para enriquecer urânio a níveis necessários para uma arma nuclear (acima de 90%) em cerca de 12 meses, desde que houvesse vontade política e recursos financeiros suficientes.
Essa capacidade não é novidade. Durante o regime militar (1964-1985), o Brasil conduziu o chamado “Programa Paralelo”, um projeto secreto que buscava dominar a tecnologia nuclear com potencial bélico. Sítios como Cachimbo, no Pará, foram preparados para testes nucleares subterrâneos. Em 1990, o presidente Fernando Collor encerrou simbolicamente esse programa, fechando o poço de testes em Cachimbo e sinalizando uma mudança de rumo. Desde então, o Brasil optou por um caminho de transparência e cooperação internacional, mas a expertise adquirida permaneceu.
“O Brasil integra um grupo seletíssimo entre as potências globais. Além de nosso país, só EUA e Rússia reúnem duas condições fundamentais para desenvolver política nuclear autônoma: reservas significativas de urânio e independência tecnológica”, explicou Sérgio Etchegoyen, general de Exército, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, em entrevista à Folha
Os entraves legais e diplomáticos
Apesar do potencial técnico, o Brasil está vinculado a uma série de compromissos que proíbem o desenvolvimento de armas nucleares. O principal deles é o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), ao qual o país aderiu em 1998. O TNP obriga o Brasil a usar sua tecnologia nuclear exclusivamente para fins pacíficos, sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Qualquer tentativa de desviar urânio enriquecido para armas violaria o tratado, desencadeando sanções econômicas e isolamento diplomático.
Algumas pessoas acreditam que o fato do Brasil estar desenvolvendo submarinos nucleares se trataria de uma violação indireta aos tratados. Mas, o TNP, assinado pelo Brasil em 1998, que proíbe o desenvolvimento de armas nucleares, permite o uso da energia nuclear a propulsão naval. Um submarino nuclear utiliza um reator para gerar energia que move a embarcação, não para produzir ou carregar armas nucleares.
Além disso, o Tratado de Tlatelolco, assinado em 1967, estabelece a América Latina como uma zona livre de armas nucleares. Esse acordo, reforçado pela cooperação com a Argentina por meio da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), garante inspeções mútuas e elimina suspeitas de uma corrida armamentista regional. A Constituição Federal de 1988 também reforça essa postura: o Artigo 21, inciso XXIII, determina que toda atividade nuclear no Brasil deve ser pacífica e aprovada pelo Congresso Nacional. Por fim, a assinatura do Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPAN) em 2017, embora ainda não ratificado, sinaliza o compromisso brasileiro com um mundo sem armas nucleares.

Por que o Brasil não busca armas nucleares, não revisa os tratados e se consagra como potência nuclear
A escolha do Brasil por renunciar às armas nucleares é tanto pragmática quanto ideológica. Primeiro, desenvolver tais armas seria economicamente custoso e politicamente arriscado. Sanções internacionais, como as impostas ao Irã ou à Coreia do Norte, poderiam devastar a economia brasileira, que depende de exportações e parcerias globais. Segundo, a doutrina militar brasileira prioriza a defesa territorial e operações de paz, como as missões da ONU no Haiti, em vez de estratégias de dissuasão nuclear. Terceiro, a política externa brasileira valoriza o multilateralismo e a promoção da paz, o que contrasta com a posse de armas nucleares.
Ainda assim, o domínio da tecnologia nuclear gera debates. Críticos do TNP argumentam que ele perpetua uma hierarquia global, onde apenas cinco países (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido) são reconhecidos como potências nucleares. Durante décadas, o Brasil resistiu ao tratado por considerá-lo “iníquo”, mas aderiu para acessar tecnologias pacíficas e ganhar credibilidade. Essa decisão, porém, limitou sua soberania tecnológica, uma questão que ainda ressoa entre alguns setores militares e acadêmicos.
Uma pesquisa conduzida pela FGV mostra que em caso de conflito ou ameaça grande parcela da sociedade optaria pelo desenvolvimento de armas nucleares: “Constatamos que uma deterioração no ambiente de segurança externa — mesmo quando a natureza da ameaça não é nuclear — aumenta o número de pessoas no público que apoiam a aquisição de armas nucleares, passando de uma minoria baixa (26,4%) para uma minoria alta (45,1%).”
Em um mundo marcado por tensões geopolíticas, o Brasil enfrenta o desafio de preservar sua autonomia tecnológica enquanto cumpre seus compromissos. A expertise nuclear é um ativo estratégico, mas transformá-la em arma seria um passo que contraria não apenas os compromissos assumidos, mas a própria identidade do país como defensor da paz.
Caso um pais vizinho desafiasse o tratado e desenvolvesse seu próprio armamento nuclear talvez o Brasil se visse diante de uma escolha difícil. Assim, pelo menos por enquanto, o país segue como um gigante militar, localizado entre as 12 maiores potências do planeta, mas que escolhe a diplomacia em vez da força bruta.
De fato, Carlo Patti, historiador da Universidade de Pádova, na Itália, que pesquisou extensamente o programa nuclear brasileiro, em artigo da BBC, menciona exatamente essa ameaça externa como diferencial para se optar ou não pelo armamento nuclear.
“O Brasil nunca precisou de armas nucleares para ações de defesa estratégica. Ele nunca teve uma ameaça real por parte de outros países, como uma ameaça da Argentina, ou da União Soviética durante a crise dos mísseis em Cuba. E são as ameaças externas que justificam a existência de um arsenal nuclear, e no Brasil essa ameaça nunca foi séria.“
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar