Capinar ou combater? Por que o Exército Brasileiro ainda carrega a fama de formar mais jardineiros do que soldados
O brasileiro comum já ouviu — ou vive repetindo — que o Exército Brasileiro é bom mesmo é pra capinar mato e pintar meio-fio. Esse é o tipo de fama que gruda, difícil de tirar, e que muita gente nas redes sociais faz questão de manter viva. Mas será que é justo?
É hora de encarar de onde vem essa imagem — e o que realmente acontece por trás dos muros dos quartéis.
1. O sistema de instrução: bonito no papel, desastroso na prática
Quem vê o planejamento dos cursos de formação — como os da AMAN e da ESA — pode até pensar que temos um exército de elite. O problema começa quando se encara a realidade. De acordo com especialistas, há uma série de problemas crônicos no Exército Brasileiro.
- Equipamento caindo aos pedaços: O armamento é o mesmo há décadas. O FAL, por exemplo, ainda é o arroz com feijão da tropa, mesmo com metade das peças precisando de “jeitinho”.
- Pouco efetivo, pouca instrução: Falta gente, especialmente instrutores realmente motivados ou capacitados.
- Manual de fora, realidade de dentro: Muito do que se ensina são traduções de doutrina americana, completamente deslocadas da realidade brasileira — seja geográfica, econômica ou cultural. O que funciona em Nevada não funciona na Caatinga.
O resultado são jovens que saem da formação acreditando que vão virar combatentes operacionais… e descobrem muitas vezes que vão passar o dia “raspando grama com enxada sem cabo”.
2. Conservadorismo crônico
Ainda de acordo com especialistas, outro peso morto nos ombros da tropa é o conservadorismo. E não estamos falando só de política: trata-se de uma cultura institucional que ainda opera como se estivéssemos em plena Guerra Fria.
- Hierarquia engessada: Não se questiona. Não se inova.
- Comando que não desce do pedestal: Segundo especialistas, muitos oficiais de alta patente resistem a qualquer mudança. Preferem repetir fórmulas falidas do que admitir que o mundo mudou.
O problema é que quem tenta pensar fora da caixa acaba punido — ou, no mínimo, ignorado. Assim, até os mais empolgados acabam se conformando com a rotina.
3. Orçamento apertado, estrutura velha
É difícil construir uma tropa de elite com tão baixo orçamento.
- Armas obsoletas: De acordo com militares, o FAL é o símbolo dessa estagnação. Há fuzis mais modernos disponíveis, mas a substituição nunca chega.
- Missões que não são deles: O Exército é chamado pra tudo — desde garantir eleições em áreas isoladas até atuar na segurança pública.
- Falta gente onde mais precisa: A escassez de graduados como sargentos e tenentes impacta diretamente no que se ensina à base.
4. E a tal fama do Exército de só “capinar lote” e “pintar meio-fio”?
A verdade é que a maioria dos jovens que servem por um ano obrigatório sai com a sensação de ter perdido tempo. Ainda de acordo com especialistas, os recrutas não recebem treinamento apropriado para serem combatentes,. Além disso, também não recebem cursos úteis. Assim, fazem bastante faxina, muito serviço de guarda, e uma série de outros trabalhos, incluindo capinar lote e pintar meio-fios.
E isso não é exatamente segredo. Há muitos relatos de militares e testemunhas sobre isso, e nem sempre são histórias divertidas ou engraçadas.
5. O peso do passado
Claro, existem militares de excelência. Há incontáveis homens e mulheres que superam as condições ruins, que treinam por conta própria, que se destacam dentro e fora do Brasil — principalmente em missões de paz, como as da ONU. Mas poderia ser ainda melhor, se houvessem condições melhores para todos os militares brasileiros.

Muita gente diz que essa fama piorou depois do golpe de 1964. Desde então, parte da opinião pública passou a enxergar as Forças Armadas com desconfiança, como um resquício autoritário do passado. Mas culpar o soldado de hoje pelos erros dos generais de ontem é um erro.
A questão é que, entre as críticas legítimas e as campanhas de difamação, o Exército brasileiro segue atolado em uma crise de identidade. Afinal, é uma força de combate ou força de apoio? É instituição de defesa ou de manutenção?