Em uma decisão unânime proferida em XX de agosto de 2023, o Conselho Especial de Justiça para a Aeronáutica da 1ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), sediada em São Paulo, absolveu o 1º tenente aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), L. , da acusação de exercício de comércio por oficial, crime tipificado no artigo 204 do Código Penal Militar (CPM). O caso, registrado sob o número XXX-XX.2022.X.XX.X/SP, ganhou contornos peculiares quando o próprio Ministério Público Militar (MPM), autor da denúncia inicial, manifestou-se pela absolvição do oficial em suas alegações finais.
A denúncia: oficial é sócio em comércio familiar
A denúncia original, oferecida em outubro de 2022, apontava que o tenente L., ao figurar como sócio quotista em duas empresas – um estabelecimento comercial administrado por seu pai e uma empresa de treinamentos profissionais (PT Ltda.) gerida por sua companheira – estaria praticando atos de comércio e gestão, atividades vedadas a oficiais da ativa pelo CPM.
Contudo, após a fase de instrução, que incluiu a oitiva de testemunhas e o interrogatório do réu, a análise do conjunto probatório levou o MPM a uma conclusão diametralmente oposta.
O promotor responsável pelo caso argumentou que seria “natural, compreensível e humano” o desejo do oficial de ver os empreendimentos familiares prosperarem.
O caso tem uma guinada e o MPM pede absolvição
O promotor do caso alegou também que mesmo tendo havido divulgação informal ou comentários sobre os negócios, as provas não demonstraram que ele “gerenciava de forma formal as duas empresas” ou praticava atos de comércio nos termos postulados pela lei penal militar.
O MPM ressaltou que eventuais condutas, como a divulgação de cursos ou o uso de recursos da organização militar para fins particulares (aspectos mencionados nos autos), deveriam ser analisadas na “seara administrativa disciplinar“, mas não configurariam o crime imputado.
A reviravolta pelas provas de gestão
Acolhendo a argumentação final do MPM e da defesa, o Conselho de Justiça, presidido pelo Juiz Federal da Justiça Militar Ricardo Vergueiro Figueiredo, concluiu que os fatos apurados não se enquadravam no tipo penal do artigo 204 do CPM.
A sentença destaca que, embora o conhecimento sobre a participação do oficial nas empresas fosse relativamente comum entre colegas e que ele tenha comentado sobre os cursos oferecidos, não ficou comprovada a prática de atos de gestão ou administração direta.
O próprio tenente, em interrogatório, afirmou ser apenas sócio investidor, prestando auxílio pontual e informal, especialmente ao negócio do pai, e assim mesmo, apenas nos fins de semana.
“Pelo que restou claro, havia um conhecimento geral sobre o tal comércio […] De igual modo, com relação aos cursos profissionalizantes, quando muito, o que havia, era uma ocasional propaganda […] sem redundar em favorecimentos“, afirma um trecho da sentença.
Assim, a absolvição foi decretada com base no artigo 439, alínea “b”, do Código de Processo Penal Militar (CPPM), que prevê a absolvição quando o fato narrado evidentemente não constitui crime.
“É natural, compreensível e humano”, diz o Ministério Público Militar
O MPM, em alegações escritas, representado pelo ilustre Dr. A., após explorar todo o conjunto probatório produzido, pleiteou pela absolvição do réu.
Assim, no entender ministerial, “(…) do cotejo das provas não restou provado que o acusado exerceu atos de comércio, não sendo demonstrado que gerenciava de forma formal as duas empresas.
Obviamente, por se tratarem de duas empresas familiares, formadas mediante sociedade com seu pai e sua esposa, era natural crer que ele acabava por realizar ainda que de maneira informal certa propaganda.
É natural, compreensível e humano a vontade de ver crescer e prosperar os empreendimentos compostos por familiares e dos quais ele mesmo era quotista (…)”.
Distinção entre crime e transgressão militares
E prossegue o Ministério Público Militar, argumentando que “(…) obviamente que, diante de divulgações dos cursos, contatos com militares em palestras no âmbito militar, contato com subordinada mencionando a empresa de cursos e facilidades a cadetes que porventura viessem a se matricular, além de utilização de computador e rede de internet de patrimônio ou vinculação militar para fins de pesquisa referente às empresas de interesse pessoal da qual era quotista, são sim ações reprováveis do ponto de vista da hierarquia e disciplina e podem sim ser caracterizados como atos que vão de encontro ao estabelecido no Estatuto dos Militares, porém, na seara administrativa disciplinar que devem ser analisadas pela Autoridade Administrativa (…)”.
Ao final, conclui o MPM, pleiteando a absolvição do réu,“(…) com fulcro no artigo 439, “b”, do CPPM, ou seja, os fatos não são infrações penais militares, mas sim supostas transgressões disciplinares (…)”
Esfera penal encerrada, disciplinar em aberto, e fim de carreira
A absolvição encerrou a questão na esfera penal militar para o tenente L., referentemente a essa acusação.
Entretanto, a própria sentença e a argumentação do MPM abrem precedente para que a conduta do oficial seja avaliada internamente pela Força Aérea sob a ótica dos regulamentos disciplinares.
A decisão judicial ressalta que eventuais “ausências e atrasos ao expediente“, “não cumprimento do tempo necessário de voos de instrução” ou “utilização dos computadores da Organização Militar para atividades outras que não de interesse da Administração Pública Militar“, se comprovados administrativamente, podem gerar sanções disciplinares a critério da autoridade competente.
O tenente L., que estava para ser promovido à capitão aviador, foi reformado em 13 de maio de 2024, recebendo remuneração proporcional, de acordo com a lei previdenciária militar atual – os dados são do Portal da Transparência. Terminou assim sua carreira na Força Aérea brasileira.