Prometendo salários que podem ultrapassar R$ 25 mil mensais, o governo ucraniano iniciou uma nova campanha direcionada ao Brasil com o objetivo de recrutar cidadãos dispostos a integrar suas tropas. A medida ocorre em meio ao prolongamento do conflito com a Rússia, que já dura mais de três anos. Canais no YouTube, grupos de WhatsApp, Telegram e Signal passaram a ser utilizados ativamente por oficiais e voluntários para divulgar a oportunidade.
A campanha tenta repetir o modelo colombiano, país que já enviou milhares de combatentes à Ucrânia, atraídos pelos altos rendimentos. A página oficial de alistamento do Exército ucraniano agora conta com versão em português, facilitando o acesso de brasileiros interessados. Os perfis mais visados são ex-militares, paramilitares e até civis com experiência prévia em combate, mas mesmo quem não possui histórico militar pode ser aceito após um treinamento básico.
As mensagens que circulam nas redes minimizam os riscos do conflito e destacam os benefícios oferecidos, como apoio logístico, pagamento em dólar e seguro de vida de até US$ 350 mil em caso de morte. Apesar da sedução financeira, autoridades brasileiras alertam que o envolvimento em conflitos estrangeiros representa um risco extremo e pode ter implicações diplomáticas.
Cinegrafista da Amazônia troca profissão por farda e decide buscar nova vida como combatente estrangeiro na guerra da Ucrânia
Entre os brasileiros atraídos pela campanha, o cinegrafista Renato Belém, 38 anos, que vive na região da Amazônia brasileira decidiu abandonar a carreira na comunicação para se juntar ao esforço de guerra ucraniano. Pai de uma menina de 12 anos, ele afirma que deseja juntar dinheiro suficiente para garantir uma vida melhor para sua família e vê o combate como a única saída diante das limitações financeiras no Brasil.
Ex-integrante do 1º Batalhão de Infantaria de Selva e com passagem pela missão militar no Haiti, ele acredita estar preparado para a missão. Com fé e esperança de que voltará com vida, o brasileiro já vendeu o carro e iniciou uma vaquinha por Pix para conseguir o valor necessário para a passagem aérea. Segundo ele, o seguro prometido seria a única garantia de segurança para a filha caso algo aconteça no front. “Logo vou conseguir. Não tem futuro para mim no Brasil”, afirma.
A história dele tem repercutido nas redes sociais, onde se tornou símbolo de uma nova leva de voluntários motivados mais por necessidade financeira do que por alinhamento político ou ideológico, como ocorreu nos primeiros anos da guerra.
Deserções em massa e alta mortalidade aumentam urgência por recrutas estrangeiros nas fileiras do exército ucraniano
Nos últimos meses, a Ucrânia intensificou o recrutamento de estrangeiros em resposta ao aumento do número de desertores e mortes nas linhas de frente. Estima-se que cerca de 100 mil soldados tenham abandonado o combate desde 2022, sendo que mais da metade o fez apenas no último ano. A ofensiva russa na região de Donbass segue avançando lentamente, mas com impacto devastador sobre o efetivo ucraniano.
Embora o governo mantenha o número oficial de baixas em sigilo, fontes locais apontam para dezenas de milhares de mortos. O esforço de alistamento interno também enfrenta dificuldades: a idade mínima para recrutamento obrigatório foi reduzida de 27 para 25 anos, e novas medidas foram adotadas para impedir a fuga de cidadãos aptos ao serviço militar.
Especialistas alertam que a crise demográfica na Ucrânia, com queda populacional de 50 para 32 milhões desde 1991, pode tornar a presença estrangeira fundamental não apenas durante o conflito, mas também no período pós-guerra.
Modelo colombiano inspira recrutamento no Brasil, mas desafios logísticos e frustrações com os pagamentos colocam campanha em xeque
A escolha do Brasil como novo foco da campanha de recrutamento segue a estratégia aplicada na Colômbia. Com histórico de envio de mercenários a diversos conflitos desde os anos 2000, o país vizinho já forneceu cerca de dois mil combatentes à Ucrânia. No entanto, relatos de mortes, burocracia para recebimento de seguros e frustrações salariais têm diminuído o interesse nos últimos meses.
Segundo fontes do Exército ucraniano, o pagamento varia de acordo com a exposição ao risco. A remuneração básica gira em torno de US$ 500 mensais, mas pode chegar a US$ 4.500 para quem atua nas áreas mais perigosas, como nas trincheiras da linha de frente. “Mas as chances de não sair vivo crescem exponencialmente também, e muitos ficam extremamente frustrados quando percebem que não é tão simples receber um salário de US$ 4,5 mil ao mês”.
Além disso, se o corpo de um combatente não for recuperado, o processo de liberação do seguro de vida se torna complexo e exige que familiares compareçam pessoalmente à Justiça ucraniana, dificultando ainda mais o acesso aos benefícios prometidos.
Brasileiros mortos e desaparecidos na guerra alertam para os perigos por trás das promessas de riqueza rápida
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, oito cidadãos brasileiros morreram oficialmente na guerra, enquanto outros 13 estão desaparecidos desde o início do conflito. Os números reais podem ser maiores, já que a participação brasileira ocorre de forma não oficial, muitas vezes à revelia de regulamentações internacionais.
A estimativa é de que cerca de 100 brasileiros estejam atualmente incorporados à Legião Internacional da Ucrânia. Inicialmente, o engajamento era motivado por razões políticas ou ideológicas, mas agora, a realidade econômica brasileira parece ser o principal fator para o aumento do interesse.
Mesmo com os riscos e a falta de garantias, brasileiros seguem tentando viabilizar a viagem. Sem apoio para custear as passagens, muitos recorrem a campanhas de arrecadação e vendas de bens pessoais.
A informação foi divulgada por “correiodobrasil“, que reuniu relatos de brasileiros, fontes ucranianas e agências de notícias internacionais para compor um panorama do atual cenário de recrutamento estrangeiro para a guerra.
* Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados