CHINA – A estratégia do ‘Going abroad’

CHINA – A estratégia do ‘Going abroad’ – A“nova” política chinesa de investimento em recursos energéticos no exterior.

Paulo Duarte é doutorando em Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa – ISCSP-UTL, Portugal, e investigador no Instituto do Oriente (duartebrardo@gmail.com).

A estratégia do ‘Going abroad

Segundo Christina Lin, “desde que a China se tornou importador energético, em 1993, que tem adotado uma estratégia ‘going abroad’, com o objetivo de adquirir ativos energéticos no estrangeiro, transformando as rotas históricas numa rede moderna de oleodutos e gasodutos, vias férreas e estradas com vista aos seus abastecimentos energéticos” (2011: ix). A campanha oficial, lançada em 2002, com o objetivo de incentivar as empresas chinesas a investir no estrangeiro revela, como nota Aaron L. Friedberg, “um ar de improvisação, senão de desespero” (2006: 22). Desde que esta política foi anunciada, as companhias chinesas (em especial, as estatais) têm demonstrado um interesse extraordinário em adquirir ativos no estrangeiro, por vezes, “aparentemente alheias a considerações de ganhos e perdas” (Friedberg, 2006: 22).

Ainda que, à primeira vista, pudéssemos ser levados a pensar que o impulso inicial para o ‘Going abroad’ partiu do Governo chinês, tal não sucedeu. Ao invés, “a iniciativa de explorar os recursos energéticos estrangeiros proveio das empresas petrolíferas chinesas, nomeadamente da China National Petroleum Corporation (CNPC), que foi a primeira a experimentar a expansão internacional na década de 80” (Downs, 2006: 38). Consciente de que a produção doméstica de petróleo não acompanhava o intenso ritmo do consumo interno, a CNPC percebeu na aquisição de ativos de petróleo estrangeiro um meio eficaz para reforçar a sua produção (Lee, 2012).1 Note-se que “a CNPC tinha vindo a incorrer em largos prejuízos desde a sua criação, em 1988, visto que o custo da produção de um barril de petróleo na China era superior ao preço do crude estipulado pelo Estado, ao qual a companhia era obrigada a vender a maior parte da sua produção” (Pascual e Elkind, 2010: 79).

Contudo, segundo Erika Downs, o Partido Comunista não comungava, “pelo menos inicialmente”, de um tal objetivo de “internacionalização”, uma vez que para os dirigentes chineses “o recurso às importações petrolíferas era visto como um fenómeno temporário, suscetível de ser resolvido através do aumento da produção energética doméstica” (2006: 39). Além disso, o Partido exprimia “uma certa apreensão face à internacionalização das operações das companhias petrolíferas chinesas”, já que estas poderiam oferecer “uma oportunidade para os seus gestores enriquecerem à custa do Estado” (Downs, 2006: 39). Porém, como explica Tong Xiaoguang, “à medida que o consumo energético interno crescia, a posição do Governo parecia mudar, até que em 1997, a posição defendida nos círculos académicos, industriais, e ao nível governamental, era a de que deveria fomentar-se o ‘going abroad’” (2004: 7).

Na última década, as três principais companhias estatais chinesas (CNPC, SINOPEC e CNOOC) têm assinado contratos de fornecimento de petróleo e de gás natural liquefeito, a longo prazo, em numerosos países de África, Ásia, América Latina e Médio Oriente, investido em importantes projetos de gasodutos e oleodutos, e adquirido participações acionistas em campos petrolíferos no estrangeiro (o chamado “controlo físico sobre os abastecimentos de petróleo”) (Herberg e Zweig, 2010: 9). A este respeito, Shaofeng Chen, refere que “o essencial é obter tecnologia e capital para explorar petróleo no estrangeiro” (2008: 81). Na prática, o Governo incentiva as petrolíferas estatais chinesas a realizarem contratos de longo prazo com os países produtores de petróleo e gás natural, ou a obterem ativos na indústria energética (Kennedy, 2010). A China prefere a via do controlo direto dos recursos, ao invés de se sujeitar à oferta do mercado internacional energético, já que além de evitar a instabilidade dos preços, o controlo direto do petróleo e gás externos revela-se uma estratégia mais segura do que a obtenção dos recursos a partir do mercado internacional. No entendimento de Zhou Dadi, quanto maior for a participação detida pelas companhias estatais chinesas no mercado energético internacional, maior a sua capacidade de suportar o aumento dos preços do petróleo (Zhou Dadi e Zhu Xingshan, 2002).

Como referem Herberg e Zweig, “os conselheiros energéticos e as autoridades financeiras, incluindo a China Investment Corporation, têm afirmado, por diversas vezes, a sua intenção de agir com celeridade para garantir os recursos petrolíferos enquanto os preços dos ativos estão baixos e os ativos de melhor qualidade não chegam ao mercado” (2010: 14). No entanto, “tal suscita apreensão em outros países importadores de petróleo quanto ao facto de as reservas financeiras de Pequim estarem a converter-se numa espécie de “mealheiro” que financia aquisições para a China continuar a tomar controlo sobre os abastecimentos energéticos e, potencialmente, enfraquecer o acesso de terceiros a futuros fornecimentos” (Herberg e Zweig, 2010: 14). Existem outros benefícios que as petrolíferas estatais chinesas poderão alcançar ao produzirem petróleo no estrangeiro. Estas compreenderam que a aposta no estrangeiro lhes proporciona uma vantagem competitiva face às petrolíferas internacionais, já que ao realizarem negócios no estrangeiro pode contribuir para que as NOCs chinesas a alcancem a capacidade de operar globalmente, de modo a tornarem-se importantes petrolíferas multinacionais, a reforçar a sua perícia, a “conhecer melhor as regras e práticas internacionais”, a encontrar um nicho nos mercados externos, a ganhar experiências de gestão e de comercialização, a exportar técnicas laborais e tecnologias de exploração petrolífera, e por aí adiante (Xiajie Xu, 2007: 3). De acordo com ZhongXiang Zhang, “as políticas de going abroad ajudam as companhias estatais chinesas a crescer e a construir negócios à escala global” (2012: 28).

Desde o final dos anos 90 que Pequim tem procurado securitizar o acesso ao petróleo e ao gás natural ao longo da sua fronteira interior, na Rússia e na Ásia Central, bem como no Médio Oriente (China’s Energy Policy, 2012). Por outro lado, Ellings e Friedberg acrescentam que “a China também tem participado em importantes empreendimentos energéticos no Pacífico ocidental, na África ocidental e na América Latina” (2006: 23). Segundo Bob Broxson, de 2009 a 2011, “o investimento líquido das empresas cotadas mundialmente, por parte das 50 maiores companhias petrolíferas mundiais, foi de 107 biliões de dólares”, sendo que “aquisições por parte das NOCs chinesas representaram mais de 50% do total (54.1 biliões de dólares)”, em resultado da implementação intensiva da estratégia going abroad (2012: 4). Tomando, ainda, como exemplo o ano de 2009, Pequim e as suas petrolíferas embarcaram numa espécie de ‘maratona de compras’, adquirindo companhias energéticas e campos petrolíferos, um pouco por todo o mundo (Kennedy, 2013). Como informa Mikkal Herberg e David Zweig, “o Governo chinês também acordou uma série de ofertas de empréstimo à Rússia (25 biliões de dólares), Brasil (10 biliões de dólares), Cazaquistão (5 biliões de dólares), Venezuela (4 biliões de dólares), Angola (1 bilião de dólares), e Equador (1 bilião de dólares), financiados pelos bancos estatais e autoridades de investimento para garantir contratos de abastecimento petrolífero de longo prazo, com o intuito de apoiar novas aquisições de campos petrolíferos” (2010: 13-14).

Durante a última década, a China aumentou a sua base energética no Grande Médio Oriente, abrangendo os principais países islâmicos da Ásia Central, o Cáucaso, o sudoeste da Ásia, e uma parte dos Balcãs e do norte de África (The New York Times, 2013). Numa primeira fase, a estratégia chinesa de exploração de petróleo no estrangeiro esteve, sobretudo, limitada às regiões situadas ao longo do ‘eixo energético’, a saber, a Rússia, a Ásia Central e o Médio Oriente (Andrews-Speed et al., 2004). Contudo, desde o fim do século passado, a procura chinesa de petróleo tem conhecido uma expansão mundial, no âmbito da qual, África e a América Latina passaram a ser importantes centros abastecedores de recursos energéticos (Duarte, 2012; Mingramm et al, 2010; Ellis, 2012; Jiang Shixue, 2008; Yuan Jingdong, 2011). Christina Lin considera que “grande parte desta atividade se deve ao facto de a China perceber a segurança energética em termos geopolíticos e estratégicos, e não puramente económicos” (2011: ix).

Segundo Jing-dong Yuan (2011), o Médio Oriente permanecerá o principal abastecedor petrolífero da China no futuro previsível. Idris Demir considera ser sensato afirmar que o Império do Meio e o Médio Oriente formam “um mercado natural de petróleo” devido à “riqueza das reservas petrolíferas da região”, bem como à “crescente procura energética da China, em especial a curto prazo” (2010: 525). Além disso, segundo Mehmet Öğütçü e Xin Ma, o facto de a China e o Golfo Pérsico não compartilharem fronteiras, contribui para que ambos não tenham de enfrentar “os obstáculos de uma história amarga e impregnada de desconfiança recíproca” (2007: 110). Voltando a Idris Demir, “é, igualmente, provável que o Golfo Pérsico satisfaça as crescentes necessidades energéticas da China em termos de gás natural” (2010: 525). O Irão, o Qatar, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos são, respetivamente, “o segundo, terceiro, quarto e quinto países do mundo com maiores reservas de gás natural, a seguir à Rússia” (Demir, 2010: 525). Por outro lado, como sublinham Dexter Roberts e Stanley Reed, o Iraque é visto como “uma nova opção, fundamental, para a indústria petrolífera chinesa”, permitindo, assim, “diversificar as importações que a China recebe do Irão e da Arábia Saudita” (2010: para. 3). Ao contrário das reservas de gás russas, existe um número considerável de reservas de gás natural comprovadas, no Médio Oriente, que não foram ainda (suficientemente) exploradas. Zhu Feng considera que “o Médio Oriente desempenha uma importância crescente no seio da estratégia energética chinesa no estrangeiro” (2010: 31).2 Com efeito, Christopher Alessi e Stephanie Hanson informam que “a China importa mais de metade do petróleo [que consome] do Médio Oriente, que detém cerca de 62% das reservas mundiais” (Council on Foreign Relations, 2012: para. 3).

Segundo Andrew White, “a Arábia Saudita é, hoje, a maior fonte do petróleo importado pela China” (2012: para. 4). Os dois países estão a tentar desenvolver “um amplo e recíproco investimento energético e laços comerciais na refinação de petróleo, gás natural, e petroquímicos” (White, 2012: para. 6). De acordo com Herberg e Zweig, os sauditas estão conscientes de que “a China será o seu principal cliente de petróleo e petroquímicos no futuro”, e, portanto, têm vindo a canalizar a sua atenção para oriente, “em busca de uma relação muito mais estreita a nível político e diplomático com Pequim” (2010: 17). Charles Freeman, ex-embaixador norte-americano na Arábia Saudita, sugere que esta está a desposar “uma chinesa”; os sauditas não se estão a divorciar de nós [dos Estados Unidos]. No Islão é possível ter-se mais que uma esposa, e eles [os muçulmanos] lidam bem com isso” (Cit. por Mufson, 2006: para. 4).

Sudham Ahalingam informa que “a China tem demonstrado um interesse considerável pela região do Cáspio” (2009: 202). Esta é, aliás, uma das poucas regiões onde as companhias internacionais são convidadas a investir em ambos os setores upstream e downstream (Ahalingam, 2009: 202). Ao invés, como sublinha Gawdat Bahgat, “muitos produtores do Golfo Pérsico, como também a Rússia, se têm mostrado relutantes, desde o início da década de 2000, em autorizar investimento estrangeiro nas suas operações upstream” (2006: 3). As companhias energéticas chinesas estão, também, presentes em pontos mais distantes do planeta, como é o caso da América Latina (Ferchen, 2012). O bom relacionamento entre o Império do Meio e a América Latina antecede o advento dos Governos sociais-democratas na região (Domínguez, 2006). Nos últimos anos, estes laços políticos têm sido reforçados de forma a servirem as necessidades energéticas da China (Iturre e Mendes, 2010; Jiang Shixue, 2007). Ao contrário da muito mediatizada presença chinesa em África, Jorn Dosch e David Goodman consideram que “a emergência da China enquanto importante ator na América Latina apenas ganhou visibilidade recentemente no seio da comunidade académica, embora seja, ainda, uma área pouco estudada” (2012: 3). De facto, como nota David Mares, “enquanto anteriormente os investimentos das NOCs asiáticas se concentravam em grandes ativos no Médio Oriente e na região do Cáspio em 1990, mais recentemente, as companhias estatais asiáticas têm vindo a diversificar as suas operações a nível mundial, interessando-se, cada vez mais, pela América Latina” (2011: 9). Note-se que “a constante instabilidade no Médio Oriente comporta um elevado risco em termos de investimento na região, tornando as Américas mais atrativas” (Mares, 2011: 9).

A visita do antigo Presidente chinês Jiang Zemin – “a mais ambiciosa viagem latino-americana realizada por um líder chinês” – à Venezuela, Cuba, Chile, Argentina, Uruguai e ao Brasil, em 2001, contribuiu para despertar o interesse chinês pela América Latina (Kurlantzick, 2007: 34). Por sua vez, em 2004, aquando do 12º Encontro de Líderes da APEC no Chile, Hu Jintao realizou uma visita de 13 dias à América latina, “marcando o início de uma nova fase nas relações trans-Pacífico de Pequim” (Dosch e Goodman, 2012: 3). Estas visitas têm, entre outros aspetos, contribuído para estimular as relações comerciais entre o Império do Meio e a América Latina. A título ilustrativo, como informam Dosch e Goodman, “o comércio da China com a região foi de 180 biliões de dólares em 2010, evidenciando não só um aumento de 50% relativamente a 2009, mas, também, um padrão de forte crescimento desde 2000, quando o volume de comércio entre a China e a América Latina foi de apenas 13 biliões de dólares” (2012: 3).

Bibliografia

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Andrews-Speed, P. (2004). Energy Policy and Regulation in the People’s Republic of China. The Hague: Kluwer Law International.

Demir, I. (2010). Revival of the Silk Road in Terms of Energy Trade, Ahi Evran University, 9(3): 513 -532

Downs, E. (2006). China, The Brookings Foreign Policy Studies

Duarte, P., (2012). Soft China: O Caráter Evolutivo da Estratégia de Charme Chinesa, Contexto Internacional, Rio de Janeiro, vol. 34, n.º 2, 501-529.

Ellis, E. (2012). The Expanding Chinese Footprint in Latin America, New Challenges for China, and Dilemmas for the US, Asie Visions, 49.

Friedberg, A., (2006). The National Bureau of Asian Research, NBR Analysis, 17, number 3

Herberg, M. e Zweig, D. (2010). China’s energy rise, the U.S., and the new geopolitics of energy, Pacific Council on International Policy

Jing-dong Y. (2011), World Politics Review, December 20, www.worldpoliticsreview.com/articles/10992/the-arab-spring-and-chinas-evolving-middle-east-policy

Kennedy, EconoMonitor, September 3, 2013, https://www.economonitor.com/blog/2013/09/chinas-hydrocarbon-buying-spree-hits-19-billion/

Kurlantzick J., (2007). Charm Offensive: How China’s Soft Power is Transforming the World, New Haven: Yale University Press

Lee, J. (2012). The Diplomat, October 4, https://thediplomat.com/china-power/the-tragedy-of-chinas-energy-policy/

Lin, C. (2011). The New Silk Road – China’s Energy Strategy in the Greater Middle East, Policy Focus #109

Mufson (2006). The Washington Post, April 15, https://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2006/04/14/AR2006041401682.html

Öğütçü, M. e Xin M. (2007). Growing Links in Energy and Geopolitics: China and the Middle East, Insight Turkey, 9, n.º 3

Roberts, D. and Reed, S. (2010), Red Star over Iraq, Bloomberg Businessweek, January 21, 2010, www.businessweek.com/magazine/content/10_05/b4165044386657.htm

The New York Times, June 2, 2013, https://www.nytimes.com/2013/06/03/world/middleeast/china-reaps-biggest-benefits-of-iraq-oil-boom.html?pagewanted=all&_r=0

Tong X. (2004). Implement the ‘going out’ strategy to fully utilize oil and gas resources abroad], [Land and resources], China Academic Journals, n.º 2

White, A, International Bar Association, 2012, https://www.ibanet.org/Article/Detail.aspx?ArticleUid=c4584834-e2f2-431e-baa1-58d7f627aec7

Zhou D. e Zhu X. (2002). China’s Petroleum Resources Supply and Security Strategy [Zhongguo shiyou gongying yu anquan zhanlue], International Petroleum Economics, n.º 12

1 Por outro lado, a CNPC também procurou o caminho do estrangeiro para gerar lucros através da venda da sua produção externa ao mercado internacional, ao invés de vender ao mercado doméstico chinês (Xiaojie Xu, 2007).

2 O Médio Oriente possui os custos de exploração e desenvolvimento mais baixos para o gás natural do que qualquer outra região que possui reservas de gás natural no mundo. Por outro lado, os países da região do Golfo têm mostrado uma grande abertura ao investimento externo em operações envolvendo gás natural. Graças a este promissor ambiente de negócios tanto a China, como os Estados do Golfo, em especial a Arábia Saudita e o Irão, têm reforçado ainda mais a sua parceria nas indústrias do petróleo e do gás (Bahgat, 2005: 125-126).

 

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Sociedade Militar