Forças Armadas

Militar na RESERVA pode acumular cargo de professor e receber salário normalmente, diz TCU

Com certa frequência a Revista Sociedade Militar recebe questionamentos / denúncias sobre militares da RESERVA que são impedidos de exercer cargos de professor. O Tribunal de Contas da União já se manifestou de forma bem clara nesse sentido, esclarecendo Forças Armadas e instituições que porventura contratem ou pretendam contratar militares da reserva para o magistério.

O texto abaixo foi assinado pelos ministros JOÃO AUGUSTO RIBEIRO NARDES e AROLDO CEDRAZ. Entre várias colocações destacamos:

Assim, entendo que a presente consulta deve ser respondida afirmativamente quanto à possibilidade de que o militar inativo exerça cargo de magistério público e acumule os seus proventos da inatividade com os vencimentos do cargo de professor

Trata-se de Consulta formulada ao Tribunal pelo Senhor Ministro de Estado da Defesa, Celso Amorim, mediante a qual indaga a esta Corte de Contas sobre a “possibilidade de militar inativo cumular cargo público de magistério…

Resposta resumida

… É oportuno assinalar que o Supremo Tribunal Federal já deliberou nesse mesmo sentido. É o que se depreende do Acórdão proferido no Mandado de Segurança 22.182-8/RJ, no qual o STF decidiu que a questão da acumulação de proventos com vencimentos, quer se trate de servidor público militar, quer se trate de servidor público civil, se disciplina constitucionalmente de modo igual. Assim, entendo que a presente consulta deve ser respondida afirmativamente quanto à possibilidade de que o militar inativo exerça cargo de magistério público e acumule os seus proventos da inatividade com os vencimentos do cargo de professor…

Nos termos do art. 57 da mencionada Lei 6.880/1980, é possível a acumulação de proventos de inatividade pelos militares transferidos para reserva remunerada ou reformados com proventos do cargo de professor. Dispõe o dispositivo legal em referência que “a proibição de acumular proventos de inatividade não se aplica aos militares da reserva remunerada e aos reformados quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados”…. e

… a carreira militar requer dedicação exclusiva, caracterizando-se por ser atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas (art. 5º da Lei 6.880/1980). Além disso, o § 1º do mesmo artigo preceitua que ‘a carreira militar é privativa do pessoal da ativa  …  é possível concluir que, à luz do disposto no art. 57 da Lei 6.880/1980, a situação dos militares da reserva ou reformados que passam a exercer cargo público de magistério está amparada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Veja abaixo a resposta completa do TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

TC 036.695/2011-4

Natureza: Consulta. Órgão: Ministério da Defesa. Interessado: Ministério da Defesa.

SUMÁRIO: CONSULTA. MINISTÉRIO DA DEFESA. SOBRE A POSSIBILIDADE DE INATIVO ACUMULAR CARGO PÚBLICO DE MAGISTÉRIO, COM BASE NA APLICAÇÃO DO ART. 37, INCISO XVI, ALÍNEA b, DA CONSTITUÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE DO CONSULENTE. RESPOSTA AFIRMATIVA.

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RELATÓRIO

Trata-se de Consulta formulada ao Tribunal pelo Senhor Ministro de Estado da Defesa, Celso Amorim, mediante a qual indaga a esta Corte de Contas sobre a “possibilidade de militar inativo cumular cargo público de magistério, com base na aplicação analógica do art. 37, inc. XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal”.

  1. Ao examinar a matéria, a Secretaria de Fiscalização de Pessoal – Sefip elaborou a instrução a seguir transcrita, cuja conclusão foi endossada pelos Dirigentes da Unidade Técnica, expressa nos seguintes termos:

 

“Trata-se do Aviso nº 295/MD, datado de 18/11/2011, encaminhado ao Tribunal pelo Ministro de Estado da Defesa, por meio do qual o interessado faz ‘(…) consulta acerca da possibilidade de militar inativo cumular cargo público de magistério, com base na aplicação analógica do art. 37, inc. XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal’ (peça 1).

  1. Primeiramente, destaco que o interessado figura entre as autoridades descritas no art. 264 do Regimento Interno do TCU para formular consulta a este Tribunal. Em segundo lugar, o questionamento não versa sobre caso concreto. E, por fim, a demanda se faz acompanhada de parecer da Consultoria Jurídica do Órgão consulente. Portanto, a peça introdutória preenche os requisitos de admissibilidade ínsitos no art. 265 do Regimento Interno do TCU.
  2. De qualquer modo, impende registrar que a opinião jurídica (Parecer nº 245 2011/CONJUR-MD/AGU) que acompanha a dúvida do consulente foi elaborada em resposta a um requerimento administrativo de brigadeiro engenheiro, que intentava acumular ‘(…) seus proventos da reserva com subsídio de professor em instituição pública’ (peça 1). O pleito foi indeferido com fundamento no que segue: ‘(…) os termos do art. 142, § 3º, incs. II e III da Constituição Federal combinados com os artigos 98 e 117 da Lei nº 6.880/80, em suas redações atuais, a decisão proferida no Acórdão nº 1310/2005 TCU-Plenário e a conclusão posta no Parecer nº 373/CONJUR-MD/2009’(peça 1).
  3. Mediante o Acórdão 1310/2005-TCU-Plenário, mencionado no Parecer nº 245 2011/CONJUR-MD/AGU, o Tribunal apreciou embargos de declaração opostos contra o Acórdão 1.840/2003, prolatado também pelo Plenário, tendo se posicionado nos seguintes termos:

 

‘9.2. conhecer dos embargos de declaração opostos pelo Exmo Sr. Ministro de Estado da Defesa e acolhê-los, conferindo-lhes, excepcionalmente, efeitos infringentes para dar nova redação aos itens 9.1 e seguintes do Acórdão 1.840/2003-Plenário:

‘9.1. conhecer da consulta para respondê-la nos seguintes termos:

9.1.1. na vigência da Constituição Federal de 1988, mesmo após a Emenda Constitucional 20/1998, a acumulação de proventos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, independentemente de o beneficiário ser servidor público ou militar, com exceção da hipótese do item 9.1.4;

9.1.2. o art. 11 da Emenda Constitucional 20/1998 permitiu àqueles que preencheram as condições nele especificadas até 16/12/1998, continuar acumulando os proventos de aposentadoria, reserva remunerada ou reforma com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, respeitando-se o limite salarial do funcionalismo público;

9.1.3. caso a pessoa se enquadre na hipótese do art. 11 da EC/1998, perceba proventos de aposentadoria de cargo civil e implemente as condições para aposentar-se no novo cargo, somente poderá fazê-lo se renunciar à percepção dos proventos decorrentes da aposentadoria anterior;

9.1.4. caso a pessoa se enquadre na hipótese do art. 11 da EC/1998, perceba proventos oriundos de reserva remunerada ou reforma e implemente as condições para se aposentar no novo cargo, poderá fazê-lo, apenas nessa hipótese, acumulando os proventos decorrentes da aposentadoria, aos da reserva remunerada ou reforma anterior;

9.2. encaminhar cópia deste acórdão, acompanhado do relatório e voto que o fundamentam, à autoridade consulente; e

9.3. arquivar o presente processo’.

 

  1. A inquirição do consulente, portanto, não é respondida pela nova redação do subitem 9.1.1 do Acórdão 1.840/2003-TCU-Plenário. O cerne deste processo reside na discussão sobre a regularidade (ou não) de o militar inativo acumular proventos com remuneração de cargo público de professor, uma vez que na atividade o militar fica impedido de tomar posse em cargo público civil. Nos autos do TC 023.311/2011-8 (auditoria de conformidade no Comando do Exército), ainda em execução, esta Secretaria de Fiscalização de Pessoal, por intermédio da 4ª Diretoria Técnica, realizou extenso estudo sobre as regras de acumulação de cargos públicos por parte dos militares. Por abarcar a situação hipotética a que se refere a presente consulta, transcrevo a seguir inteiro teor desse trabalho:

 

‘A proibição de acumular cargos/funções públicos foi tratada na CF/1967, com redação dada pela EC 01/1969, em seu art. 99, nos seguintes termos:

Art. 99. É vedada a acumulação remunerada de cargos e funções públicas, exceto:

I – a de juiz com um cargo de professor;

II – a de dois cargos de professor;

III – a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; ou

IV – a de dois cargos privativos de médico.

  • 1º Em qualquer dos casos, a acumulação somente será permitida quando houver correlação de matérias e compatibilidade de horários.
  • 2º A proibição de acumulação estende-se a cargos, funções ou empregos em autarquias, emprêsas públicas e sociedade de economia mista.
  • 3º Lei complementar, de iniciativa exclusiva do Presidente da República, poderá estabelecer, no interêsse do serviço público, outras exceções à proibição de acumular, restritas a atividades de natureza técnica ou científica ou de magistério, exigidas, em qualquer caso, correlação de matérias e compatibilidade de horários.
  • 4º A proibição de acumular proventos não se aplica aos aposentados, quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de um cargo em comissão ou quanto a contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados.

 

  1. Quanto aos militares, aquela ordem constitucional previu, explicitamente, regras diferenciadas relativamente à acumulação de cargos e funções públicas. Observe o disposto nos §§ 4º e 9º do art. 93:

Art. 93. As patentes, com as vantagens, prerrogativas e deveres a elas inerentes, são asseguradas em toda a plenitude, assim aos oficiais da ativa e da reserva como aos reformados.

(…)

  • 4º O militar da ativa empossado em cargo público permanente, estranho à sua carreira, será imediatamente transferido para a reserva, com os direitos e deveres definidos em lei.

(…)

  • 9º A proibição de acumular proventos de inatividade não se aplicará aos militares da reserva e aos reformados, quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados. (Grifo nosso)

 

  1. Posteriormente, o Estatuto dos Militares, Lei 6.880, de 9/12/1980, ao regulamentar as regras acima transcritas, reproduziu, em seu art. 57, o disposto no § 9º; e no art. 117, com redação dada pela Lei 9.297/1996, regulamentou a situação do militar ativo empossado em cargo público permanente, estranho à sua carreira:

Art. 57. Nos termos do § 9º, do artigo 93, da Constituição, a proibição de acumular proventos de inatividade não se aplica aos militares da reserva remunerada e aos reformados quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados.

Art. 117. O oficial da ativa que passar a exercer cargo ou emprego público permanente, estranho à sua carreira, será imediatamente demitido ex officio e transferido para a reserva não remunerada, onde ingressará com o posto que possuía na ativa e com as obrigações estabelecidas na legislação do serviço militar, obedecidos os preceitos do art. 116 no que se refere às indenizações.

 

  1. A Constituição Federal de 1988 inovou ao cuidar da questão da acumulação remunerada de cargos públicos, estabelecendo nos incisos XVI e XVII do art. 37 que:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(…)

XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

  1. a) a de dois cargos de professor; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
  2. b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
  3. c) a de dois cargos privativos de médico; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
  4. c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)

XVII – a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

 

  1. Quanto aos militares, especificamente, o art. 142 da atual Carta Magna dispõe nos incisos II e VIII do § 3º, o seguinte:

‘Art. 142 (…)

  • 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (grifo nosso)

II – o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei;

(…)

VIII – aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV;

(…)’

 

  1. Observe que ambos os incisos foram incluídos no art. 142 pela EC 18/1998.

 

  1. Merece, ainda, reprodução, a regra contida no § 10 do art. 37, incluído pela EC 20/1998:

 

‘§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.’ (Grifo nosso)

 

  1. Inicialmente, registre-se que não há que se falar em acumulação de cargos públicos por militar que se encontrar em atividade. Isso porque o inciso II do § 3º do art. 142 da atual Carta Magna, transcrito anteriormente, traz proibição nesse sentido. Essa mesma previsão já constava da EC 1/1969, no § 4º do art. 93. Significa dizer que o militar ativo não pode exercer seu ofício de forma simultânea com qualquer outro ofício civil. A explicação para isso é que a carreira militar requer dedicação exclusiva, caracterizando-se por ser atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas (art. 5º da Lei 6.880/1980). Além disso, o § 1º do mesmo artigo preceitua que ‘a carreira militar é privativa do pessoal da ativa, inicia-se com o ingresso nas Forças Armadas e obedece às diversas sequências de graus hierárquicos’ (grifo nosso).
  2. Sobre esse assunto, cita-se trecho da manifestação do então titular desta Secretaria acerca da proposta de encaminhamento formulada pela Unidade Técnica, que analisou Embargos de Declaração opostos ao Acórdão TCU-1840/2003-Plenário, na forma determinada pelo Ministro Relator do TC 006.538/2003-7 Walton Alencar Rodrigues, reproduzida em seu relatório:

 

‘(…) Assim, o fato de os cargos da carreira militar não poderem ser acumulados, na atividade, com outros, dada a natureza das atribuições a eles inerentes, que requerem integral dedicação ao trabalho, não constitui fator impeditivo, de per si, para que, afastado o requisito de dedicação integral ao serviço (o que se dá com a inativação), tais cargos venham a ser acumulados com outros.

Feito esse registro, penso que a matéria ventilada na presente Consulta tem sua norma de regência adstrita ao texto constitucional, sendo irrelevante, para o seu deslinde, as circunstâncias específicas que disciplinam o efetivo exercício das funções militares (…).’

 

  1. Há que se ressaltar, entretanto, o disposto no § 1º do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT): ‘É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou indireta’ (grifo nosso). Isso porque, conforme visto, é proibida a acumulação de cargos públicos por militar da ativa, inclusive na vigência da constituição anterior. Além disso, a regra constante do § 9º do art. 93 da EC 1/1969, reproduzida no art. 57 da Lei 6.880, de 9/12/1980 (Estatuto dos Militares), não incluía, entre as ressalvas, a possibilidade de acumulação de dois cargos privativos de médico sendo exercidos por médico militar na administração pública. Apesar disso, optou o constituinte originário por convalidar situações fáticas existentes na época da promulgação da CF/1988, de médicos militares ocupando outro cargo privativo de médico na administração pública, inserindo o referido dispositivo no ADCT, garantindo, desse modo, a preservação de ambos os vínculos, com todos os direitos a eles inerentes.
  2. Observa-se que o citado dispositivo do ADCT aplica-se, tão somente, para as situações constituídas na época da promulgação da CF/1988. Ou seja, o texto constitucional só legitimou a acumulação de dois cargos privativos de médicos na administração pública aos militares que já estavam exercendo os referidos cargos na data de sua promulgação. Veja-se a jurisprudência do STF nesse sentido (AI 734.060-DF, Min. Ricardo Lewandowski, Julgamento em 3/12/2008):

 

‘(…)

  1. A ressalva derivada do artigo 17, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT alcança exclusivamente os médicos que se encontravam exercendo 02 (dois) cargos públicos à data em que fora promulgada a Constituição Federal, à medida que, tratando-se de regra de natureza transitória e endereçada a regular especificamente as situações que se encontravam consolidadas, não pode ser transmudada em regra de natureza permanente e alcançar situações que somente se estabilizaram em tempo consideravelmente posterior à entrada em vigor da Carta Magna.

(…)’

 

  1. Ressalte-se, ainda, o caso do militar da ativa que tomar posse em cargo ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta. É que, para esse caso, o inciso III do § 3º do art. 142 da CF/1988 permite que ele fique afastado, por até dois anos, contínuos ou não, permanecendo agregado ao respectivo quadro militar enquanto durar o afastamento, e posteriormente, seja transferido para a reserva, caso opte pelo cargo público civil. Vejamos o inteiro teor do dispositivo constitucional:

‘III – O militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;’ (grifo nosso)

 

  1. Observe que no Estatuto dos Militares, Lei 6.880/1980, já havia essa previsão:

 

‘Art. 82. O militar será agregado quando for afastado temporariamente do serviço ativo por motivo de:

(…)

XIII – ter sido nomeado para qualquer cargo público civil temporário, não eletivo, inclusive da administração indireta; e

(…)

Art. 98. A transferência para a reserva remunerada, ex officio, verificar-se-á sempre que o militar incidir em um dos seguintes casos:

(…)

XV – ultrapassar 2 (dois) anos de afastamento, contínuos ou não, agregado em virtude de ter passado a exercer cargo ou emprego público civil temporário, não-eletivo, inclusive da administração indireta; e

(…)’

 

  1. Tendo em conta as regras quanto à acumulação de cargos públicos, as questões que se colocam, no que se refere aos militares, são as seguintes:

1ª  As regras constantes do art. 37 da CF/1988 são aplicáveis, indistintamente, a toda a administração pública e a todos os servidores públicos, inclusive aos militares?

2ª  O fato de os incisos XVI e XVII do art. 37 da CF/1988, que tratam da vedação de acumulação remunerada de cargos públicos, não constarem, explicitamente, como aplicáveis aos militares, nos termos do art. 142, § 3º, inciso VIII, da CF/1988, significa que, em razão disso, podem acumular quaisquer cargos?

3ª  o art. 57 da Lei 6.880/1980, que reproduz a regra contida no § 9º do art. 93 da CF/1967, com a redação dada pela EC 1/1969, foi recepcionada pela atual Carta Política, vez que esta estabelece normas diferenciadas, mais elásticas, quanto à vedação da acumulação de cargos públicos?

  1. Responder a essas perguntas não se mostra uma tarefa fácil. Contudo, à luz do vigente texto constitucional, do Estatuto dos Militares, da jurisprudência deste Tribunal, do STJ e do STF, bem como da doutrina, faz-se, a seguir, uma análise técnica pormenorizada, visando encontrar as respostas possíveis.
  2. Para tanto, faz-se necessário o uso da hermenêutica jurídica, consistente em interpretar as normas, princípios e valores jurídicos dentro de um sistema hierarquizado, tendo o atual texto constitucional como parâmetro. No caso em análise, o método de interpretação sistemática parece-nos o mais adequado, já que as regras vigentes atinentes aos militares devem ser consideradas e analisadas em conexão com o restante do ordenamento jurídico, visto que elas se comunicam. Isso porque, caso consideradas, de per si, como ilhas estanques, podem apresentar aparentes antinomias.
  3. Quanto à primeira questão que se apresenta, forçoso examinar a opção do constituinte reformador em estabelecer, no caput do art. 37, que ‘A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:’ (grifo nosso).
  4. Da simples leitura desse comando, observa-se que toda a administração pública e seus respectivos servidores, estão sujeitos aos princípios e regras ali estabelecidos, não havendo razão plausível para se isentar, ou excluir qualquer órgão ou entidade pública, tampouco os servidores públicos, do seu efetivo cumprimento. Isso porque o texto do artigo não impõe qualquer restrição sobre sua aplicabilidade. Sendo assim, o Ministério da Defesa, órgão da administração pública federal direta, incumbido de exercer a direção superior das Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, bem como os respectivos militares, devem obediência àquelas regras e estão a elas subordinados.
  5. Visando corroborar a afirmação de que o Ministério da Defesa integra a administração pública federal direta, veja-se o que dispõe o art. 1º do Anexo I do Decreto 7.364/2010: ‘O Ministério da Defesa, órgão da administração federal direta, com a missão de exercer a direção superior das Forças Armadas, com vistas ao cumprimento de sua destinação constitucional e de suas atribuições subsidiárias, tem como área de competência os seguintes assuntos:’ (grifo nosso).
  6. A segunda questão a ser analisada é quanto ao fato de os incisos XVI e XVII do art. 37 da CF/1988 não estarem, explicitamente, consignados no inciso VIII do § 3º do art. 142 como aplicável aos militares. Isso significa que os militares podem acumular quaisquer cargos públicos?
  7. À primeira vista, a resposta poderia ser positiva, ou seja, as regras de vedação de acumulação remunerada de cargos públicos não se aplicariam aos militares. No que se refere aos militares em atividade, por força do disposto no art. 142, § 3º, inciso II, tem-se que a proibição de acumular com outros cargos ou empregos públicos é a regra geral, sendo possível apenas as acumulações dispostas no art. 17, § 1º do ADCT e no art. 142, § 3º, inciso III, ambos da CF/1988, nos termos do que já foi explanado na presente instrução. No que atine à possível acumulação de proventos com remuneração de cargo, emprego ou função pública, aplica-se, aos militares, o disposto no § 10 do art. 37 da CF/1988, incluído pela EC 20/1998: ‘É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração’.
  8. Veja-se que o dispositivo proíbe a acumulação simultânea de proventos da aposentadoria de origem civil (art. 40); ou de origem militar dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (art. 42); ou de origem militar das Forças Armadas (art.142) com remuneração de cargo, emprego ou função pública, exceto para os cargos acumuláveis, na forma prevista na própria Constituição.
  9. Em outras palavras, é vedado ao militar da reserva ou reforma remunerada acumular, simultaneamente, seus proventos com a remuneração de cargo público, a não ser que essa acumulação esteja dentro das ressalvas previstas no inciso XVI do art. 37 da CF/1988, por expressa disposição do § 10 do art. 37 da CF/1988.
  10. Portanto, o § 10 do art. 37 da CF/1988 permite ao militar da reserva ou reforma remunerada, decorrente da inativação do art. 142, acumular, simultaneamente, seus proventos, com a remuneração de cargo público, desde que os cargos sejam acumuláveis.
  11. Por todo o exposto, pode-se inferir que o legislador constituinte reformador, quando da promulgação da EC 18/1998, que acrescentou o § 3º ao art. 142, optou por não incluir dentro do rol do inciso VIII daquele parágrafo, o inciso XVI do art. 37, pelo fato de que essa matéria já havia sido tratada em outros dispositivos da Constituição. Senão vejamos: a proibição de acumular cargos públicos por militar que se encontrar em atividade está prevista no inciso II do § 3º do art. 142. Ao militar reformado, prescreve o § 10 do art. 37, transcrito nesta instrução, que é vedado acumular os proventos decorrentes de aposentadoria do art. 142 com a remuneração de cargos públicos, exceto aqueles acumuláveis na forma da Constituição, remetendo, indiretamente, para as possibilidades de acumulação previstas no inciso XVI do art. 37.
  12. Sendo assim, aplicam-se as regras do inciso XVI do art. 37 da CF/1988 aos militares da reserva ou reforma remunerada. E, neste caso, não há que se falar em incompatibilidade de horários, visto que esse óbice está superado face à inatividade do militar.
  13. Merece ainda comentário a possibilidade de percepção simultânea de proventos da inatividade com vencimentos da ativa, nas situações constituídas até a promulgação da EC 20, em 15/12/1998. O Ministro Marco Aurélio, Relator do processo que apreciou o MS-24.742-DF no STF, contra Acórdão deste Tribunal, assim se manifestou sobre esse assunto:

(…) A Carta de 1988, na redação primitiva, nada dispôs a respeito, em si, da acumulação de proventos. Com a Emenda Constitucional nº 20, deu-se disciplina interpretativa para viabilizar a acumulação de proventos e vencimentos considerados aqueles que, à época, haviam reingressado no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, vedando-se, isso em 1998, a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o artigo 40 da Constituição Federal, (…).

  1. Citando outros precedentes do STF que acolheram tese análoga (Mandados de Segurança: 24.958, Relator Ministro Marco Aurélio; 25.152, 25.123, 25.096, 25.084 e 25.050, Relator Ministro Carlos Velloso; 25.090, 24.997, 25.037, 25.036, 25.015, 25.095 e 25.113, Relator Ministro Eros Grau), o eminente Ministro Relator Walton Alencar Rodrigues, no voto condutor do Acórdão 1310-2005-Plenário, transcreve trecho do voto do Ministro Eros Grau, ao apreciar o MS-25.192-DF, na sessão de 07/4/2005:

 

‘6. Ficou ressalvada, desse modo, até a data da publicação da emenda [EC 20/1998], a percepção de proventos, fossem eles de natureza civil ou militar, cumulada com remuneração do serviço público.

  1. O preceito, outrossim, vedou a concessão de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência dos servidores civis, previsto no art. 40 da Constituição do Brasil. Não há, note-se bem, qualquer menção à concessão de proventos militares, estes previstos nos arts. 42 e 142 da Constituição.
  2. Tendo o impetrante reformado-se na carreira militar em 1983 e, posteriormente, aposentado-se como servidor civil, em 1993, não houve acumulação de proventos decorrentes do art. 40 da Constituição do Brasil, vedada pelo art. 11 da EC 20/98, mas a percepção do provento civil [regime próprio do art. 40 CB/88] cumulado com provento militar [regime próprio do art. 42 CB/88], situação não abarcada pela proibição da Emenda.
  3. Neste sentido os precedentes julgados pelo Plenário no último dia 2 de fevereiro, MS nº 24.997, MS nº 25.015, MS 25.036, MS nº 25.037, MS nº 25.090 e MS nº 25.095, dos quais sou Relator, e MS nº 24.958, Relator o Ministro MARCO AURÉLIO, nos termos dos quais entendeu-se que a Constituição do Brasil de 1967, bem como a de 1988, esta na redação anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, não obstavam o retorno do militar reformado ao serviço público e a posterior aposentadoria no cargo civil, acumulando os respectivos proventos.’

 

  1. Portanto, com a EC 20/1998, incluiu-se o § 10 ao art. 37 da Carta da República vedando a percepção simultânea de proventos decorrentes de aposentadoria do art. 40 ou dos artigos 42 e 142 com a remuneração de cargos públicos, ressalvando-se, contudo, os cargos acumuláveis na forma da Constituição, os cargos eletivos, bem como aqueles demissíveis ad nutum. O art. 11 daquela Emenda viabilizou a acumulação de proventos e vencimentos, para aqueles que, à época, haviam reingressado no serviço público pelas formas previstas na Carta Maior, vedando-se a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o artigo 40 da CF/1988. Ou seja, o art. 11 da EC 20/1998 convalidou as situações de acumulação de proventos e vencimentos até então existentes no serviço público, independentemente de o beneficiário ser servidor público civil ou militar e de os cargos serem inacumuláveis na forma da constituição.
  2. Tem-se, portanto, duas situações distintas. A primeira refere-se aos servidores inativos que reingressaram no serviço público, por concurso de provas ou de provas e títulos e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, antes da EC 20/1998. Neste caso, não restam dúvidas da possibilidade da acumulação conforme discorrido nos itens anteriores, independentemente dos cargos cujas remunerações e proventos se acumulam.
  3. A segunda situação refere-se aos inativos, civis ou militares, que reingressaram no serviço público, por concurso de provas ou de provas e títulos e pelas demais formas previstas na Carta Federal, após a EC 20/1998. Nesse caso, deve-se observar a regra constante no § 10 do art. 37, incluída pela EC 20/1998. Conforme visto, um servidor somente poderá acumular proventos decorrentes de aposentadoria do art. 40 ou dos artigos 42 e 142 com a remuneração de outro cargo público, caso a acumulação esteja contemplada pela ressalva constante no § 10 do art. 37 da CF/1988, ou seja, esteja prevista dentro das possibilidades de acumulação insertas na Constituição.
  4. Nesse contexto, um professor, militar reformado ou da reserva remunerada, submetido a concurso público de provas, ou de provas e títulos, para o cargo de professor em uma universidade pública, estaria amparado pela ressalva prevista na alínea a do inciso XVI do art. 37, c/c o § 10 do mesmo artigo. Da mesma forma, um engenheiro militar reformado ou da reserva remunerada, que ingressa em uma universidade pública, no cargo de professor, após aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos, estaria amparado pela ressalva constante na alínea b do mesmo inciso, c/c o § 10, ambos do mesmo artigo. E, ainda, um médico militar reformado ou da reserva remunerada, empossado em um cargo de médico de um hospital público, após aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, estaria amparado pela ressalva constante na alínea c do mesmo inciso, c/c o § 10, ambos do mesmo artigo.
  5. A terceira questão, apresentada no item 14, trata da recepção ou não pela atual Carta Política do art. 57 da Lei 6.880/1980, que reproduz a regra contida no § 9º do art. 93 da CF/1967, com a redação dada pela EC 1/1969, vez que aquela estabelece normas diferenciadas, mais flexíveis, quanto a ressalvas às vedações de acumulação de cargos públicos. Não foram encontradas jurisprudências do STF, em que se analisou, especificamente, a recepção ou não do artigo em questão. Contudo, há jurisprudência daquele Tribunal reconhecendo a recepção, bem como rejeitando a aplicação de certos dispositivos da citada lei (RE 600.885-RS, RE 387.789-SP, entre outros).
  6. Independentemente de haver ou não jurisprudência do STF reconhecendo ou não, de forma expressa, a recepção do mencionado artigo, entende-se que, conforme defendido em todo esse texto, aplicam-se as regras do inciso XVI do art. 37 da CF/1988 aos militares da reserva ou reforma remunerada. Nesse ponto, observa-se que a lei castrense é mais restritiva, poder-se-ia dizer, mais onerosa que a atual Carta Magna. Sendo assim, tendo em conta o princípio da supremacia da constituição, conclui-se que esta deve prevalecer. É dizer, com a nova ordem constitucional, estabelecendo novas regras a respeito das possibilidades de acumulação de cargos públicos, mais elásticas que as constantes de lei editada com base na constituição anterior, então aquelas devem ser aplicadas em detrimento do regramento estabelecido pela lei antiga. Em outras palavras, a lei atual ou recepcionada, não pode fazer restrições que a Constituição Federal de 1988 não fez.
  7. Sobre a supremacia constitucional, Inocêncio Mártires Coelho (in Curso de Direito Constitucional, 4ª edição, p. 14-15, obra em co-autoria com Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco), assim leciona:

 

‘Visualizado o ordenamento jurídico como uma estrutura hierarquizada de normas, cuja base repousa na ficção da norma fundamental hipotética, de que se utilizou Hans Kelsen para descrever a estática e a dinâmica jurídicas e, assim, a própria existência do direito, emerge, nítida, a supremacia da Constituição como ponto de apoio e condição de validade de todas as normas jurídicas, na medida em que é a partir dela, como dado de realidade, que se desencadeia o processo de produção normativa, a chamada nomogênese jurídica, que, em nosso direito positivo, por exemplo, está disciplinada, sob o título do processo legislativo, nos arts. 59 a 69 da Constituição de 1988.

Noutras palavras, pela sua própria localização na base da pirâmide normativa, é a Constituição a instância de transformação da normatividade, puramente hipotética, da norma fundamental, em normatividade concreta, dos preceitos de direito positivo – comandos postos em vigor – cuja forma e conteúdo, por isso mesmo, subordinam-se aos ditames constitucionais. Daí se falar em supremacia constitucional formal e material, no sentido de que qualquer ato jurídico – seja ele normativo ou de efeito concreto –, para ingressar ou permanecer, validamente, no ordenamento, há se mostrar conforme aos preceitos da Constituição.‘

 

  1. Há que se mencionar recente decisão, de 18/8/2011, proferida monocraticamente pelo Ministro Relator do MS-17.447-DF Herman Benjamin, do STJ, em que um professor titular do ITA intenta usufruir da acumulação de proventos da reserva militar com os vencimentos de docente federal. A liminar foi parcialmente concedida ‘para garantir ao impetrante o direito à posse no cargo pleiteado sem a necessidade de apresentação de termo de opção pela remuneração do cargo ou emprego’. A referida concessão se baseou no disposto no art. 57 da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), sem, contudo, levar em consideração as questões constitucionais que pairam sobre o assunto.
  2. Portanto, para fins do presente trabalho, tem-se por irrelevante a análise da recepção ou não do art. 57 da Lei 6.880/1980 pela ordem constitucional de 1988, na medida em que a acumulação de proventos de militar com a remuneração de cargo público encontra-se tratada no § 10 do art. 37 da CF/1988.
  3. Por fim, há ainda que se examinar se o militar exerce cargo técnico ou científico para efeitos da acumulação prevista na letra b do inciso XVI do art. 37 da CF/88. Para tanto, torna-se necessária a análise acerca da hierarquia militar.
  4. Dispõe o § 1º do art. 14 da Lei 6.880/1980: ‘A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade’. Segundo a primeira parte do disposto no § 1º do art. 16, ‘posto é o grau hierárquico do oficial’, e o § 3º do mesmo artigo, ‘graduação é o grau hierárquico da praça, conferido pela autoridade militar competente’. Assim, os Oficiais são classificados por postos, e as Praças são classificados por graduações. Essa hierarquia é assim distribuída dentro do Exército Brasileiro (partindo do primeiro para o último nível):
  5. a) Praças ou Graduados: soldado, cabo, terceiro-sargento, segundo-sargento, primeiro-sargento e subtenente;
  6. b) Oficiais: aspirante a oficial, segundo-tenente, primeiro-tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel, general de brigada, general de divisão, general de exército.
  7. Outrossim, verifica-se que nem a Carta Magna tampouco a legislação infraconstitucional definem o que é ‘cargo técnico ou científico’. A jurisprudência do STJ tem se manifestado no sentido de que ‘cargo técnico ou científico’, para os efeitos da acumulação prevista na letra b do inciso XVI do art. 37 da CF/88, é aquele para cujo exercício são exigidos conhecimentos técnicos específicos ou habilitação legal, não necessariamente de nível superior (RMS 20.033/RS – Relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima, DJ 12/3/2007, p. 261):

 

‘CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROFESSOR APOSENTADO E AGENTE EDUCACIONAL. IMPOSSIBILIDADE. CARGO TÉCNICO OU CIENTÍFICO. NÃO-OCORRÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.

(…)

  1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que cargo técnico ou científico, para fins de acumulação com o de professor, nos termos do art. 37, XVII [sic], da Lei Fundamental, é aquele para cujo exercício sejam exigidos conhecimentos técnicos específicos e habilitação legal, não necessariamente de nível superior. (Grifo nosso)

(…)

 

  1. Além disso, a jurisprudência do STJ tem entendido que o fato de o cargo ocupado exigir apenas nível médio de ensino, por si só, não exclui o caráter técnico da atividade, já que o texto constitucional não exige formação superior para tanto, sendo necessária a comprovação de atribuições de natureza específica (RMS 12.352/DF – Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ 23/10/2006, p. 356):

 

‘RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. CARGO TÉCNICO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

O fato de o cargo ocupado exigir apenas nível médio de ensino, por si só, não exclui o caráter técnico da atividade, pois o texto constitucional não exige formação superior para tal caracterização, o que redundaria em intolerada interpretação extensiva, sendo imperiosa a comprovação de atribuições de natureza específica, não verificada na espécie, consoante documento de fls. 13, o qual evidencia que as atividades desempenhadas pela recorrente eram meramente burocráticas. (Grifo nosso)

(…)’

 

  1. Este Tribunal segue esse mesmo entendimento. É o que se verifica no voto condutor do Acórdão 211/2008 – 2ª Câmara, em que o Ministro Relator Aroldo Cedraz assim se manifestou:

 

‘3. Como foi bem colocado no parecer do Ministério Público junto a este Tribunal, transcrito no Relatório que precede a este Voto, as acumulações observadas não se encaixam na permissão de acumulação conferida pelo inciso XVI do art. 37 b, da Constituição Federal, visto que a leitura do dispositivo permite considerar a possibilidade de acumulação de cargo técnico ou científico que requeira a aplicação de conhecimentos científicos ou artísticos obtidos em nível superior de ensino ou mesmo os cargos de nível médio para os quais se exige conhecimento técnico ou habilitação legal específica para o seu provimento, não sendo aceitos, para esse fim, os cargos e empregos, cujas atribuições se caracterizam como de natureza burocrática, repetitiva e de pouca ou nenhuma complexidade.’ (Grifo nosso)

 

  1. Tendo em conta a hierarquia militar, bem como os graus de escolaridade e qualificação técnica exigidos para a ocupação dos diferentes postos e graduações, verifica-se que a atividade militar requer conhecimento técnico ou habilitação legal tanto para Oficiais quanto para as Praças. Pois, além de comprovar nível de escolaridade, submetem-se a cursos de formação para qualificação técnica militar nas áreas específicas de atuação. Senão vejamos.
  2. A Lei 6.880/1980 estabelece no art. 10 que ‘O ingresso nas Forças Armadas é facultado, mediante incorporação, matrícula ou nomeação, a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei e nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica’. O § 2º do art. 20 prevê que ‘As obrigações inerentes ao cargo militar devem ser compatíveis com o correspondente grau hierárquico e definidas em legislação ou regulamentação específicas’. Já o art. 21 dispõe que ‘Os cargos militares são providos com pessoal que satisfaça aos requisitos de grau hierárquico e de qualificação exigidos para o seu desempenho’.
  3. Além disso, o § 4º do art. 16 daquela Lei estabelece que ‘Os Guardas-Marinha, os Aspirantes-a-Oficial e os alunos de órgãos específicos de formação de militares são denominados praças especiais’. E o art. 40 dispõe que ‘Às praças especiais cabe a rigorosa observância das prescrições dos regulamentos que lhes são pertinentes, exigindo-se-lhes inteira dedicação ao estudo e ao aprendizado técnico-profissional’. (Grifo nosso).
  4. A título de exemplo, vale citar o Decreto 3.182, de 23/9/1999, que regulamenta a Lei 9.786, de 8/2/1999, que, por sua vez, dispõe sobre o ensino no Exército Brasileiro, estabelecendo no artigo 6º que:

 

‘Art. 6º O ensino no Exército compreende três graus:

I – fundamental, destinado a qualificar pessoal para a ocupação de cargos militares e o desempenho de funções próprias de soldados e cabos;

II – médio ou técnico, destinado à qualificação de pessoal para a ocupação de cargos militares e o desempenho de funções próprias das graduações de sargentos e subtenentes e dos postos dos integrantes do Quadro Auxiliar de Oficiais; e

III – universitário ou superior, destinado à qualificação de pessoal para a ocupação de cargos militares e o desempenho de funções próprias de oficiais e de oficiais-generais.’ (Grifo nosso)

 

  1. Portanto, as funções de soldados e cabos, por exigirem apenas nível fundamental de escolaridade, não estão inseridas no conceito de ‘cargo técnico ou científico’. Quanto aos Oficiais, por sua vez, como devem comprovar nível superior de escolaridade para sua ocupação, estão incluídos, por isso, no referido conceito.
  2. Analisemos, por fim, as funções de sargento que requerem nível médio ou técnico de escolaridade. Neste último caso, vale destacar que a função exige conhecimentos técnicos para a sua ocupação, estando, por isso, também inserto no conceito de ‘cargo técnico ou científico’. Além disso, todos os candidatos a sargento do Exército, independentemente de nível médio ou técnico, submetem-se a cursos de formação para habilitação técnica na área específica escolhida para atuação. Vejamos alguns dos requisitos para inscrição no processo seletivo para os Cursos de Formação de Sargentos para o período de 2012-2013:

 

a. Requisitos exigidos

O candidato à inscrição no processo seletivo aos Cursos de Formação de Sargentos do Exército deverá satisfazer aos seguintes requisitos, a serem comprovados até a data da matrícula: (os grifos constam do original)

  1. (…)
  2. ter concluído o Ensino Médio, na forma da legislação federal que regula a matéria. Se estiver cursando a última série desse nível escolar (3ª série) no ano da inscrição para o concurso, somente será habilitado à matrícula se concluí-la com aproveitamento, antes do encerramento do processo seletivo; (grifo nosso)

(…)

  1. os candidatos da área Saúde haver concluído o curso de graduação ou Técnico em Enfermagem até a data de sua apresentação na organização militar de corpo de tropa (OMCT), portando, nessa ocasião, cópia do certificado ou declaração de conclusão do curso, autenticada em cartório, expedida pelo estabelecimento de ensino civil responsável; o curso deverá ter seu registro reconhecido pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Regional de Enfermagem (COREN), em conformidade com a legislação federal; (os grifos constam do original)
  2. os candidato da área Música deverão executar o instrumento musical correspondente a um dos naipes abrangidos pelas vagas estabelecidas em portaria do Estado-Maior do Exército (EME), a ser verificada em exames específicos do processo seletivo, objeto destas Instruções.’ (Os grifos constam do original).

 

  1. Citam-se trechos de normativos internos do Exército que regulam a admissão nos cursos de formação de sargentos:

 

‘PORTARIA Nº 002 /DGP, DE 05 JANEIRO DE 2001

Regula a situação dos Candidatos aprovados no Concurso de Admissão aos Cursos de Formação de Sargentos (CFS)

Art. 1º Estabelecer que os civis ou militares aprovados no Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos (CFS), depois de relacionados, serão matriculados nos órgãos de formação na condição de alunos, inclusive para efeito de remuneração.

(…)

Art. 5º O aluno do CFS que concluir o Curso com aproveitamento será desligado do mesmo, promovido à graduação de 3º Sargento e movimentado de conformidade com o Regulamento de Movimentação (R-50), obedecendo ao princípio da regionalização.

PORTARIA Nº 142-EME, DE 1º DE OUTUBRO DE 2011.

Aprova a Diretriz para a Formação de Sargentos de Carreira e dá outras providências.

  1. OBJETIVOS

(…)

  1. Aumentar o tempo de formação dos sargentos de carreira de forma a permitir a consolidação e sedimentação de conhecimentos técnico-profissionais e de valores e virtudes militares.

 

  1. PREMISSAS BÁSICAS
  2. O CFS tem a duração de 77 (setenta e sete) semanas e será realizado em 2 (dois) períodos, um Básico e um de Qualificação.

(…)

  1. O período de qualificação funcionará na Escola de Sargentos das Armas (EsSA), para as qualificações militares de subtenentes e sargentos (QMS) de Infantaria (Inf), Cavalaria (Cav), Artilharia (Art), Engenharia (Eng) e Comunicações (Com); na Escola de Sargentos de Logística (EsSLog), para as QMS Material Bélico – Manutenção de Viatura Auto (MB-Mnt Vtr Auto), Material Bélico – Manutenção de Armamento (MB-Mnt Armt), Material Bélico – Mecânico Operador (MB-Mec Op), Topografia (Topo), Intendência (Int), Músico (Mus), Saúde (Sau); e no Centro de Instrução de Aviação do Exército, para as QMS Aviação – Apoio (Av Ap) e Aviação – Manutenção (Av Mnt).

 

  1. CONDIÇÕES DE EXECUÇÃO

(…)

  1. Período Básico

1) Duração

34 (trinta e quatro) semanas.

 

  1. Período de Qualificação

1) Duração

43 (quarenta e três) semanas.’

 

  1. Como se verifica dos normativos acima colacionados, bem como de diversos outros que regulam a matéria no âmbito do Exército Brasileiro, pode-se constatar que os cursos de formação – que possuem duração de aproximadamente um ano e meio – oferecidos aos sargentos conferem qualificação técnica e habilitação específica para ocupação dos cargos militares nas respectivas áreas de atuação. Assim, não há possibilidade de um sargento que possui apenas o nível médio de escolaridade desempenhar a função de topógrafo, por exemplo. Tal função só pode ser exercida, satisfatoriamente, por quem tenha qualificação e habilitação técnica para tanto.
  2. Desse modo, considerando a hierarquia da carreira militar, os requisitos de escolaridade e qualificação técnica para ocupá-los, a jurisprudência do STJ e deste Tribunal, observa-se que somente poderão acumular cargos públicos os militares da reserva ou reforma remunerada ocupantes da graduação a partir de terceiro-sargento, inclusive, com qualificação técnica.
  3. Assim, dentre os terceiros-sargentos devem ser excluídos aqueles pertencentes ao Quadro Especial (QE), visto que, neste caso, o requisito escolar é 4ª série do ensino fundamental, nos termos do inciso V do art. 2º da Lei 10.951, de 22/9/2004, que reorganiza o QE de Terceiros-Sargentos do Exército. Os ocupantes desses cargos eram cabos e taifeiros-mor, com estabilidade assegurada e que cumpriram os requisitos para promoção, nos termos dos incisos do art. 2º daquela Lei.

CONCLUSÃO

  1. Por todo o exposto, conclui-se que as regras previstas nos incisos XVI e XVII do art. 37 da CF/1988, quanto à acumulação de cargos públicos, são aplicáveis aos militares da reserva ou reforma remunerada, da mesma forma que para os demais servidores públicos. A uma, porque interpretação literal do inciso II do § 3º do art. 142 da CF/88 revela que a vedação de acumular cargos públicos aplica-se, tão somente, ao militar da ativa. A duas, porque interpretação sistemática do texto constitucional permite concluir que o militar da reserva ou reforma deve ser considerado, para fins de acumulação de proventos de aposentadoria com remuneração de cargo, emprego ou função pública, em igualdade com os demais servidores públicos inativos por força do estabelecido no § 10 do art. 37 da CF/1988. A três, devido ao princípio da supremacia constitucional, visto que as regras constantes do Estatuto dos Militares, Lei 6.880/1980, editada com base na constituição anterior, são mais restritivas que aquelas constantes da atual Carta Política. Sendo assim, lei editada com base em constituição anterior não pode fazer restrições que o atual ordenamento constitucional não fez.

CRITÉRIOS DA AUDITORIA

  1. Tendo em conta tudo o que foi dito, os militares que não podem acumular cargos públicos são:
  2. a) qualquer militar da ativa, com exceção daqueles alcançados pelo § 1º do art. 17 do ADCT, bem como daqueles que tomarem posse em cargo ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, nos termos do inciso III do § 3º do art. 142 da CF/1988;
  3. b) os militares da reserva remunerada ou reformados, nos seguintes casos:

b.1)             soldados;

b.2)             cabos;

b.3)             terceiros-sargentos pertencentes ao QE (Quadro Especial);

b.4)             sargentos para os quais não se exige formação técnica especializada ou nível superior de escolaridade;

b.5)            não alcançados pelo § 10 do art. 37 da CF/1988 nem pelas ressalvas previstas no inciso XVI do mesmo artigo..’

 

  1. Como visto, o estudo acima transcrito responde satisfatoriamente à inquirição do consulente no que se refere ao Comando do Exército.
  2. Relativamente aos Comandos da Marinha e da Aeronáutica, é de citar que os ensinos são tratados de forma distinta, regidos por leis específicas – Lei 11.279, de 2006, no que se refere à primeira Força e Lei 12.464, de 2011, atinente à última.
  3. Em ambos os casos, não se verifica a associação do grau de ensino (fundamental, médio e superior) com posto ou graduação militar, a exemplo do que foi disciplinado pelo art. 6º do Decreto 3.182/1999 no âmbito do Comando do Exército.
  4. Assim, em relação aos Comandos da Marinha e da Aeronáutica, a aferição se determinado posto ou graduação do militar da reserva ou reformado correspondia, quando em atividade, a cargo técnico ou científico deve ser efetuada caso a caso, para fins de aplicação do § 10 do art. 37 da Constituição Federal de 1988 e do inciso XVI, alínea ‘b’, do mesmo artigo; exceção feita aos oficiais, visto que possuem nível superior de escolaridade.
  5. Pelo exposto, submeto à consideração superior proposta no sentido de que o Tribunal:

I – conheça dos presentes elementos como Consulta, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 264 e 265 do Regimento Interno desta Corte, esclarecendo ao consulente que:

I.1. as regras previstas nos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição Federal de 1988, quanto à acumulação de cargos públicos, são aplicáveis aos militares da reserva remunerada ou reformados, da mesma forma que para os demais servidores públicos, por força do disposto no § 10 do art. 37 da Constituição Federal;

II.2. os militares que não podem acumular cargos públicos são:

  1. a) no âmbito dos três comandos militares, qualquer militar da ativa, com exceção daqueles alcançados pelo § 1º do art. 17 do ADCT, bem como os que tomarem posse em cargo ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, nos termos do inciso III do § 3º do art. 142 da CF/1988;
  2. b) os militares da reserva remunerada ou reformados do Exército, nos seguintes casos:

b.1)   soldados;

b.2)   cabos;

b.3)   terceiros-sargentos pertencentes ao QE (Quadro Especial);

b.4)   sargentos para os quais não se exige formação técnica especializada ou nível superior de escolaridade;

b.5)   não alcançados pelas ressalvas previstas no inciso XVI do art. 37 da CF/1988;

  1. c) quanto aos militares da reserva remunerada ou reformados da Marinha e da Aeronáutica, a aplicação do art. 37, § 10, e inciso XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal de 1988 deve ser precedida da aferição, caso a caso, se determinado posto ou graduação, quando em atividade, correspondia a cargo técnico ou científico, com exceção dos oficiais, visto que possuem nível superior de escolaridade; e

III. arquive o presente processo.”

 

  1. O Ministério Público, Representado pelo Senhor Procurador Júlio Marcelo de Oliveira, manifestou-se por meio do Parecer transcrito a seguir, verbis:

 

“Trata-se de Consulta formulada pelo Ex.mo Sr. Celso Amorim, Ministro de Estado da Defesa, com fundamento nos artigos 264 e 265 do Regimento Interno/TCU, acerca da possibilidade de militar inativo cumular cargo público de magistério, com base na aplicação analógica do artigo 37, inciso XVI, alínea b, da Constituição Federal (Aviso 295/MD, de 18.11.2011, peça 1, fl. 1).

A Consulta está acompanhada por dois pareceres jurídicos, a saber (peça 1, fls. 2/15 e 16/30):

PARECER 245/2011/ Conjur-MD/AGU.

PROCESSO MD 60000.004195/2011-50

INTERESSADO: Maurício Panzini Brandão.

ASSUNTO: Administrativo. Militar da reserva. Possibilidade de acumular subsídios de professor em instituição pública para o qual foi concursado com os proventos da reserva remunerada. Comando da Aeronáutica.

I – Requerimento administrativo.

II – Militar inativo solicita acumulação de proventos da reserva remunerada com remuneração de cargo público de magistério em órgão público.

III – Parecer jurídico com opinativo pela impossibilidade, face aos termos do art. 142, inc. VIII, e § 3º, incs. II e III, da Constituição Federal, combinados com os artigos 98 e 117 da Lei 6.880/1980, em suas redações atuais, da decisão proferida no Acórdão 1.310/2005 – TCU – Plenário e do Parecer 373/Conjur-MD/2009.

IV – Impossibilidade de interpretação ampliativa e analógica das exceções taxativamente previstas no art. 37, inc. XVI, da Constituição Federal. Militares e servidores civis possuem regimes jurídicos diferenciados.

V – Providências a serem tomadas quanto aos demais casos de acumulação indevida relatados pelo requerente.

VI – Recomenda-se remessa do presente Parecer às três Forças, para que informem sobre as situações dos militares que estariam acumulando cargos indevidamente, principalmente a respeito do envio dos seus processos de reforma/reserva ao TCU para julgamento.’

 

PARECER 596/2011/Conjur-MD/AGU.

PROCESSO MD 60000.004195/2011-50

INTERESSADO: Maurício Pazini Brandão.

ASSUNTO: Administrativo. Militar da reserva. Requerimento de militar a respeito de cumulação de subsídios de professor em instituição pública para o qual foi concursado com os proventos da reserva remunerada. Comando da Aeronáutica.

I – Solicitação, por parte do Gabinete do Comando da Marinha, a respeito da possibilidade deste Ministério efetuar consulta ao TCU quanto à questão da cumulação por militar inativo de cargo de professor.

II – Procedimento referente a requerimento administrativo em que militar inativo solicita acumulação de proventos da reserva remunerada com remuneração de cargo público de magistério em órgão público.

III – Inexistência de fatos ou argumentos novos capazes de elidir o entendimento consagrado no Despacho Decisório 10, de 11 de maio de 2011 (fl. 145), do Ministro de Estado da Defesa, que aprovou o Parecer 245/2011/Conjur-MD/AGU e indeferiu o pleito do militar.

IV – Decisão discricionária e definitiva do Ministro de Estado da Defesa sobre a formulação ou não da consulta.’

 

A Advocacia-Geral da União – AGU ampara sua tese de impossibilidade de ‘acumulação de proventos da reserva remunerada com remuneração de cargo público de magistério em órgão público’ nos argumentos que se seguem:

  1. a) em face dos ditames do artigo 142, § 3º, incisos II e III, da Constituição Federal, ao militar da ativa é vedado acumular cargo público. O TCU permitiu, por meio do Acórdão 1.840/2003, com a redação dada pelo 1.310/2005, ambos do Plenário, a cumulação de proventos com remuneração apenas àqueles que pudessem acumular os cargos na atividade e que, até a publicação da Emenda 20, de 15.12.1998, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos e pelas demais formas previstas na Constituição Federal;
  2. b) ante o entendimento do TCU, é vedado ao militar inativo cumular proventos com remuneração, tendo ingressado no serviço público após a EC 20/1998;
  3. c) a situação do requerente (militar Brigadeiro Engenheiro), que solicitou, no dia 4.3.2011, ou seja, após a Emenda 20/1998, a cumulação de cargo público com proventos de reserva remunerada, não se encontra excetuada da regra geral de proibição;
  4. e) o inciso XVI do artigo 37 da Constituição Federal, que veda a acumulação de cargos e estabelece as exceções a esta regra, não foi incluído no rol de dispositivos referentes ao regime jurídico dos servidores públicos federais aplicáveis aos militares, que se encontram explicitados no inciso VIII do artigo 142 da Lei Maior;
  5. f) dessa forma, depreende-se que a Constituição Federal não autoriza a interpretação elástica almejada pelo requerente, no sentido de que estaria facultada a equiparação de militar a servidor civil, em se tratando de exercício de cargo técnico;
  6. g) a doutrina de Jorge Luiz Nogueira de Abreu (Direito Administrativo Militar. São Paulo: Método, 2010. p. 272) corrobora esse entendimento e salienta a diferenciação entre os regimes jurídicos civil e militar, a saber:

 

‘10.4 MILITAR DA RESERVA REMUNERADA. PERCEPÇÃO SIMULTÂNEA DE PROVENTOS DA INATIVIDADE MILITAR E REMUNERAÇÃO DE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA CIVIL.

De acordo com o § 10 do art. 37 da CF/1988, acrescentado pela Emenda Constitucional 20/1998, é vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma da Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

Em razão disso, os militares da reserva remunerada não podem perceber simultaneamente proventos da inatividade militar com remuneração de cargo, emprego ou função pública, exceto nos casos de cargo eletivo ou em comissão, pois a primeira ressalva contida no § 10 do art. 37 não é aplicável aos militares, visto que o art. 142, § 3º, II, da CF/1988 veda, categoricamente, a eles a acumulação da atividade militar com cargo ou emprego público civil permanente. Convém registrar que, antes mesmo da EC 20/1998, a Corte Suprema já havia firmado o entendimento de que era impossível a acumulação, quando envolvidos cargos inacumuláveis na atividade.’

 

  1. h) a Constituição tratou dos militares e dos servidores públicos civis em capítulos diferenciados, de modo que a aplicação dos princípios e das normas dirigidas a estes não pode ser aplicada a aqueles sem os devidos temperamentos, devendo também, tais normas, serem interpretadas de forma sistemática, à luz dos demais regramentos constitucionais afetos à matéria de direito militar;
  2. i) inclusive, por meio da Emenda Constitucional 18/1998, promoveu-se alteração topográfica da regulamentação pertinente aos militares das Forças Armadas, tendo este tema se deslocado do Título III – Da Organização do Estado, Capítulo VII – Da Administração Pública, para o Título V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Capítulo II — Das Forças Armadas;
  3. j) veja-se o que dispõe o artigo 142, § 3º, incisos II e III, da Constituição Federal, normas estas que disciplinam especificamente o regime jurídico dos membros das Forças Armadas:

 

‘Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

(…)

  • 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional 18, de 1998):

(…)

II – o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei; (Incluído pela Emenda Constitucional 18, de 1998)

III – o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei; (Incluído pela Emenda Constitucional 18, de 1998)’

 

  1. k) o constitucionalista Alexandre de Moraes comenta esse dispositivo (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7 ed. atual. até a EC 55/2007. São Paulo: Atlas, 2007. p. 1792/3):

 

‘O art. 142, § 3º, inciso II, da CF prevê que o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei.

Analisando a disciplina constitucional anterior, cuja redação do § 3º do art. 42, atualmente revogado pela EC 18/1998, estipulava que o militar em atividade que aceitasse cargo público civil permanente seria transferido para a reserva, o STF entendeu que não estaria assegurada a passagem do militar para a reserva remunerada.

Dessa forma, caberia ao Presidente da República, com base no Estatuto dos Militares, a decisão discricionária sobre a possibilidade ou não da transferência remunerada para reserva nessa hipótese.

A nova redação constitucional transformou essa hipótese constitucional em norma de eficácia limitada, devendo a lei estabelecer as condições da passagem para a reserva do militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente.

Enquanto não for editada nova norma exigida pela EC 18/1998, permanece em pleno vigor, pois recepcionada, a Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares).’

 

  1. l) ante a interpretação proclamada pela doutrina, a norma constitucional (artigo 142, § 3º, inciso II) tem eficácia limitada, ou seja, ‘deve a lei estabelecer as condições da passagem para a reserva do militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente’;
  2. m) a lei referida no citado artigo constitucional vem a ser o Estatuto dos Militares, recepcionado pela Constituição Federal, o qual dispõe o seguinte:

 

‘Art. 117. O oficial da ativa que passar a exercer cargo ou emprego público permanente, estranho a sua carreira, será imediatamente demitido ex officio e transferido para a reserva não remunerada, onde ingressará com o posto que possuía na ativa e com as obrigações estabelecidas na legislação do serviço militar, obedecidos os preceitos do art. 116 no que se refere às indenizações. (Redação dada pela Lei 9.297, de 1996)’

 

  1. n) ora, tomando como base o artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição Federal, em conjunto com o artigo 117 da Lei 6.880/1980, vê-se que, também sob esse aspecto, não há respaldo constitucional para que o militar acumule cargo público e proventos de reserva remunerada;
  2. o) com razão, embora o artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição Federal não faça menção ao fato de a reserva ser remunerada ou não, outorga à lei a definição deste ponto (norma de eficácia limitada). No caso, o artigo 117 do Estatuto dos Militares refere-se especificamente à demissão ex officio e à transferência para a reserva não remunerada quando o militar da ativa passar a exercer cargo ou emprego público permanente, lembrando-se, ademais, que a acumulação de proventos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade;
  3. p) historicamente, o Estatuto dos Militares foi alterado no sentido de excluir a permissão de cumulação de proventos da inatividade com cargo de magistério, conforme excerto da Informação 256/Ciset-MD, de 17.8.2004:

 

‘3. Não obstante as orientações recebidas, a matéria, considerando as últimas questões trazidas a esta secretaria, comporta novas avaliações, notadamente envolvendo a acumulação de proventos de reserva remunerada ou reforma com a aposentadoria no cargo de magistério civil público, à vista do teor da Lei 6.880, de 8.12.08 [9.12.1980], que trata do Estatuto dos Militares, antes e depois das alterações implementadas pela Lei 9.297, de 25.7.1996.

  1. A Lei 6.880/1980, em seu art. 57, exclui da proibição de acumulação de proventos de inatividades os militares da reserva remunerada e os reformados quando no exercício de mandato eletivo, nos casos de desempenho de função de magistério, de cargo em comissão ou quando no cumprimento de contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados.
  2. O art. 117 da referida lei, antes das alterações introduzidas pela Lei 9.297/1996, dispunha que ‘O oficial da ativa que passar a exercer cargo ou emprego público permanente, estranho à sua carreira e cuja função não seja de magistério será, imediatamente, mediante demissão ex officio, transferido para a reserva, onde ingressará com o posto que possui na ativa e com obrigações estabelecidas na legislação que trata do serviço militar, não podendo acumular qualquer provento de inatividade com remuneração do cargo ou emprego público permanente’ (grifo nosso)
  3. Nos mesmos termos, o art. 122 da Lei 6.880/1980 dispunha na linha de que ‘O Guarda-Marinha, o Aspirante a Oficial e as demais praças empossadas em cargo ou emprego público permanentes, estranhos à sua carreira e cuja função não seja de magistério, serão, imediatamente, mediante licenciamento ex officio, transferidos para a reserva, com as obrigações estabelecidas na legislação que trata do serviço militar.’ (grifo nosso).
  4. O inciso XIV, art. 98 da Lei 6.880/1980, também excepcionava a acumulação do vencimento do cargo público civil de professor com os proventos de militar inativo, uma vez que admitia a transferência, ex officio, para a reserva remunerada.
  5. Como se vê, a referida legislação, na medida em que excetuava vedações legais, admitia a acumulação de proventos da reserva ou da reforma da atividade militar, regida pelo art. 142 da Constituição Federal, com os decorrentes da função pública de magistério civil.
  6. Ocorre que a Lei 9.297, de 25.7.1996, revogou o inciso XIV do art. 98 da Lei 6.880/1980 e implementou nova redação aos seus arts. 177 [117] e 122, cujo inteiro teor transcrevemos a seguir, nesse caso, sem fazer exceção ao permissivo de acumulação do cargo público civil de professor com o de militar:

‘Art. 177 [117]. O oficial da ativa que passar a exercer cargo ou emprego público permanente, estranho à sua carreira, será imediatamente demitido ex officio e transferido para a reserva não remunerada, onde ingressará com o posto que possuía na ativa e com as obrigações estabelecidas na legislação do serviço militar, obedecidos os preceitos dos art. 116 no que se refere às indenizações.

……………………………………………………………………………………………………….

Art. 122. O Guarda-Marinha, o Aspirante a Oficial e as demais praças empossadas em cargos ou emprego público permanente, estranho à sua carreira, será imediatamente, mediante licenciamento ex officio, transferido para a reserva não remunerada, com as obrigações estabelecidas na legislação do serviço militar.’

 

  1. Registra-se, entretanto, que, com todas as modificações implementadas na legislação, não houve nenhuma alteração no teor do art. 57 do mesmo Estatuto dos Militares, o qual admite aquele tipo de acumulação.
  2. Do exposto, depreende-se que as normas atualmente em vigor comportam divergências de interpretação, dada a manutenção do permissivo de acumulação pelo pessoal da reserva remunerada, prevista no art. 57 do Estatuto dos Militares, no tocante à legalidade de assunção de cargo público de magistério, parecendo querer preservar direitos adquiridos, sem a exceção anteriormente prevista nos arts. 117 e 122 da mesma legislação, com a modificação implementada pelo art. 1º da Lei 9.297/1996.
  3. Ademais, o referido Estatuto dos Militares, parece-nos que preservando o princípio da jurisprudência, concernente à impossibilidade de retroagir os efeitos da lei para prejudicar, coerente, portanto, com estabelecimento no inciso XXXVI do art. 59 da Constituição Federal de 1988, mantém, no art. 157, o instituto do direito adquirido das situações definidas anteriormente, mesmo com vigência da Lei 9.297/1996.’

 

  1. q) o inciso XIV do artigo 98 da Lei 6.880/1980, que permitia a transferência para a reserva remunerada, ex officio, quando o militar passasse a exercer cargo ou emprego público permanentes estranhos à sua carreira, cujas funções fossem de magistério, foi revogado pela Lei 9.297/1996. Veja-se a redação da norma revogada:

 

‘Art. 98. A transferência para a reserva remunerada, ex officio, verificar-se-á sempre que o militar incidir em um dos seguintes casos: (…)

XIV – passar a exercer cargo ou emprego público permanentes estranhos à sua carreira, cujas funções sejam de magistério; (Revogado pela Lei 9.297, de 1996)’

 

  1. r) a citada Lei 9.297/1996 deu nova redação ao artigo 117 do Estatuto dos Militares, excluindo expressa autorização ao exercício de função de magistério em cumulação com carreira de militar. Compare-se, em seguida, a antiga e a nova redação do citado artigo:

 

‘Art. 117. O oficial da ativa que passar a exercer cargo ou emprego público permanente, estranho à sua carreira e cuja função não seja de magistério, será, imediatamente, mediante demissão ex officio, transferido para a reserva, onde ingressará com o posto que possuía na ativa e com as obrigações estabelecidas na legislação que trata do serviço militar, não podendo acumular qualquer provento de inatividade com a remuneração do cargo ou emprego público permanente.’

‘Art. 117. O oficial da ativa que passar a exercer cargo ou emprego público permanente, estranho à sua carreira, será imediatamente demitido ex officio e transferido para a reserva não remunerada, onde ingressará com o posto que possuía na ativa e com as obrigações estabelecidas na legislação do serviço militar, obedecidos os preceitos do art. 116 no que se refere às indenizações. (Redação dada pela Lei 9.297, de 1996)’

 

  1. s) observa-se, pois, que, anteriormente, o legislador ressalvava a função de magistério em relação à cumulação de cargo ou emprego público permanente, por militar, hipótese na qual se facultava a cumulação. Após a vigência da Lei 9.297/1996, que promoveu alterações no Estatuto dos Militares, não mais resiste a mencionada ressalva em relação à função de magistério, valendo, portanto, a regra geral da inacumulabilidade;
  2. t) necessário mencionar, entretanto, que não houve revogação do artigo 57 do Estatuto dos Militares, o qual permite a cumulação por militar de cargo de magistério, nos termos do artigo 93, § 9º, da Constituição de 1969, deixando a salvo da proibição de acumulação atual as situações configuradas sob a égide da antiga Constituição, a saber:

 

‘Art. 57. Nos termos do § 9º do artigo 93 da Constituição, a proibição de acumular proventos de inatividade não se aplica aos militares da reserva remunerada e aos reformados quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados.’

 

  1. u) em um panorama constitucional sobre a matéria, aliado à análise histórica das alterações promovidas no Estatuto dos Militares, consubstanciadas no artigo 142 da Constituição Federal, c/c os artigos 98 e 117 da Lei 6.880/1980, em suas redações atuais, vê-se que tanto o constituinte quanto o legislador não concederam aos militares o mesmo tratamento conferido aos servidores, no sentido de permitir a acumulação entre cargo técnico e de magistério;
  2. v) essa interpretação se confirma, ainda, na medida em que se verifica autorização constitucional específica em relação à cumulação de cargos de médico por militar, ao amparo do artigo 17, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nada se dispondo a respeito da cumulação de cargos técnicos por militares. São seus termos:

 

‘Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição, serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.

  • 1º É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou indireta.’

 

  1. w) o artigo 37, inciso XVI, alínea b, da CF, dispositivo referente aos servidores civis, não se aplica analogicamente aos militares, pois há norma constitucional expressa sobre a matéria (artigo 142, § 3º, inciso II), bem como legislação específica, que vedam a referida acumulação (artigos 98 e 117 da Lei 6.880/1980), não se permitindo ao intérprete alargar a abrangência do artigo 37, inciso XVI, da CF;
  2. x) não bastasse, deve-se levar em conta que a regra constitucional é pela inacumulabilidade de cargos, sendo as exceções absolutamente restritas às hipóteses taxativamente previstas na Constituição;
  3. y) no sentido de que a regra indicada no artigo 37, inciso XVI, deve ser interpretada restritivamente, não incluindo os militares, cabe transcrever o seguinte trecho do artigo ‘Acumulação de cargos públicos por militares das Forças Armadas’, da autoria de José Carlos Dutra:

‘É de se observar que na Carta atual, assim como nas anteriores, o legislador estabeleceu a vedação e logo a seguir enumerou as exceções, em numerus clausus, não sendo possível uma interpretação ampliativa do dispositivo, ou seja, só é possível a acumulação dos cargos enumerados e nas condições ali estabelecidas.

(…)

Segundo o art. 142, § 3º, os membros das Forças Armadas são denominados militares. Portanto, independentemente da especialização, da forma de acesso, da função ou de qualquer outra situação pessoal, todo o indivíduo que passar a integrar as Forças Armadas passará a ostentar a condição de militar, excetuando-se, evidentemente, os servidores civis lotados nas Forças Singulares ou no próprio Ministério da Defesa. Como tal, essa pessoa passa a ser destinatária de todas as normas aplicáveis a essa categoria especial de servidores do Estado. Não interessa se se trata de combatente, médico, professor, administrador, capelão, etc., todos são militares e todos, portanto, estão sujeitos às mesmas normas.

A questão que se levanta é se esses profissionais, formados em estabelecimentos de ensino superior civis, são, antes de qualquer situação, militares para todos os efeitos. Por exemplo: o médico que ingressa nas Forças Armadas é médico militar ou militar médico? Há quem defende a tese de que, ao ingressar no Exército, Marinha ou Aeronáutica, o cidadão já ostentava a condição de médico, razão pela qual devem se aplicar a ele todas as normas relativas aos profissionais da medicina em primeiro lugar, sendo a condição de militar secundária. Outro entendimento, mais afinado, a meu ver, com a norma constitucional, considera a especialização apenas um atributo pessoal exigível para o desempenho de determinada função na estrutura organizacional da instituição. Porém, antes de qualquer condição pessoal, todos são militares, isto porque o legislador constitucional não fez ressalvas quando definiu essa categoria de servidores, nem tampouco quando elencou, no inciso XVI do art. 37, os cargos passíveis de acumulação remunerada.

Há, ainda, um derradeiro argumento, inconsistente a meu ver, de que os cargos ocupados pelos militares podem ser considerados como cargos técnicos ou científicos. Não concordo com tal argumento. O militar é um especialista, treinado e preparado, antes de mais nada, para a arte da guerra, para a defesa da pátria, dos poderes constituídos, da lei e da ordem e em atividades administrativas e de gestão, ou seja, atividades meio da própria Força. Ocorre, porém, que nem todo o trabalho especializado pode ser considerado técnico. O labor para ser técnico deve possuir, além de uma especialização, a natureza científica ou artística, o que não se vislumbra na atividade militar.’

 

  1. z) não se considerando o militar habilitado em profissão regulamentada (no caso, engenheiro) como cargo técnico, a gozar da exceção de cumulação de cargos facultada pelo artigo 37, inciso XVI, alínea b, da Constituição Federal, incide no caso o disposto no artigo 37, § 10, in verbis:

‘Art. 37 (…)

  • 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do artigo 40 ou dos artigos 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.’

 

  1. a) no caso, deve ser aplicada a norma prevista no artigo 19 do Decreto 2.027, de 11 de outubro de 1996, que ‘dispõe sobre a nomeação para cargo ou emprego efetivo na Administração Pública Federal direta e indireta do servidor público civil aposentado ou servidor público militar reformado ou da reserva remunerada’, no seguinte sentido:

 

‘Art. 1º Somente poderá tomar posse em cargo efetivo ou assumir emprego permanente na Administração Pública Federal direta, nas autarquias, nas fundações mantidas pelo Poder Público, nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista, ressalvados os cargos ou empregos acumuláveis na atividade, o servidor público civil aposentado e o militar reformado ou da reserva remunerada da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios que fizer a opção pela remuneração do cargo ou emprego.

  • 1º Até a data da sua posse, o nomeado deverá comunicar ao respectivo órgão de pessoal sua situação de aposentado, apresentando seu termo de opção.
  • 2º Readquirirá o direito à percepção dos proventos o servidor, a que se refere este artigo, exonerado do cargo efetivo ou emprego permanente.’

 

  1. b) sendo assim, caso o requerente entenda por tomar posse em outro cargo público para o qual foi concursado, deverá fazer opção pelo referido cargo, abdicando dos proventos de militar;
  2. c) os militares que não se enquadrem na situação excepcional prevista no artigo 11 da Emenda Constitucional 20/1998 não podem acumular cargo público:

 

‘Art. 11. A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite de que trata o § 11 deste mesmo artigo.’

 

  1. d) não existe norma alguma que equipare os militares oficiais inativos a cargo técnico, o que permitiria a cumulação com cargo de magistério, embora exista norma específica dirigida aos servidores civis, qual seja, o artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal. Este dispositivo, que veda a acumulação de cargos e estabelece as exceções a essa regra, não foi incluído no rol de dispositivos referentes ao regime jurídico dos servidores públicos federais aplicáveis aos militares;
  2. e) as regras de cumulação da ativa se aplicam na inatividade. Não se trata simplesmente de verificação quanto à compatibilidade de horário ou ocorrência de atividade de dedicação integral, mas da própria existência de uma norma que faculte ao militar ativo ou inativo cumular cargo de magistério;
  3. f) o Estatuto dos Militares foi alterado para inadmitir a cumulação de cargo militar e de magistério, de modo que se repisa: não existe qualquer respaldo jurídico para que os militares inativos sejam equiparados aos servidores civis, pois eles devem ser equiparados aos militares da ativa;
  4. g) o TCU apresenta, diuturnamente, entendimento pela impossibilidade de cumulação na inatividade quando também o for na ativa. Também entende que as regras que possibilitam a cumulação devem ser expressas (Acórdãos 207/2003 e 1.853/2003, ambos da 2ª Câmara, e 531/2004 – 1ª Câmara);
  5. h) na linha do TCU e do STF, a regra geral é pela inacumulabilidade, de modo que não seria permitido enquadrar os militares inativos na categoria de cargo técnico, com o fim de lhes outorgar direito à cumulação, pois tal configuraria verdadeira interpretação extensiva – não autorizada – das hipóteses de acumulação;
  6. i) no voto condutor do Acórdão 1.909/2003 – 2ª Câmara, o Ministro-Relator Benjamin Zymler destacou a impossibilidade de cumulação de cargo público de magistério por militar inativo, nos seguintes termos (grifos do original):

 

‘Ementa

Reforma. Processo consolidado. Acumulação de proventos de aposentadoria com reforma. Ilegalidade. Aplicação da Súmula 106 do TCU. Opção pelos proventos de reforma por um dos interessados. Legalidade desse ato.

(…)

Voto do Ministro Relator

Examinam-se, nesta oportunidade, atos de concessão de reforma de militares da Aeronáutica, também beneficiários de aposentadorias em cargos civis.

A situação dos interessados neste processo é a seguinte:

  1. a) Alcyr Lintz Geraldo, ocupante do posto de Tenente-Coronel e transferido para reserva em 10.4.1974; ato de reforma com vigência a partir de 1.12.1993; aposentado no cargo de Professor de 1º e 2º graus no Ministério da Defesa (ato já julgado legal com recomendação, por este Tribunal, segundo informação constante à fl. 9);

(…)

Da situação do Sr. Alcyr Lintz Geraldo

Conforme anteriormente mencionado, a Constituição de 1988 sequer autoriza a acumulação de proventos de militar com a remuneração de professor, salvo se for entendido que o posto ou graduação militar pode ser equiparado a ‘cargo técnico’, de que cuida a alínea ‘b’ do inciso XVI do art. 37, o que não me parece correto. Porque, se assim fosse, o militar deveria poder acumular, em atividade, seu posto com o cargo ou emprego de professor, o que não ocorre na espécie, tendo em vista o teor do art. 42 da CF de 1988, em sua redação original, ou do art. 142, com a redação conferida peta EC 18/1998.

Contudo, nunca houve autorização expressa para esse tipo de acumulação – posto ou graduação militar e cargo de magistério. Tal acumulação era prevista no § 9º do art. 93 da EC 1/1969 apenas para as militares da reserva ou da reforma.

Baseado no argumento de que a vedação do art. 11 da EC 20/1998 mencionava tão somente as aposentadorias concedidas pelo regime de previdência de que cuida o art. 40 da CF, o interessado Alcyr Lintz Geraldo, que assina a peça de fls. 86/93 (por ele designada como ‘parecer’), intenta acumular proventos de reforma com de aposentadoria pelo art. 40. Na mesma linha é o entendimento do Ministério do Planejamento, segundo o qual é juridicamente possível a acumulação de proventos de servidor civil com de militar.

De fato, não se pode olvidar que a EC 20/1998 não obstou expressamente a percepção cumulativa de proventos de reserva ou reforma com proventos concedidos com base no art. 40 da CF. Numa primeira leitura, poder-se-ia concluir pela possibilidade de acumular proventos de militar e de servidor civil.

Contudo, creio não ser essa a melhor exegese.

Em primeiro lugar, porque, na linha do entendimento do STF, os cargos inacumuláveis na atividade continuam a sê-lo quando o servidor se inativa em um dos cargos.

Portanto, forçoso concluir que, se, ao militar, não é possível acumular seu posto com outro cargo, por falta de previsão constitucional, também não poderia fazê-lo na inatividade.

Reforça esse entendimento o fato de que o inciso II do § 3º do art. 142 da CF, com a redação conferida pela EC 20/1998, determina que o militar que assumir cargo permanente deve ser transferido para reserva, nos termos da lei.

Nesse ponto, cabe observar que a lei que regulamenta a transferência para a reserva não estará autorizada a permitir a percepção de proventos enquanto o militar inativo ocupar cargo público. Do contrário, estaria subvertendo a ordem constitucional, que fez da impossibilidade de acumulação a regra.

Dessa maneira, como antes referi, a circunstância de não se ter repetido o disposto no § 4º do art. 99, da Emenda Constitucional 1, de 1969, no âmbito da Constituição de 1988, pesa em desfavor da tese dos que defendem a acumulação ampla de proventos com vencimentos, porque não contemplada qualquer referência ou restrição aos inativos. O sistema da Constituição é o da vedação das acumulações remuneradas de vencimentos e proventos, resguardadas, apenas, as ressalvas expressas.

A locução ‘acumulação remunerada’ abrange vencimentos e proventos, pois estes guardam sempre remissão ao cargo público que foi exercido pelo ora inativo. A noção de proventos, portanto, se equipara à de vencimentos, para os efeitos de acumulação remunerada.’

Assim, a partir do momento em que o STF proferiu esse histórico julgamento, ficou assente que a vedação de acumulação de proventos e cargo foi mantida na Carta de 1988. A mais alta Corte do País entendeu que, mesmo sob o pálio da nova Constituição, a acumulação remunerada é sempre a exceção e deve ser expressa.

Sob esse enfoque é que deve ser analisada a possibilidade de o militar da reserva ou da reforma acumular proventos com remuneração. A partir daí, perquirir-se-ia sobre a possibilidade de acumulação de dois tipos de proventos.

Do texto constitucional de 1988, depreende-se que não foi dada ao militar a possibilidade de acumulação de cargos, na atividade. Nem mesmo foi repetido o comando da EC 1/1969 que permitia ao militar da reserva desempenhar função de magistério. Tampouco existe disposição que permita ao servidor civil acumular proventos com soldo ou com proventos de reserva ou reforma. Donde se conclui, na linha do STF, que, longe de permitir a acumulação, a Carta Constitucional de 1988 a vedou, tendo em vista que as exceções à regra – a impossibilidade de acumulação – devem ser expressas.’

 

  1. j) de acordo com o trecho acima citado, o TCU afastou, de plano, a aplicação do artigo 37, inciso XVI, alínea b, da CF/1988 aos militares, ao afirmar que: ‘a Constituição de 1988 sequer autoriza a acumulação de proventos de militar com a remuneração de professor, salvo se for entendido que o posto ou graduação militar pode ser equiparado a ‘cargo técnico’, de que cuida a alínea ‘b’ do inciso XVI do art. 37, o que não me parece correto’;
  2. k) no citado julgamento, põe-se a salvo apenas as situações configuradas sob o pálio da EC de 1969, conforme também salientado no Parecer 245/2011/Conjur-MD/AGU, em que se fez alusão, inclusive, à não revogação do artigo 57 do Estatuto dos Militares;
  3. l) a conclusão do Parecer 596/2011/Conjur-MD/AGU foi a seguinte (peça 1, fl. 29):

 

‘57. Considerando que o tema já foi amplamente debatido no âmbito desta Conjur e da Secretaria de Controle Interno deste Ministério, consolidando-se o entendimento no sentido de que o militar habilitado em profissão regulamentada não pode ser equiparado a cargo técnico, a gozar da faculdade de cumulação de cargos contida no art. 37, inc. XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal, pertinente aos servidores civis;

  1. Considerando que a parte do relatório do Acórdão 1.310/2005 do TCU que refere sobre a possibilidade de cumulação de cargo técnico por militar trata, em verdade, de transcrição pura e simples, pelo Ministro-Relator, da instrução apresentada pela Sefip (Secretaria de Fiscalização de Pessoal), não indicando, propriamente, o entendimento dos Ministros do Tribunal de Contas da União;
  2. Considerando que a situação específica do militar tratada nos autos, de cumulação de reforma remunerada com remuneração de cargo de magistério, está contida nos comandos gerais delimitados no voto do Ministro-Relator do Acórdão 1.310/2005, de forma que aqueles militares que não se encontrem na situação excepcional prevista no art. 11 da EC 20/1998 não poderão acumular cargo público;
  3. Considerando que ficou expresso no voto do Min. Relator o mesmo entendimento referido no Parecer 245/2011/Conjur-MD/AGU, no sentido de que a transferência para a reserva remunerada em virtude de assunção de cargo público de magistério somente foi possível até o advento da Lei 9.297/1996, que revogou o inc. XIV do art. 98 do Estatuto dos Militares, de forma que não subsiste, atualmente, qualquer norma a permitir a mencionada transferência ou a própria cumulação de cargos por militares;
  4. Considerando que ao militar da ativa não é facultada a cumulação de cargos e tendo em vista que vige o princípio segundo o qual as regras de cumulação da ativa se aplicam na inatividade, verifica-se que tal proibição inclui o militar inativo;
  5. Considerando que não existe qualquer respaldo jurídico para que os militares inativos sejam equiparados aos servidores civis, tendo em vista que a regra geral é pela inacumulabilidade e que as exceções devem ser expressas;
  6. Considerando que, no Acórdão 1.909/2003 – Segunda Câmara, o Min. Relator do Tribunal de Contas da União afastou, de plano, a aplicação do art. 37, inc. XVI, alínea ‘b’, aos militares, ao afirmar que: ‘a Constituição de 1988 sequer autoriza a acumulação de proventos de militar com a remuneração de professor, salvo se for entendido que o posto ou graduação militar pode ser equiparado a ‘cargo técnico’, de que cuida a alínea ‘b’ do inciso XVI do art. 37, o que não me parece correto. Porque, se assim fosse, o militar deveria poder acumular, em atividade, seu posto com o cargo ou emprego de professor, o que não ocorre na espécie, tendo em vista o teor do art. 42 da CF de 1988, em sua redação original, ou do art. 142, com a redação conferida pela EC 18/1998’:
  7. Este órgão de execução setorial da Advocacia-Geral da União opina no sentido de que não foi posto aos autos qualquer fato ou argumento novo capaz de elidir o entendimento consolidado no Despacho Decisório 10/MD, de 11 de maio de 2011, que concluiu pela improcedência do pedido de cumulação de remuneração de cargo público de magistério com os proventos da inatividade militar.’

Para delimitar o tema e a resposta ao consulente, a Secretaria de Fiscalização de Pessoal – Sefip desta Corte entendeu que, em face das regras vigentes quanto à acumulação de cargos públicos, três questões se colocam para o deslinde da matéria, quais sejam (peça 2, fl. 5):

‘1ª As regras constantes do art. 37 da CF/1988 são aplicáveis, indistintamente, a toda a administração pública e a todos os servidores públicos, inclusive aos militares?

2ª O fato de os incisos XVI e XVII do art. 37 da CF/1988, que tratam da vedação de acumulação remunerada de cargos públicos, não constarem, explicitamente, como aplicáveis aos militares, nos termos do art. 142, § 3º, inciso VIII, da CF/1988, significa que, em razão disso, podem acumular quaisquer cargos?

3ª O art. 57 da Lei 6.880/1980, que reproduz a regra contida no § 9º do art. 93 da CF/1967, com a redação dada pela EC 1/1969, foi recepcionado pela atual Carta Política, vez que esta estabelece normas diferenciadas, mais elásticas, quanto à vedação da acumulação de cargos públicos?’

Após examinar as questões suscitadas, em 15.2.2012, a unidade técnica especializada propôs, em pareceres uniformes, que o Tribunal (peças 2 e 3):

‘I. conheça dos presentes elementos como Consulta, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 264 e 265 do Regimento Interno desta Corte, esclarecendo ao consulente que:

I.1. as regras previstas nos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição Federal de 1988, quanto à acumulação de cargos públicos, são aplicáveis aos militares da reserva remunerada ou reformados, da mesma forma que para os demais servidores públicos, por força do disposto no § 10 do art. 37 da Constituição Federal;

II.2. os militares que não podem acumular cargos públicos são:

  1. a) no âmbito dos três comandos militares, qualquer militar da ativa, com exceção daqueles alcançados pelo § 1º do art. 17 do ADCT, bem como os que tomarem posse em cargo ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, nos termos do inciso III do § 3º do art. 142 da CF/1988;
  2. b) os militares da reserva remunerada ou reformados do Exército, nos seguintes casos:

b.1) soldados;

b.2) cabos;

b.3) terceiros-sargentos pertencentes ao QE (Quadro Especial);

b.4) sargentos para os quais não se exige formação técnica especializada ou nível superior de escolaridade;

b.5) não alcançados pelas ressalvas previstas no inciso XVI do art. 37 da CF/1988;

  1. c) quanto aos militares da reserva remunerada ou reformados da Marinha e da Aeronáutica, a aplicação do art. 37, § 10, e inciso XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal de 1988 deve ser precedida da aferição, caso a caso, se determinado posto ou graduação, quando em atividade, correspondia a cargo técnico ou científico, com exceção dos oficiais, visto que possuem nível superior de escolaridade; e

III. arquive o presente processo.’

A Sefip ampara sua proposta nos seguintes argumentos, em especial (peça 2):

  1. a) o constituinte reformador estabeleceu, no caput do artigo 37, que ‘A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:’ (grifos da unidade técnica);
  2. b) da simples leitura desse comando, observa-se que toda a administração pública e seus respectivos servidores estão sujeitos aos princípios e às regras estabelecidos no artigo 37, não havendo razão plausível para se isentar ou excluir qualquer órgão ou entidade pública, tampouco os servidores públicos, do seu efetivo cumprimento. Isto porque o texto do artigo não impõe qualquer restrição sobre sua aplicabilidade. Sendo assim, o Ministério da Defesa, órgão da administração pública federal direta, incumbido de exercer a direção superior das Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, bem como os respectivos militares, devem obediência àquelas regras e estão a elas subordinados;
  3. c) com vistas a corroborar a afirmação de que o Ministério da Defesa integra a administração pública federal direta, veja-se o que dispõe o art. 1º do Anexo I do Decreto 7.364/2010: ‘O Ministério da Defesa, órgão da administração federal direta, com a missão de exercer a direção superior das Forças Armadas, com vistas ao cumprimento de sua destinação constitucional e de suas atribuições subsidiárias, tem como área de competência os seguintes assuntos:’ (grifos da Sefip);
  4. d) apenas à primeira vista, poderia parecer que as regras de vedação de acumulação remunerada de cargos públicos não se aplicariam aos militares, ante o fato de os incisos XVI e XVII do artigo 37 da CF/1988 não estarem, explicitamente, consignados no inciso VIII do § 3º do artigo 142, aplicável aos militares;
  5. e) no que se refere aos militares em atividade, por força do disposto no artigo 142, § 3º, inciso II, tem-se que a proibição de acumular com outros cargos ou empregos públicos é a regra geral, sendo possível apenas as acumulações dispostas no artigo 17, § 1º, do ADCT e no artigo 142, § 3º, inciso III, ambos da CF/1988;
  6. f) no que atine à possível acumulação de proventos com remuneração de cargo, emprego ou função pública, aplica-se, aos militares, o disposto no § 10 do artigo 37 da CF/1988, incluído pela EC 20/1998: ‘É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração’;
  7. g) esse dispositivo [§ 10 do artigo 37 da CF/1988] proíbe a acumulação simultânea de proventos da aposentadoria de origem civil (artigo 40); ou de origem militar dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (artigo 42); ou de origem militar das Forças Armadas (artigo 142) com remuneração de cargo, emprego ou função pública, exceto para os cargos acumuláveis, na forma prevista na própria Constituição;
  8. h) em outras palavras, é vedado ao militar da reserva ou reforma remunerada acumular, simultaneamente, seus proventos com a remuneração de cargo público, a não ser que esta acumulação esteja dentro das ressalvas previstas no inciso XVI do artigo 37 da CF/1988, por expressa disposição do § 10 do artigo 37 da CF/1988. Portanto, o § 10 do artigo 37 da CF/1988 permite ao militar da reserva ou reforma remunerada, decorrente da inativação do artigo 142, acumular, simultaneamente, seus proventos com a remuneração de cargo público, desde que os cargos sejam acumuláveis;
  9. i) o legislador constituinte reformador, por ocasião da promulgação da EC 18/1998, que acrescentou o § 3º ao artigo 142, optou por não incluir, no rol do inciso VIII daquele parágrafo, o inciso XVI do artigo 37, pelo fato de que essa matéria já havia sido tratada em outros dispositivos da Constituição. ‘Senão vejamos: a proibição de acumular cargos públicos por militar que se encontrar em atividade está prevista no inciso II do § 3º do art. 142. Ao militar reformado, prescreve o § 10 do art. 37, transcrito nesta instrução, que é vedado acumular os proventos decorrentes de aposentadoria do art. 142 com a remuneração de cargos públicos, exceto aqueles acumuláveis na forma da Constituição, remetendo, indiretamente, para as possibilidades de acumulação previstas no inciso XVI do art. 37’;
  10. j) aplicam-se, pois, as regras do inciso XVI do artigo 37 da CF/1988 aos militares da reserva ou reforma remunerada. E, neste caso, não há falar em incompatibilidade de horários, visto que este óbice está superado em face da inatividade do militar;
  11. k) o ordenamento reconhece a possibilidade de percepção simultânea de proventos da inatividade com vencimentos da ativa, nas situações constituídas até a promulgação da Emenda Constitucional 20, em 15.12.1998. O Ministro Marco Aurélio, Relator do processo que apreciou o Mandado de Segurança 24.742/DF, no STF, contra acórdão deste Tribunal, assim se manifestou sobre esse assunto:

‘(…) A Carta de 1988, na redação primitiva, nada dispôs a respeito, em si, da acumulação de proventos. Com a Emenda Constitucional 20, deu-se disciplina interpretativa para viabilizar a acumulação de proventos e vencimentos considerados aqueles que, à época, haviam reingressado no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, vedando-se, isso em 1998, a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o artigo 40 da Constituição Federal, (…).’

  1. l) citando outros precedentes do STF que acolheram tese análoga (MS 24.958, 25.152, 25.123, 25.096, 25.084 e 25.050, 25.090, 24.997, 25.037, 25.036, 25.015, 25.095 e 25.113), o eminente Ministro-Relator Walton Alencar Rodrigues, no voto condutor do Acórdão 1.310/2005 –Plenário, transcreveu trecho do voto do Ministro Eros Grau, ao apreciar o MS 25.192/DF, na sessão de 7.4.2005:

‘6. Ficou ressalvada, desse modo, até a data da publicação da emenda [EC 20/1998], a percepção de proventos, fossem eles de natureza civil ou militar, cumulada com remuneração do serviço público.

  1. O preceito, outrossim, vedou a concessão de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência dos servidores civis, previsto no art. 40 da Constituição do Brasil. Não há, note-se bem, qualquer menção à concessão de proventos militares, estes previstos nos arts. 42 e 142 da Constituição.
  2. Tendo o impetrante reformado-se na carreira militar em 1983 e, posteriormente, aposentado-se como servidor civil, em 1993, não houve acumulação de proventos decorrentes do art. 40 da Constituição do Brasil, vedada pelo art. 11 da EC 20/1998, mas a percepção do provento civil [regime próprio do art. 40 CB/1988] cumulado com provento militar [regime próprio do art. 42 CB/1988], situação não abarcada pela proibição da emenda.
  3. Neste sentido os precedentes julgados pelo Plenário no último dia 2 de fevereiro, MS 24.997, MS 25.015, MS 25.036, MS 25.037, MS 25.090 e MS 25.095, dos quais sou Relator, e MS 24.958, Relator o Ministro MARCO AURÉLIO, nos termos dos quais entendeu-se que a Constituição do Brasil de 1967, bem como a de 1988, esta na redação anterior à Emenda Constitucional 20/1998, não obstavam o retorno do militar reformado ao serviço público e a posterior aposentadoria no cargo civil, acumulando os respectivos proventos.’

 

  1. m) com a EC 20/1998, portanto, incluiu-se o § 10 no artigo 37 da Carta da República, vedando a percepção simultânea de proventos decorrentes de aposentadoria do artigo 40 ou dos artigos 42 e 142 com a remuneração de cargos públicos, ressalvando-se, contudo, os cargos acumuláveis na forma da Constituição e os cargos eletivos, bem como aqueles demissíveis ad nutum. O artigo 11 daquela emenda viabilizou a acumulação de proventos e vencimentos para aqueles que, à época, haviam reingressado no serviço público pelas formas previstas na Carta Maior, vedando-se a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o artigo 40 da CF/1988. Ou seja, o artigo 11 da EC 20/1998 convalidou as situações de acumulação de proventos e vencimentos até então existentes no serviço público, independentemente de o beneficiário ser servidor público civil ou militar e de os cargos serem inacumuláveis na forma da Constituição;
  2. n) tem-se, por conseguinte, duas situações distintas. A primeira refere-se aos servidores inativos que reingressaram no serviço público, por concurso de provas ou de provas e títulos e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, antes da EC 20/1998. Neste caso, não restam dúvidas da possibilidade da acumulação, independentemente dos cargos cujas remunerações e proventos se acumulam;
  3. o) a segunda situação refere-se aos inativos, civis ou militares, que reingressaram no serviço público, por concurso de provas ou de provas e títulos e pelas demais formas previstas na Carta Federal, após a EC 20/1998. Neste caso, deve-se observar a regra constante no § 10 do artigo 37, incluída pela EC 20/1998. Conforme visto, um servidor somente poderá acumular proventos decorrentes de aposentadoria do artigo 40 ou dos artigos 42 e 142 com a remuneração de outro cargo público, caso a acumulação esteja contemplada pela ressalva constante no § 10 do artigo 37 da CF/1988, ou seja, esteja prevista dentro das possibilidades de acumulação insertas na Constituição;
  4. p) nesse contexto, um professor, militar reformado ou da reserva remunerada, submetido a concurso público de provas, ou de provas e títulos, para o cargo de professor em uma universidade pública, estaria amparado pela ressalva prevista na alínea a do inciso XVI do artigo 37, c/c o § 10 do mesmo artigo. Da mesma forma, um engenheiro militar reformado ou da reserva remunerada, que ingressa em uma universidade pública, no cargo de professor, após aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos, estaria amparado pela ressalva constante na alínea b do mesmo inciso, c/c o § 10, ambos do mesmo artigo. E, ainda, um médico militar reformado ou da reserva remunerada, empossado em um cargo de médico de um hospital público, após aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, estaria amparado pela ressalva constante na alínea c do mesmo inciso, c/c o § 10, ambos do mesmo artigo;
  5. q) o artigo 57 da Lei 6.880/1980 reproduz a regra contida no § 9º do artigo 93 da CF/1967, com a redação dada pela EC 1/1969, e estabelece normas diferenciadas, mais flexíveis que as da Constituição de 1988, quanto a ressalvas às vedações de acumulação de cargos públicos. Não foi encontrada jurisprudência do STF em que se analisou, especificamente, a recepção ou não do artigo 57 em questão pela atual Carta Política. Contudo, há jurisprudência daquele Tribunal reconhecendo a recepção, bem como rejeitando a aplicação de certos dispositivos da citada lei (RE 600.885-RS e RE 387.789-SP, entre outros);
  6. r) independentemente de haver ou não jurisprudência do STF reconhecendo ou não, de forma expressa, a recepção do mencionado artigo, entende-se que se aplicam as regras do inciso XVI do artigo 37 da CF/1988 aos militares da reserva ou da reforma remunerada. Neste ponto, a lei castrense é mais restritiva, poder-se-ia dizer, mais onerosa que a atual Carta Magna. Sendo assim, tendo em conta o princípio da supremacia da Constituição, conclui-se que esta deve prevalecer. É dizer, com a nova ordem constitucional, estabelecendo novas regras a respeito das possibilidades de acumulação de cargos públicos, mais elásticas que as constantes de lei editada com base na Constituição anterior, então aquelas devem ser aplicadas em detrimento do regramento estabelecido pela lei antiga. Em outras palavras, a lei atual ou recepcionada não pode fazer restrições que a Constituição Federal de 1988 não fez, conforme doutrina de Inocêncio Mártires Coelho, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (in Curso de Direito Constitucional, 4ª edição, p. 14-15);
  7. s) em recente decisão do STJ, de 18.8.2011, proferida monocraticamente pelo Ministro-Relator Herman Benjamin (MS 17.447/DF), em que um professor titular do ITA intenta usufruir da acumulação de proventos da reserva militar com os vencimentos de docente federal, a liminar foi parcialmente concedida ‘para garantir ao impetrante o direito à posse no cargo pleiteado sem a necessidade de apresentação de termo de opção pela remuneração do cargo ou emprego’. A referida concessão baseou-se no disposto no artigo 57 da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), sem, contudo, levar em consideração as questões constitucionais que pairam sobre o assunto;
  8. t) no caso concreto, a análise da recepção ou não do artigo 57 da Lei 6.880/1980 pela ordem constitucional de 1988 não é relevante, na medida em que a acumulação de proventos de militar com a remuneração de cargo público encontra-se tratada no § 10 do artigo 37 da CF/1988;
  9. u) com vistas a verificar se o militar exerce cargo técnico ou científico para efeitos da acumulação prevista na letra b do inciso XVI do artigo 37 da CF/1988, torna-se necessária a análise acerca da hierarquia militar;
  10. v) o artigo 14, § 1º, da Lei 6.880/1980 dispõe: ‘A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antiguidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade’. Segundo a primeira parte do disposto no § 1º do artigo 16, ‘posto é o grau hierárquico do oficial’, e o § 3º do mesmo artigo, ‘graduação é o grau hierárquico da praça, conferido pela autoridade militar competente’. Assim, os oficiais são classificados por postos, e as praças são classificadas por graduações. Esta hierarquia é assim distribuída no âmbito do Exército Brasileiro (partindo do primeiro para o último nível):
  • praças ou graduados: soldado, cabo, terceiro-sargento, segundo-sargento, primeiro-sargento e subtenente;
  • oficiais: aspirante a oficial, segundo-tenente, primeiro-tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel, general de brigada, general de divisão, general de exército;
  1. w) a Carta Magna e a legislação infraconstitucional não definem o que é ‘cargo técnico ou científico’. A jurisprudência do STJ tem-se manifestado no sentido de que ‘cargo técnico ou científico’, para os efeitos da acumulação prevista na letra b do inciso XVI do artigo 37 da CF/1988, é aquele para cujo exercício são exigidos conhecimentos técnicos específicos ou habilitação legal, não necessariamente de nível superior (RMS 20.033/RS – Relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima, DJ 12.3.2007, p. 261):

 

‘CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROFESSOR APOSENTADO E AGENTE EDUCACIONAL. IMPOSSIBILIDADE. CARGO TÉCNICO OU CIENTÍFICO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.

(…)

  1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que cargo técnico ou científico, para fins de acumulação com o de professor, nos termos do art. 37, XVII [sic], da Lei Fundamental, é aquele para cujo exercício sejam exigidos conhecimentos técnicos específicos e habilitação legal, não necessariamente de nível superior. (grifo nosso)

(…)’

 

  1. x) além disso, a jurisprudência do STJ tem entendido que o fato de o cargo ocupado exigir apenas nível médio de ensino, por si só, não exclui o caráter técnico da atividade, uma vez que o texto constitucional não exige formação superior para tanto, sendo necessária a comprovação de atribuições de natureza específica (RMS 12.352/DF – Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ 23.10.2006, p. 356):

 

‘RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. CARGO TÉCNICO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

O fato de o cargo ocupado exigir apenas nível médio de ensino, por si só, não exclui o caráter técnico da atividade, pois o texto constitucional não exige formação superior para tal caracterização, o que redundaria em intolerada interpretação extensiva, sendo imperiosa a comprovação de atribuições de natureza específica, não verificada na espécie, consoante documento de fls. 13, o qual evidencia que as atividades desempenhadas pela recorrente eram meramente burocráticas. (grifo nosso)

(…)’

 

  1. y) o TCU segue esse mesmo entendimento, nos termos do voto condutor do Acórdão 211/2008 – 2ª Câmara, em que o Ministro-Relator Aroldo Cedraz assim se manifestou:

 

‘3. Como foi bem colocado no parecer do Ministério Público junto a este Tribunal, transcrito no relatório que precede a este voto, as acumulações observadas não se encaixam na permissão de acumulação conferida pelo inciso XVI do art. 37, ‘b’, da Constituição Federal, visto que a leitura do dispositivo permite considerar a possibilidade de acumulação de cargo técnico ou científico que requeira a aplicação de conhecimentos científicos ou artísticos obtidos em nível superior de ensino ou mesmo os cargos de nível médio para os quais se exige conhecimento técnico ou habilitação legal específica para o seu provimento, não sendo aceitos, para esse fim, os cargos e empregos cujas atribuições se caracterizam como de natureza burocrática, repetitiva e de pouca ou nenhuma complexidade. (grifo nosso)’

 

  1. z) a atividade militar requer conhecimento técnico ou habilitação legal tanto para oficiais quanto para praças. Ambos necessitam comprovar nível de escolaridade e se submeter a cursos de formação para qualificação técnica militar nas áreas específicas de atuação;

 

  1. aa) a esse respeito, a Lei 6.880/1980 estabelece que (grifos da Sefip):

aa1) ‘O ingresso nas Forças Armadas é facultado, mediante incorporação, matrícula ou nomeação, a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei e nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica’ (artigo 10);

aa2) ‘As obrigações inerentes ao cargo militar devem ser compatíveis com o correspondente grau hierárquico e definidas em legislação ou regulamentação específicas’ (artigo 20, § 2º);

aa3) ‘Os cargos militares são providos com pessoal que satisfaça aos requisitos de grau hierárquico e de qualificação exigidos para o seu desempenho’ (artigo 21);

aa4) ‘Os Guardas-Marinha, os Aspirantes a Oficial e os alunos de órgãos específicos de formação de militares são denominados praças especiais’ (artigo 16, § 4º);

aa5) ‘Às praças especiais cabe a rigorosa observância das prescrições dos regulamentos que lhes são pertinentes, exigindo-se-lhes inteira dedicação ao estudo e ao aprendizado técnico-profissional’ (artigo 40);

  1. bb) a título de exemplo, o Decreto 3.182/1999, que regulamentou a Lei 9.786/1999, assim dispôs (grifos da unidade técnica):

‘Art. 6º O ensino no Exército compreende três graus:

I – fundamental, destinado a qualificar pessoal para a ocupação de cargos militares e o desempenho de funções próprias de soldados e cabos;

II – médio ou técnico, destinado à qualificação de pessoal para a ocupação de cargos militares e o desempenho de funções próprias das graduações de sargentos e subtenentes e dos postos dos integrantes do Quadro Auxiliar de Oficiais; e

III – universitário ou superior, destinado à qualificação de pessoal para a ocupação de cargos militares e o desempenho de funções próprias de oficiais e de oficiais-generais.’

  1. cc) as funções de soldados e cabos, portanto, por exigirem apenas nível fundamental de escolaridade, não estão inseridas no conceito de ‘cargo técnico ou científico’. Os oficiais, por sua vez, como devem comprovar nível superior de escolaridade para sua ocupação, estão incluídos, por isto, no referido conceito;
  2. dd) as funções de sargento requerem nível médio ou técnico de escolaridade. Neste último caso, a função exige conhecimentos técnicos para a sua ocupação, estando, por isto, também inserto no conceito de ‘cargo técnico ou científico’. Além disto, todos os candidatos a sargento do Exército, independentemente de nível médio ou técnico, submetem-se a cursos de formação para habilitação técnica na área específica escolhida para atuação. Vejamos alguns dos requisitos para inscrição no processo seletivo para os Cursos de Formação de Sargentos para o período de 2012-2013:

dd1) ter concluído o ensino médio, na forma da legislação federal que regula a matéria;

dd2) no caso de candidatos da área ‘Saúde’, haver concluído o curso de graduação ou Técnico em Enfermagem até a data de sua apresentação na organização militar de corpo de tropa (OMCT);

dd3) no caso de candidatos da área ‘Música’, executar o instrumento musical correspondente a um dos naipes abrangidos pelas vagas estabelecidas em portaria do Estado-Maior do Exército (EME), a ser verificada em exames específicos do processo seletivo;

  1. ee) ainda sobre o assunto, citam-se trechos de normas internas do Exército que regulam a admissão nos cursos de formação de sargentos (grifos da Sefip):

‘PORTARIA 2/DGP, DE 5 [DE] JANEIRO DE 2001

Regula a situação dos Candidatos aprovados no Concurso de Admissão aos Cursos de Formação de Sargentos (CFS)

Art. 1º Estabelecer que os civis ou militares aprovados no Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos (CFS), depois de relacionados, serão matriculados nos órgãos de formação na condição de alunos, inclusive para efeito de remuneração.

(…)

Art. 5º O aluno do CFS que concluir o curso com aproveitamento será desligado do mesmo, promovido à graduação de 3º Sargento e movimentado de conformidade com o Regulamento de Movimentação (R-50), obedecendo ao princípio da regionalização.’

‘PORTARIA 142-EME, DE 1º DE OUTUBRO DE 2011.

Aprova a Diretriz para a Formação de Sargentos de Carreira e dá outras providências.

  1. OBJETIVOS

(…)

  1. Aumentar o tempo de formação dos sargentos de carreira de forma a permitir a consolidação e sedimentação de conhecimentos técnico-profissionais e de valores e virtudes militares.
  2. PREMISSAS BÁSICAS
  3. O CFS tem a duração de 77 (setenta e sete) semanas e será realizado em 2 (dois) períodos, um Básico e um de Qualificação.

(…)

  1. O período de qualificação funcionará na Escola de Sargentos das Armas (EsSA), para as qualificações militares de subtenentes e sargentos (QMS) de Infantaria (Inf), Cavalaria (Cav), Artilharia (Art), Engenharia (Eng) e Comunicações (Com); na Escola de Sargentos de Logística (EsSLog), para as QMS Material Bélico – Manutenção de Viatura Auto (MB-Mnt Vtr Auto), Material Bélico – Manutenção de Armamento (MB-Mnt Armt), Material Bélico – Mecânico Operador (MB-Mec Op), Topografia (Topo), Intendência (Int), Músico (Mus), Saúde (Sau); e no Centro de Instrução de Aviação do Exército, para as QMS Aviação – Apoio (Av Ap) e Aviação – Manutenção (Av Mnt).
  2. CONDIÇÕES DE EXECUÇÃO

(…)

  1. Período Básico

1) Duração

34 (trinta e quatro) semanas.

  1. Período de Qualificação

1) Duração

43 (quarenta e três) semanas.’

  1. ff) pode-se, pois, verificar que os cursos de formação oferecidos aos sargentos – que possuem duração de aproximadamente um ano e meio – conferem qualificação técnica e habilitação específica para ocupação dos cargos militares nas respectivas áreas de atuação. Assim, não há possibilidade de um sargento que possui apenas o nível médio de escolaridade desempenhar a função de topógrafo, por exemplo. Tal função só pode ser exercida, satisfatoriamente, por quem tenha qualificação e habilitação técnica para tanto;
  2. gg) desse modo, considerando a hierarquia da carreira militar, os requisitos de escolaridade e a qualificação técnica para ocupá-los, a jurisprudência do STJ e a deste Tribunal, observa-se que somente poderão acumular cargos públicos os militares da reserva ou reforma remunerada ocupantes da graduação a partir de terceiro-sargento, inclusive, com qualificação técnica;
  3. hh) assim, dentre os terceiros-sargentos, devem ser excluídos aqueles pertencentes ao Quadro Especial (QE), visto que, neste caso, o requisito escolar é 4ª série do ensino fundamental, nos termos do inciso V do artigo 2º da Lei 10.951/2004, que reorganiza o QE de Terceiros- Sargentos do Exército. Os ocupantes destes cargos eram cabos e taifeiros-mor, com estabilidade assegurada e que cumpriram os requisitos para promoção, nos termos dos incisos do artigo 2º daquela lei;
  4. ii) em relação aos Comandos da Marinha (Lei 11.279/2006) e da Aeronáutica (Lei 12.464/2011), o ensino é tratado de forma distinta. Em ambos os casos, não se verifica a associação do grau de ensino (fundamental, médio e superior) com posto ou graduação militar, a exemplo do que foi disciplinado pelo artigo 6º do Decreto 3.182/1999 no âmbito do Comando do Exército;
  5. jj) assim, em relação aos Comandos da Marinha e da Aeronáutica, a aferição se determinado posto ou graduação do militar da reserva ou reformado correspondia, quando em atividade, a cargo técnico ou científico deve ser efetuada caso a caso, para fins de aplicação do § 10 do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 e do inciso XVI, alínea b, do mesmo artigo, exceção feita aos oficiais, visto que estes possuem nível superior de escolaridade.

 

A conclusão da Sefip é, em síntese, a seguinte (peça 2, fl. 13):

 

‘53. Por todo o exposto, conclui-se que as regras previstas nos incisos XVI e XVII do art. 37 da CF/1988, quanto à acumulação de cargos públicos, são aplicáveis aos militares da reserva ou reforma remunerada, da mesma forma que para os demais servidores públicos. A uma, porque interpretação literal do inciso II do § 3º do art. 142 da CF/1988 revela que a vedação de acumular cargos públicos aplica-se, tão somente, ao militar da ativa. A duas, porque interpretação sistemática do texto constitucional permite concluir que o militar da reserva ou reforma deve ser considerado, para fins de acumulação de proventos de aposentadoria com remuneração de cargo, emprego ou função pública, em igualdade com os demais servidores públicos inativos por força do estabelecido no § 10 do art. 37 da CF/1988. A três, devido ao princípio da supremacia constitucional, visto que as regras constantes do Estatuto dos Militares, Lei 6.880/1980, editada com base na Constituição anterior, são mais restritivas que aquelas constantes da atual Carta Política. Sendo assim, lei editada com base em Constituição anterior não pode fazer restrições que o atual ordenamento constitucional não fez.’

O Ministério Público de Contas, por meio do representante infra-assinado, requereu vista dos autos, considerando tratar-se de matéria idêntica à versada no âmbito do TC 015.649/2011-3, que cuida de representação originária deste Gabinete (peça 4).

Vossa Excelência determinou o encaminhamento dos autos a este Gabinete, para atendimento da solicitação de vista do processo (peça 5).

 

II

 

De início, veja-se, por oportuno, o inteiro teor da decisão monocrática proferida pelo Ministro Herman Benjamin, do STJ, em 22.8.2011, nos autos do Mandado de Segurança 17.447/DF, impetrado pelo Sr. Maurício Panzini Brandão, militar inativo que deu causa à emissão dos Pareceres 245/2011/Conjur-MD/AGU e 596/2011/Conjur-MD/AGU (item I deste Parecer), os quais motivaram a presente Consulta:

 

‘Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por militar da reserva remunerada contra ato do Ministro de Estado da Defesa.

Afirma que foi aprovado para a vaga de Professor Titular do ITA e busca usufruir da acumulação de proventos de inatividade com os vencimentos de docente federal. Aduz que o referido decreto [Decreto Federal 2.027/1996] condiciona a posse à declaração de que não exerce outro cargo público ou recebe vencimentos, proventos ou pensão inacumuláveis e que a acumulação foi indeferida por despacho no Processo MD 60000.004195/2011-50. Registra que seu direito é amparado pela Constituição e pelo Estatuto dos Militares.

Requereu a concessão da liminar para suspender o despacho atacado e assegurar-lhe a cumulação de proventos como militar inativo com os vencimentos do cargo de professor titular do ITA a partir de sua posse, sem ser obrigado a fazer opção por um deles.

Após o indeferimento da liminar, sobreveio pedido de reconsideração acompanhado dos autos do Processo MD 60000.004195/2011-50, no qual foram reiteradas as alegações do mandamus.

É o relatório.

Decido.

Os autos foram recebidos neste Gabinete em 18.8.2011.

De fato, a questão não é linear.

É bem verdade que a Constituição Federal estabelece no art. 37, IV [XVI], ser ‘vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI, a de um cargo de professor com outro técnico ou científico’.

Essa disciplina não foi incorporada explicitamente pelo regime das Forças Armadas (CF, art. 142, inc. VIII). Ao contrário, a Constituição não é favorável à possibilidade de cumulação de cargos, consoante o seu art. 142, § 3º, inc. II, referindo-se, contudo, aos militares em atividade, deixando ainda a cargo da lei a regulamentação da respectiva transferência para a reserva. Há, portanto, uma vedação que não se amolda plenamente à questão posta e que é norma de eficácia limitada em relação à reserva.

O § 10 do art. 37 da CF também não outorga solução definitiva à contenda, porquanto remete à possibilidade de percepção simultânea de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função públicos às hipóteses constitucionais, que não se subsumem, portanto, na espécie.

Assim, a ausência de autorização expressa, específica no caso de cumulação de proventos da reserva decorrente de tempo de serviço com os vencimentos do magistério, poderia ser interpretada como uma negação expressa.

Se examinarmos o Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980), a questão tende ao esclarecimento.

Seu art. 57 estabelece que ‘a proibição de acumular proventos de inatividade não se aplica aos militares da reserva remunerada e aos reformados quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados’.

Cuida-se de autorização específica, que disciplina a inatividade decorrente de transferência para a reserva remunerada a pedido, após mais de trinta anos de serviços (Estatuto dos Militares, arts. 96, I, e 97, caput – um equivalente à ‘aposentadoria’). Nesta cognição sumária, há lógica na ponderação, especialmente quando se está diante de magistério, que não é óbice à atividade de caserna e cujos vencimentos não representam uma recompensa ao militar que opta por outra carreira.

Nessa linha, as vedações previstas nos arts. 117 e 122 do estatuto não se amoldam in casu, porque tratam de hipótese de demissão/licenciamento ex officio e transferência para a reserva não remunerada de militar da ativa que passe a exercer emprego público permanente.

Diante do exposto, reconsidero a decisão de fls. 213-214/STJ e defiro parcialmente a liminar para garantir ao impetrante o direito à posse no cargo pleiteado sem a necessidade de apresentação de termo de opção pela remuneração do cargo ou emprego.’

 

III

 

No pleno exercício de seu poder-dever de promover a defesa da ordem jurídica e de dizer de direito em todos os assuntos sujeitos à decisão do TCU (artigo 81 da Lei 8.443/1992), o Ministério Público oferece seus contributos para o enriquecimento da discussão e para a melhor efetividade do controle externo.

Conta com a adesão do Ministério Público a proposta de encaminhamento sugerida pela Secretaria de Fiscalização de Pessoal, com ressalva apenas quanto aos militares da ativa que desempenhem atividades privativas de profissionais de saúde com profissões regulamentadas. Estes, mesmo na ativa, podem acumular sua atividade no âmbito militar com outro cargo de natureza civil, observados o teto remuneratório e a compatibilidade de horários.

De acordo com precedentes do Supremo Tribunal Federal:

 

‘O art. 93, § 9º, da Constituição do Brasil de 1967, na redação da EC 1/1969, bem como a Constituição de 1988, antes da EC 20/1998, não obstavam o retorno do militar reformado ao serviço público e a posterior aposentadoria no cargo civil, acumulando os respectivos proventos. Precedente (MS 24.742, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo 360). Reformado o militar sob a Constituição de 1967 e aposentado como servidor civil na vigência da Constituição de 1988, antes da edição da EC 20/1998, não há falar-se em acumulação de proventos do art. 40 da CF/1988, vedada pelo art. 11 da EC 20/1998, mas a percepção de provento civil (art. 40 da CF/1988) cumulado com provento militar (art. 42 da CF/1988), situação não abarcada pela proibição da emenda.’ (MS 24.997, MS 25.015, MS 25.036, MS 25.037, MS 25.090 e MS 25.095, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2.2.2005, Plenário, DJ de 1º4.2005.) No mesmo sentido: MS 25.149, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 9.6.2005, Plenário, DJE de 18.9.2009; MS 24.448, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 27.9.2007, Plenário, DJE de 14.11.2007; MS 25.045, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 7.4.2005, Plenário, DJ de 14.10.2005; MS 24.958, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.2.2005, Plenário, DJ de 1º4.2005.

 

Estes autos tratam, porém, da possibilidade ou não de militar inativo cumular cargo público de magistério na vigência da Emenda Constitucional 20/1998, que, dentre outras medidas, acrescentou o § 10 ao artigo 37 e explicou o alcance deste, por meio do artigo 11, nos seguintes termos:

 

‘Art. 37 (…)

  • 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do artigo 40 ou dos artigos 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.’

‘Art. 11. A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite de que trata o § 11 deste mesmo artigo.’

 

A Emenda Constitucional 20/1998, ao introduzir o § 10 no artigo 37 da Constituição da República, apenas transformou o entendimento jurisprudencial consubstanciado na interpretação do artigo 37, incisos XVI e XVII, e do artigo 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição da República em texto constitucional, firmado no sentido de que é vedada a acumulação de proventos e vencimentos, salvo em relação a cargos acumuláveis na atividade (STJ, AgRg no RMS 14617, DJ 21.7.2005).

O artigo 11 da EC 20/1998 convalidou o reingresso – até a data da sua publicação – do inativo no serviço público, por meio de concurso. A convalidação alcança os vencimentos em duplicidade se os cargos são acumuláveis na forma do disposto no artigo 37, inciso XVI, da Constituição do Brasil, vedada, todavia, a percepção de mais de uma aposentadoria (STF: RE 489.776-AgRRE 547.900-AgR, RE 599.909-AgR, AI 483.076-AgR-AgR).

Já decidiu esta Corte que (Acórdão 351/2006 – 1ª Câmara):

 

‘PESSOAL. PEDIDO DE REEXAME. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA E RESERVA REMUNERADA. HIPÓTESE DO ARTIGO 11 DA EMENDA CONSTITUCIONAL 20/1998. LEGALIDADE. PROVIMENTO. ACUMULAÇÃO ILÍCITA DE PROVENTOS. CARGOS INACUMULÁVEIS. ILEGALIDADE. NEGADO PROVIMENTO.

1 – Enquadrando-se o servidor na hipótese prevista no artigo 11 da Emenda Constitucional 20/1998, e percebendo proventos oriundos de reserva remunerada ou reforma, poderá, caso implemente as condições para se aposentar no novo cargo, acumular os proventos decorrentes da aposentadoria aos da reserva remunerada ou reforma anterior.

2 – Pedido de reexame provido, para considerar legais as concessões.

3 – É ilegal a acumulação de proventos de aposentadoria oriundos tão somente de cargos de natureza civil inacumulável na atividade.’

 

Também já deliberou no sentido de que (Acórdão 2.032/2007 – 2ª Câmara):

 

‘O servidor que se enquadre na hipótese do artigo 11 da Emenda Constitucional 20/1998, perceba proventos oriundos de reserva remunerada ou reforma e implemente as condições para se aposentar em novo cargo poderá fazê-lo, apenas nessa hipótese, acumulando os proventos decorrentes da aposentadoria aos da reserva remunerada ou reforma anterior.’

 

Os colegiados do egrégio STF não se têm pronunciado acerca da acumulação de cargos públicos por parte de militares, ante a ausência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, conforme precedentes a seguir:

 

‘a) RE 592.658 RG/MG (julgamento: 9.10.2008, DJe 24.10.2008):

‘EMENTA: ADMINISTRATIVO. MILITAR. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS PÚBLICOS NA ÁREA DE SAÚDE. CARGO DE ENFERMEIRO MILITAR COM OUTRO DE MESMA NATUREZA NO ÂMBITO MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Decisão: O Tribunal, por maioria, recusou o recurso extraordinário ante a ausência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ministro MENEZES DIREITO Relator’

  1. b) RE 579.720 RG/MG (julgamento: 17.4.2008, DJe 2.5.2008)

‘EMENTA: CONSTITUCIONAL. ARTS. 37, XVI, B; 42, § 1º; E 142, § 3º, II E VIII. MILITAR. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO COM CARGO DE MAGISTÉRIO. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Decisão: O Tribunal recusou o recurso extraordinário ante a ausência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Não se manifestou a Ministra Ellen Gracie. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI Relator’

 

No bojo do Recurso Extraordinário 592.658/MG, acima mencionado, o Ministro Marco Aurélio, cujo voto restou vencido, fez as seguintes ponderações:

 

‘(…)

  1. Reitero o que venho consignando sobre a importância do instituto da repercussão geral, devendo-se resistir à tentação, no exame, de formar juízo sobre a procedência ou a improcedência do que revelado nas razões do extraordinário. Cumpre encará-lo com largueza. O instrumental viabiliza a adoção de entendimento pelo Colegiado Maior, com o exercício, na plenitude, do direito de defesa. Em princípio, chega-se a vislumbrar grande número de processos, mas, uma vez apreciada a questão, a eficácia vinculante do pronunciamento propicia a racionalização do trabalho judiciário.

O tema de fundo sinaliza a necessidade de manifestação do Supremo, verificando-se que é possível haver a repetição do caso em inúmeros processos. Incumbe definir o aparente conflito entre o artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual o militar, ao assumir cargo civil, passa para a reserva, e o disposto no artigo 37, inciso XVI, alínea ‘a’ [‘c’], também da Carta da República. A Corte de origem placitou a acumulação, afastando a regra específica relativa aos militares.

  1. Admito a repercussão geral.’

 

No âmbito do RE 579.720/MG, também mencionado acima, vencidos os Ministros Marco Aurélio, que alertou para a necessidade de se ‘definirem, passo a passo, as situações concretas em que permitida pela Carta Federal a acumulação de cargos, evitando-se a insegurança jurídica’, e Ricardo Lewandowski, este último assim se manifestou:

 

‘Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que entendeu pela possibilidade de acumulação dos cargos de sargento da Polícia Militar com outro de professor municipal, nos termos do art. 37, XVI, b, da Constituição, porquanto a função militar possui natureza técnica.

Neste RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, alegou-se ofensa aos arts. 42, § 1º, e 142, § 3º, II e VIII, da mesma Carta. Sustentou-se que,

 

‘fosse intenção do constituinte permitir o acúmulo de cargos públicos ao policial militar, teria mencionado o inciso XVI do art. 37 no art. 142, § 3º, inciso VIII, da Constituição Federal, e não o fez’. (fl. 115)

 

Quanto à preliminar de repercussão geral, o recorrente sustentou, em suma, que o caso possui relevância do ponto de vista jurídico, pois visa a preservar a correta interpretação e aplicação da Constituição Federal. Ademais, argumentou que, caso prevaleça a decisão recorrida, inúmeros militares desejarão ocupar um segundo cargo público, de natureza civil, com prejuízo para a dedicação exclusiva que devem ter para com as funções de policial militar.

Entendo que a presente questão constitucional oferece repercussão geral, pois ultrapassa os interesses subjetivos das partes, podendo atingir os interesses de toda a categoria de policiais e oficiais militares.

Além disso, a hipótese descrita nos autos possui relevância jurídica, porquanto o julgamento definirá se a acumulação dos cargos de militar e de magistério é vedada pelos arts. 42, § 1º, e 142, § 3º, II e VIII, da Constituição.

Isso posto, manifesto-me pela existência de repercussão geral no presente recurso extraordinário (art. 543-A, § 1º, do CPC, com redação dada pela Lei 11.418/2006, combinado com o art. 322 do RISTF).’

 

Monocraticamente, há diversas deliberações do STF contrárias à acumulação de cargo público por militares (v.g., RE 566.028/SP, julgamento: 3.2.2011, DJe 17.2.2011; RE 482.832/DF, julgamento: 18.3.2010, DJe 5.42010; AI 765.754/SP, julgamento: 24.11.2009, DJe 15.12.2009; RE 389.290/SP, julgamento: 20.5.2008, DJe 30.5.2008). Pautam-se, especialmente, nos seguintes argumentos:

  1. a) a despeito de o artigo 37, inciso XVI, alínea b, da CF/1988 referir-se genericamente à possibilidade de acumulação de cargos públicos – um de professor com outro técnico ou científico – quando houver compatibilidade de horários, os militares receberam disciplinamento específico na Lei Maior acerca do tema;
  2. b) o artigo 42, § 1º, combinado com o artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição estabelece que o militar da ativa que tomar posse em cargo ou emprego civil permanente será transferido para a reserva;
  3. c) ante o caráter específico e restritivo da norma supracitada, não se justifica a interpretação extensiva;
  4. d) caso fosse intenção do constituinte outorgar o direito ao militar de acumular cargo, emprego ou função, independentemente da necessidade de ser transferido para a reserva (artigo 142, § 3º, inciso II), teria incluído referido direito no elenco do artigo 142, § 3º, inciso VIII, da Constituição, que determina a aplicação de alguns incisos do artigo 37 aos militares;
  5. e) o artigo 37, inciso XVI, alíneas a, b e c, da Lei Maior, que enumera as hipóteses autorizadas de acumulação remunerada de cargos, é de cunho excepcional, não sendo dado ao intérprete estendê-lo para abranger situações não contempladas em seu texto.

Há precedente específico do STJ, relativamente antigo, acerca da matéria versada na presente Consulta, a saber (REsp 399.298/DF, julgamento: 26.6.2008, SEXTA TURMA, DJe 4.8.2008 – grifos acrescidos):

 

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. RESERVA REMUNERADA. CUMULAÇÃO DE PROVENTOS COM REMUNERAÇÃO DE OUTRO CARGO. IMPOSSIBILIDADE. LEI DE REGÊNCIA. DATA DA POSSE. TRANSFERÊNCIA PARA A RESERVA REMUNERADA. POSSIBILIDADE.

  1. É com a posse que o servidor adquire os direitos e deveres do cargo, razão pela qual a partir de tal ato que começa ele a ser regido pelas normas que formam sua base de sustentação.
  2. A possibilidade de cumulação de proventos da reserva remunerada com remuneração pelo exercício de cargo público diverso do militar foi afastada pela Lei 9.297/1996.
  3. Nos termos da expressa dicção do art. 98, inciso XIV, da Lei 6.880/1980, é cabível o direito do militar de ser transferido para a reserva remunerada, no caso de ter sido empossado em cargo de magistério, sem que isso, contudo, lhe confira o direito à cumulação de proventos.
  4. Recurso especial provido.’

 

O Ministério Público defende que esta Corte deve, ao examinar a matéria, atentar para outros aspectos da questão.

No bojo do Processo TC 015.649/2011-3, que hoje se encontra no Gabinete do Ministro-Relator Raimundo Carreiro, discute-se, além da competência do TCU para fiscalizar a aplicação de recursos originários do Fundo Constitucional do Distrito Federal – FCDF, custeado pelo Tesouro Nacional (Lei 10.633/2002), a possibilidade de acumulação remunerada de cargos públicos por parte de militares, especialmente de militares profissionais de saúde.

Naquele feito, o Ministério Público reafirmou sua absoluta convicção acerca da legalidade e da constitucionalidade da acumulação de cargos públicos por parte de militares profissionais de saúde.

Esta Corte de Contas já se debruçou sobre o tema da acumulação de cargo civil de profissional de saúde com posto militar de mesma finalidade, isto é, pode o militar médico, dentista, enfim, profissional de saúde, com profissão regulamentada, ocupar também um cargo com a mesma finalidade na esfera da administração pública civil?

Tanto por meio do Acórdão 3.382/2008 da 1ª Câmara, como por meio do recente Acórdão 3.295/2010 – Plenário, considerou esta Corte de Contas ser plenamente constitucional tal acumulação.

Também o STF e o STJ, em recentes deliberações, sustentam, acertadamente, à luz do ordenamento jurídico em vigor, a possibilidade e a viabilidade da acumulação de cargos públicos por parte de militares profissionais de saúde (STF: AI 551988, Despacho do Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento 1º10.2009, DJe 6.11.2009; STJ: RMS 22765/RJ, Sexta Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura; julgamento 3.8.2010, DJe 23.8.2010).

Mediante o aludido Acórdão 3.295/2010 – Plenário (Relação 54/2010 – Gabinete do Ministro Benjamin Zymler), esta Casa considerou improcedente denúncia de suposta acumulação indevida dos cargos públicos de Analista Judiciário do Supremo Tribunal Federal (área Apoio Especializado, especialidade Odontologia, 30 horas, posse em 30.10.2008) e de 1º Tenente Cirurgião-Dentista do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (especialidade Endodontia, 30 horas, posse em 23.12.2008).

No caso do TC 015.649/2011-3, o despacho do Sr. Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar do DF buscou fundamentos em oscilações da jurisprudência – seja no âmbito dos Tribunais Superiores, em decisões menos recentes (STF e STJ), dos Tribunais de Justiça (v.g., RJ, SP, MG e DF) ou do TCDF, por exemplo –, acerca da possibilidade de acumulação de cargos/empregos públicos por parte de militar.

Os principais argumentos dos que sustentam a ilicitude da cumulação são os seguintes:

  1. a) a proibição de acumulação de cargos é a regra na legislação vigente, excepcionada em casos específicos previstos no artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal;
  2. b) a possibilidade de acumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, não se estenderia aos militares, ante o disposto nos artigos 42, § 1º, e 142, § 3º, incisos II e VIII, da Carta Magna;
  3. c) o artigo 142, inciso VIII, da Lei Maior contém enumeração taxativa, e não meramente exemplificativa, de modo que não poderia o intérprete estender aos militares outros direitos previstos nos artigos 7º e 37 da Constituição de 1988, vale dizer, o inciso VIII do § 3º do artigo 142, ao enumerar os direitos do artigo 37 aplicáveis aos militares, não incluiu o inciso XVI deste, que versa exatamente sobre a possibilidade de acumulação remunerada de cargos públicos;
  4. d) as exceções possíveis, constitucionalmente previstas, seriam, no caso de militares: apenas os militares médicos que, à época da promulgação da CF/1988, já acumulavam os cargos, por força do artigo 17, § 1º, do ADCT, e os militares que, após a aposentadoria, reingressaram no serviço público civil anteriormente ao advento da Emenda Constitucional 20/1998.

Os militares profissionais de saúde não exercem atividades militares stricto sensu, ou seja, tipicamente militares, mas atividades inerentes a profissões civis.

Sua função imediata não é defender a Pátria e garantir os poderes constituídos, a lei e a ordem, mas dispensar cuidados tendentes à manutenção da saúde, bem como à prevenção, ao tratamento e à cura de doenças.

A percepção da distinção existente entre atividade militar stricto sensu e atividade lato sensu é vital para a correta compreensão da quaestio juris no tocante aos militares profissionais de saúde.

A atividade tipicamente militar caracteriza-se por ser continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas, com base na hierarquia e na disciplina. Justamente por esta devoção, exige-se dos militares stricto sensu, dedicação integral e exclusiva ao serviço, fidelidade à instituição e até mesmo, em momentos extremados, o sacrifício da própria vida.

Nesse cenário, não seria mesmo plausível cogitar-se da acumulação de cargos por parte de brasileiros que exercem a atividade tipicamente militar, os quais, na prática, precisam estar permanentemente à disposição da corporação, ainda que de sobreaviso, particularidade esta que, naturalmente, os impede de assumir compromissos e de conciliar interesses com outro empregador, porque nada é mais importante do que a defesa nacional e dos seus e a garantia da lei e da ordem.

Eis, portanto, a razão da ausência de previsão constitucional expressa que autorize a acumulação de cargos pelos militares em geral, conforme a vedação constante do artigo 142, § 3º, inciso II.

Contudo, definitivamente, essa não é, nem pode ser, em tempos de paz, a realidade imanente aos profissionais de saúde da corporação, que têm competências específicas, as quais não se confundem com a salvaguarda do bem-estar coletivo e nacional.

Tanto são diferentes os militares da área da saúde que, sem questionamento algum dos diversos segmentos da sociedade, inclusive com expressa previsão legal, admite-se o exercício da profissão, por parte dos militares da área de saúde, na seara civil, em cargos privados (v.g., consultórios, universidades particulares, clínicas e hospitais privados).

Prova disto, por exemplo, é que a Lei 7.479/1986, ao aprovar o Estatuto dos Bombeiros Militares do DF, assim dispôs (grifos acrescidos):

 

‘Art. 30. Ao bombeiro militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada.

(…)

  • 3º No intuito de desenvolver a prática profissional, é permitido aos oficiais titulados no Quadro de Saúde o exercício de atividade técnico-profissional no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço e não infrinja o disposto neste artigo.’

 

Especificamente no que se refere aos bombeiros militares do Distrito Federal, a possibilidade de exercício de atividade técnico-profissional pelos oficiais do Quadro de Saúde, e apenas pelos oficiais do Quadro de Saúde, conforme visto acima, avulta a existência de diferença fundamental entre o tratamento legal dado a estes e o tratamento dado aos demais oficiais da corporação distrital, consagrando o princípio constitucional da igualdade, vale dizer, dispensando tratamento desigual aos que são fundamentalmente desiguais.

Essa peculiaridade não atinge somente o DF. Ao contrário. Idêntica previsão consta do artigo 29, § 3º, da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), in verbis:

 

‘No intuito de desenvolver a prática profissional, é permitido aos oficiais titulares dos quadros ou serviços de saúde e de veterinária o exercício de atividade técnico-profissional no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço e não infrinja o disposto neste artigo’.

 

Daí não fazer o menor sentido lógico-jurídico, nem haver razoabilidade social alguma, em admitir-se que os militares da saúde possam se dedicar às suas profissões no âmbito civil, na esfera privada, mas não possam prestar sua colaboração qualificada para a saúde pública, voltada especialmente para os segmentos mais carentes da população brasileira.

Afigura-se não somente possível, mas imperativo reconhecer, como esta Corte já o fez, a licitude da atuação dos militares da saúde em instituições públicas de saúde ou em hospitais universitários, em que não somente atendem a população, como também emprestam seu saber e sua experiência para a formação de novas gerações de profissionais da saúde.

Não é razoável, à vista da valorização dessa mão de obra no mercado de trabalho e da sua significativa importância para o seio da sociedade, que o militar da saúde possa desempenhar suas atividades na esfera privada, visando ao lucro, e não o possa na seara pública, que visa ao atendimento gratuito da população.

É muito mais consentâneo com a ética e com os valores que regem as corporações militares, voltadas para a segurança e o bem maior da sociedade, que seus militares da saúde possam prestar colaboração na esfera da saúde pública, em vez de disponibilizá-los apenas para o segmento da saúde privada.

Há que se ler a Constituição em sintonia com os valores que ela mesma proclama. Nossa Constituição é extremamente marcada pela preocupação social. Basta ver que é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais (artigo 3º, inciso III, da Carta Magna).

Assim, há que se perceber a diferença fundamental existente entre os militares stricto sensu e os militares da saúde e reconhecer que a exceção contida no artigo 37, inciso XVI, alínea c, excepciona não somente a regra geral voltada para os servidores civis de não acumulação de cargos, mas também a regra geral de não acumulação voltada para os militares, contida no artigo 142, § 3º, inciso II.

É preciso ressaltar, também, que essa regra excepcional que permite a acumulação de cargos pelos profissionais da saúde não existe para conferir-lhes privilégios, mas para atender às necessidades da sociedade brasileira. Bem de ver que não se trata de ‘marajás’ da administração. Bem ao contrário, são remunerados de forma até bastante econômica para seu nível de qualificação. Certamente é economicamente vantajoso para a sociedade brasileira, para a saúde pública e para as corporações militares poder contar com esses profissionais em seus quadros.

Além disso, esses profissionais que acumulam a condição de militar da saúde e de servidores de hospitais públicos são extremamente bem qualificados. Foram aprovados não somente em um, mas em dois concursos públicos rigorosos. Sua contribuição tanto para as corporações militares como para a saúde pública é extremamente valiosa e necessária.

Com todas as vênias, cometem um erro grave contra a qualidade da saúde pública ou contra o serviço de saúde prestado aos militares aqueles que pretendem impedir essa salutar acumulação com base numa interpretação literal, pobre e mesmo simplória de nossa Constituição.

Insistir nessa restrição é discriminar a saúde pública. Por que entender que a Administração Pública deve renunciar à força de trabalho desses profissionais altamente qualificados, atraídos por rigorosos processos seletivos e de competência inquestionável? Por que abrir mão destes profissionais, pura e simplesmente, em favor da iniciativa privada? Seria mesmo um contrassenso vetar a acumulação tão somente porque um vínculo é de natureza pública e o outro também. Certamente este não é o espírito da Constituição nem o ideal de justiça do legislador constituinte.

Mesmo na seara militar, frise-se, os profissionais de saúde têm jornada de trabalho diferenciada da dos demais integrantes da corporação. Esta distinção, claro, não é aleatória: é fruto da diferença de escopo das atribuições de cada cargo e já sinaliza que os profissionais de saúde, mesmo no meio castrense, estão jungidos à regulamentação de suas profissões, cada qual com especificidades próprias.

É nesse contexto que recentes decisões do STF e do STJ sustentam, acertadamente, à luz do ordenamento jurídico em vigor, a possibilidade e a viabilidade da acumulação de cargos públicos por parte de militares profissionais de saúde (STF: AI 551988, Despacho do Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento 1º10.2009, DJe 6.11.2009; STJ: RMS 22765/RJ, Sexta Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura; julgamento 3.8.2010, DJe 23.8.2010). Este é exatamente o caminho a ser trilhado pelo TCU, nos mesmos moldes do entendimento adotado nos Acórdãos 3.295/2010 – Plenário e 3.382/2008 – 1ª Câmara.

Ao satisfazer necessidades públicas, mediante redução da carência de recursos humanos, a prerrogativa constitucional de acumulação de cargos na área da saúde tem como premissa o benefício da coletividade, de modo que não constitui privilégio injustificado para conceder prestígio a determinadas carreiras.

A mais recente jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça vem se firmando exatamente no sentido defendido na aludida Representação do Ministério Público (TC 015.649/2011-3).

Por meio do Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança (AgRg no RMS) 28.234/PA, da relatoria do Ministro Vasco Della Giustina, a Sexta Turma do STJ decidiu, por unanimidade, o seguinte (julgamento em 20.10.2011, DJe 9.11.2011):

 

‘AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA ALTERAR A DECISÃO AGRAVADA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. CIVIL E MILITAR. ODONTÓLOGA. POSSIBILIDADE.

  1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental.
  2. ‘Diante da interpretação sistemática do art. 37, XVI, alínea ‘c’, c/c os arts. 42, § 1º, e 142, § 3º, II, da Constituição de 1988, é possível acumular dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis’. Precedentes.
  3. Agravo regimental a que se nega provimento.’

 

O voto do Ministro Vasco Giustina foi lavrado nos moldes a seguir:

 

‘Não obstante os argumentos expendidos pelo agravante, verifica-se que a tese jurídica veiculada nas razões do regimental não é capaz de modificar o posicionamento anteriormente firmado, o qual se funda na mais recente jurisprudência deste Egrégio Tribunal.

No mais, mantém-se, na íntegra, por seus próprios fundamentos, a decisão ora agravada, nos seguintes termos:

‘Anota-se que o v. acórdão recorrido destoa da jurisprudência assente deste Egrégio Tribunal, o qual tem entendido que ‘diante da interpretação sistemática do art. 37, XVI, alínea ‘c’, c/c os arts. 42, § 1º, e 142, § 3º, II, da Constituição de 1988, é possível acumular dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis’. Confiram-se os seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FISIOTERAPEUTA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 37, INCISO XVI, ‘C’, C/C OS ARTS. 42, § 1º, E 142, § 3º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES DO STF E STJ.

  1. Trata-se na origem de Mandado de Segurança contra ato do Secretário de Estado de Planejamento e Gestão do Rio de Janeiro. O impetrante sustenta a legalidade do acúmulo de cargos de fisioterapeuta concursado da Polícia Militar e do Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras.
  2. Diante da interpretação sistemática do art. 37, XVI, alínea ‘c’, c/c os arts. 42, § 1º, e 142, § 3º, II, da Constituição de 1988, é possível acumular dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis. Precedentes do STF e STJ.
  3. Recurso Ordinário provido.

(RMS 33.550/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21.6.2011, DJe 1º9.2011)

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. ENFERMEIRA DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. CUMULAÇÃO COM O CARGO DE ENFERMEIRA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTIGOS 37, INCISO XVI, ‘C’, COM O ARTIGO 42, § 1º, E 142, § 3º, II, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

  1. Diante da interpretação sistemática dos artigos 37, inciso XVI, alínea ‘c’, com o artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição de 1988, é possível a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis.
  2. Recurso conhecido e provido.

(RMS 22.765/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 3.8.2010, DJe 23.8.2010)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.’

 

Outra deliberação do Tribunal da Cidadania, igualmente aprovada por unanimidade (Relator Humberto Martins, Segunda Turma), também merece destaque. Trata-se do RMS 32.930/SE (julgamento em 20.9.2011, DJe 27.9.2011), cuja ementa reza o seguinte:

 

‘CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. MILITAR. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. COMPROVADA ATUAÇÃO NA ÁREA DE SAÚDE. ART. 37, XVI, ‘C’, COM O ART. 42, § 1º, E ART. 142, § 3º, II, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PLEITO. PRECEDENTES. SITUAÇÃO FÁTICA ABRANGIDA PELO ART. 28, § 3º, DA LEI ESTADUAL 2.066/1976 (ESTATUTO DOS POLICIAIS MILITARES).

  1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que denegou a segurança em postulação acerca da possibilidade de acumular cargo militar da área de saúde com outra atividade privada congênere. A denegação fundou-se em duas razões. A primeira decorre do entendimento de que o art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal, aplicável aos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, da Carta Política, veda o exercício de outra atividade aos servidores militares. A segunda decorre de que o cargo do recorrente não seria do quadro da saúde.
  2. O acervo probatório trazido aos autos (fls. 30-31) informa que o recorrente atua na área de saúde. Alega no recurso que a acumulação é permitida pelo art. 37, XVI, ‘c’, da Constituição Federal, bem como pelo art. 28, § 3º, da Lei Estadual 2.066/1976 (Estatuto Estadual dos Policiais Militares).
  3. O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que deve haver interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, nestes casos, com a adjudicação do direito de acumulação aos servidores militares que atuem na área de saúde: RE 182.811/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 30.6.2006, p. 35, Ement. vol. 2.239-02, p. 351, LEXSTF, vol. 28, nº 331, 2006, p. 222-227. Neste sentido, no STJ: RMS 22.765/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 23.8.2010. Ademais, cabe frisar que a Lei 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares) permite a pleiteada acumulação.

Recurso ordinário provido.’

 

Em síntese, o Ministro Humberto Martins assim se posicionou nos respectivos relatório e voto:

 

‘Cuida-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por ERMESSON LEITE, com fundamento no art. 105, II, ‘b’, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, assim ementado (e-STJ, fls. 72-73):

‘Mandado de Segurança – Policial Militar que atua como técnico de enfermagem junto ao Sesi – Aplicação da teoria da encampação para suprir a irregularidade representada pela indicação errônea da autoridade coatora – Impossibilidade de cumulação das atividades policiais com o emprego civil – Regras especiais que normatizam o serviço militar, em razão da essencialidade e natureza especial deste – Segurança denegada.

  1. A indicação errônea da autoridade coatora conduz à extinção do mandamus. Todavia, tendo a defesa de mérito sido apresentada pelo órgão superior hierárquico, sem que haja alteração da competência, é cabível a aplicação da teoria da encampação para suprir a irregularidade.
  2. O exercício da atividade policial deve ser desenvolvido sob o regime de dedicação integral, haja vista a natureza do serviço prestado, que exige a presença do policial em qualquer momento do dia ou da noite, o que impossibilita a assunção de qualquer emprego no âmbito civil, salvo as exceções legalmente previstas no Estatuto dos Policiais.
  3. Segurança denegada.’

Nas razões do recurso ordinário (e-STJ, fls. 85-96), descreve o recorrente que o ato coator é consubstanciado pela determinação para que opte pelo cargo que exerce na polícia, em razão de possuir outro emprego de técnico de enfermagem no Sesi. Defende o impetrante que, apesar de ser técnico em segurança pública do Estado, exerce função de saúde no banco de sangue do hospital da corporação e que, portanto, haveria possibilidade jurídica para acumulação, com base no art. 37, XVI, ‘c’, da Constituição Federal, bem como no art. 28, § 3º, da Lei Estadual 2.066/1976 (Estatuto Estadual dos Policiais Militares).

Contrarrazões (e-STJ, fls. 125-160) nas quais alega que a Constituição Federal veda a acumulação de cargos públicos por militares, com força do art. 142, § 3º, II e VIII. E, ademais, aduz que a hipótese dos autos não se refere ao art. 37, XVI, ‘c’, da Carta Política, já que a acumulação pleiteada é de um cargo público com emprego privado, que seria impossível no regime castrense.

(…)

VOTO

Assiste razão ao recorrente.

Há que fixar as balizas fáticas da controvérsia.

O recorrente é soldado de 1ª classe da Polícia Militar do Estado de Sergipe (e-STJ, fl. 15) e possui emprego privado (e-STJ, fl. 16) em entidade paraestatal, no caso, o Serviço Social da Indústria (Sesi). Note-se que, no cargo militar, o recorrente atua na área de saúde, como se comprova nos autos (e-STJ, fls. 30-31).

Neste sentido, o opinativo do Parquet (e-STJ, fl. 173):

‘Desta forma, como o impetrante não desempenha função tipicamente exigida para a atividade castrense, e sim atribuição inerente à profissão civil (técnico de enfermagem no Banco de Sangue do Hospital Militar), como está comprovado pelos documentos assinados pelo impetrante ‘Requisição de Transfusão’ e ‘Evolução de Enfermagem’ (fls. 31/2), é possível a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar.’

Logo, a questão vertente não está cingida à fixação da possibilidade de acumular dois cargos, empregos ou funções estatais.

O tema diz respeito à incidência, ou não, da proibição de exercer qualquer outra atividade profissional por servidores militares, mesmo que eles atuem, no caso, na área de saúde.

O Tribunal de origem denegou a ordem, com base na interpretação de que o recorrente não pode acumular as atividades privadas com o cargo público, porquanto o art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal, aplicável aos militares dos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, da Carta Política, estabelece que a posse em novo cargo civil enseja a passagem à reserva. Firma, ainda, que o exercício funcional dos servidores militares exige a dedicação integral que, no entender, ensejaria incompatibilidade, com base no art. 30, I, da Lei Estadual 2.066/1976.

Por fim, o Tribunal de origem demonstra que a sua conclusão partiu da premissa fática de que o servidor é militar e que exerce atividades de natureza castrense. Cito (e-STJ, fl. 80):

‘Ademais, registro que o caso em voga não constitui a hipótese prevista no art. 28, § 3º, da Lei 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Sergipe), como quer fazer crer o impetrante. Aquele dispositivo, citado na exordial, excepciona o exercício de atividades no meio civil, para os policiais militares integrantes do Quadro de Saúde, o que não é o caso do impetrante, que é soldado.’

Pois bem. Decido.

O douto parecer do Parquet federal demonstra com ênfase que sobreveio alteração constitucional – art. 37, XVI, ‘c’, por força da Emenda Constitucional 34/2001 -, que ensejou alteração jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Relevante conferir os julgados aludidos:

‘Recurso extraordinário. 2. Acumulação de cargos. Profissionais de saúde. Cargo na área militar e em outras entidades públicas. Possibilidade. Interpretação do art. 17, § 2º, do ADCT. Precedente. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.’

(RE 182.811/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 30.5.2006, DJ 30.6.2006, p. 35, Ement. vol. 2.239-02, p. 351, LEXSTF, vol. 28, nº 331, 2006, p. 222-227.)

‘RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. ENFERMEIRA DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. CUMULAÇÃO COM O CARGO DE ENFERMEIRA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTIGOS 37, INCISO XVI, ‘C’, COM O ARTIGO 42, § 1º, E 142, § 3º, II, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

  1. Diante da interpretação sistemática dos artigos 37, inciso XVI, alínea ‘c’, com o artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição de 1988, é possível a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis.
  2. Recurso conhecido e provido.’

(RMS 22.765/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 3.8.2010, DJe 23.8.2010.)

 

Em síntese, os acórdãos indicam que, por interpretação sistemática, é possível acumular cargos militares com empregos ou funções públicas, desde que as atividades sejam sempre exercidas na área de saúde.

No caso em tela, cabe frisar a existência de permissão jurídica para que os servidores militares da área de saúde possam exercer outra atividade, desde que haja compatibilidade. À semelhança do regime jurídico federal, o Estado de Sergipe também abarca a possibilidade no seu Estatuto dos Militares (Lei Estadual 2.066/1976), como bem sinaliza o MPF (e-STJ, fl. 174):

 

‘Por fim, observa-se que o art. 28, § 3º, da Lei Estadual 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Sergipe) permite a acumulação de cargo na área civil dos profissionais integrantes do Quadro da Saúde, ‘no intuito de desenvolver a prática profissional’, sendo permitido o exercício da atividade técnica-profissional, no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço, e este dispositivo legal deve ser estendido a todos os policiais militares que atuem efetivamente não em atividade castrense típica, e sim, como é o caso do impetrante (técnico em enfermagem), em funções típicas da área da saúde, abrangendo, além de médicos, enfermeiros e outros profissionais da área da saúde.’

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário.

É como penso. É como voto.’

 

Veja-se outro precedente emanado do STJ, também em votação unânime, favorável à acumulação versada nos autos do TC 015.649/2011-3, conforme ementa a seguir (RMS 33.357/GO, Segunda Turma, julgamento em 20.9.2011, DJe 26.9.2011):

 

‘CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. MILITAR. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS PÚBLICOS DE MÉDICO. ART. 37, XVI, ‘C’, COM O ART. 42, § 1º, E ART. 142, § 3º, II, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PLEITO. PRECEDENTES. DIVERGÊNCIA. MONOCRÁTICAS.

  1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que denegou a segurança em postulação acerca da possibilidade de acumular cargo militar privativo de médico com outro cargo civil, também de médico. A denegação fundou-se em duas razões. A primeira decorre do entendimento de que o art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal, aplicável aos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, da Carta Política, veda o exercício de outra atividade aos servidores militares. A segunda decorre de que o art. 142, § 3º, VIII, não recepcionou a isonomia de direitos dos militares com os civis e, logo, não haveria falar em direito à acumulação.
  2. O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que deve haver interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, nestes casos, com a adjudicação do direito de acumulação aos servidores militares que atuem na área de saúde: RE 182.811/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 30.6.2006, p. 35, Ement. vol. 2.239-02, p. 351, LEXSTF, vol. 28, nº 331, 2006, p. 222-227. Neste sentido, no STJ: RMS 22.765/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 23.8.2010.
  3. A jurisprudência trazida como divergente – oriunda do STF e do STJ – refere-se a decisões monocráticas e a um indeferimento de liminar. Ao ponderar sobre a prevalência de entendimento na interpretação da Constituição e da legislação federal, deve-se atribuir força primária aos acórdãos.

Recurso ordinário provido.’

 

As pertinentes ponderações do Ministro Humberto Martins no voto condutor do RMS 33.357 bem contextualizam os fatos e os contornos jurídicos da matéria, impondo-se, portanto, a transcrição de alguns excertos da aludida deliberação:

 

‘Cuida-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por MARCELO DE SOUZA E SILVA, com fundamento no art. 105, II, ‘b’, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado (e-STJ, fls. 187-188):

‘MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. VEDAÇÃO. MÉDICO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE GOIÁS. MÉDICO DA SECRETARIA DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL. MILITAR EM ATIVIDADE. OBSERVÂNCIA À REGRA CONTIDA NO ART. 142, § 2º, II E III. NÃO APLICAÇÃO NO DISPOSTO NO ART. 37, XVI, ‘C’. RESSALVA DO ART. 17, § 1º, DO ADCT. NÃO INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA.

1 – Ao integrante das Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – em atividade é proibida a acumulação do cargo militar que ocupa com outro cargo ou emprego público permanente ou temporário, implicando a afronta a tal vedação no seu deslocamento para a reserva ou agregação, nos moldes da regra estatuída no art. 142, § 3º, II e III.

2 – A previsão constitucional de acumulação de cargos públicos constante do art. 37, XVI, ‘c’, refere-se aos servidores civis, considerando que os militares subordinam-se ao regramento próprio contido no art. 142, § 3º, II e III, da Carta Magna.

3 – A ressalva constante do art. 17, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT atinge apenas os médicos que se encontravam exercendo dois cargos públicos na data de entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, tendo em vista que se tratando de regra de natureza transitória, cuja função é regular situações que encontravam consolidadas, não pode a mesma ser transformada em norma de natureza permanente e alcançar situações que somente tornariam-se estáveis após a promulgação da Carta Magna.

4 – Inexistindo afronta a direito líquido e certo do impetrante, a denegação da segurança é medida que se impõe.

Segurança denegada.’

 

Nas razões do recurso ordinário, o recorrente postula que é possível a acumulação dos dois cargos que ocupa – médico na Polícia Militar do Estado de Goiás e médico na Secretaria de Saúde do Distrito Federal, com base no art. 37, VI, ‘c’, art. 42, § 1º, e art. 142, § 3º, X, todos da Constituição Federal. Alega que a legislação estadual de regência (Lei 8.033/1975, Estatuto dos Militares) permite o direito. Menciona que o seu cargo no Estado de Goiás está enquadrado como de Primeiro Tenente; porém, que seu concurso previu o provimento exclusivo por médicos e que suas atribuições funcionais são inerentes à área de saúde. Alega que sua jornada de trabalho, também, está fixada como médico, e não como militar (e-STJ, fls. 195-217).

Contrarrazões nas quais se alega que o cargo ocupado é de militar e que, portanto, impõe-se a vedação prevista no art. 142, § 3º, II. Também, frisa que o inciso VIII do mesmo artigo não outorgou aos servidores militares a isonomia do alegado direito no rol daqueles listados. Logo, não seria possível a aplicação do art. 37, XVI, ‘c’, ao caso do recorrente. Traz decisões monocráticas do STF (RE 592.207 e o AI 734.060) e do STJ (RMS 29.827/RJ) em seu socorro (e-STJ, fls. 251-262).

Parecer do Subprocurador-Geral da República opina no sentido do não provimento do recurso ordinário, em parecer cuja ementa transcrevo (e-STJ, fl. 289):

 

‘Recurso em mandado de segurança. Acumulação de cargos públicos. Médico da Polícia Militar do Estado de Goiás e Médico da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Impossibilidade. A despeito do art. 37, XVI, ‘c’, da CF/1988, referir-se genericamente à possibilidade de acumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, quando houver compatibilidade de horários, os militares, acerca do tema, receberam disciplinamento específico na Lei Maior. Com efeito, o art. 42, § 1º, combinado com o art. 142, § 3º, II, da Constituição, estabelece que o militar da ativa que tomar posse em cargo ou emprego civil permanente será transferido para a reserva. Inexistência de direito líquido e certo a ser resguardado na via estreita do mandamus. Parecer no sentido do desprovimento do recurso.’

 

É, no essencial, o relatório.

 

VOTO

 

Assiste razão ao recorrente.

Há que fixar as balizas fáticas da controvérsia.

O recorrente ocupa dois cargos públicos, concernentes a atividades de médico. O primeiro, oriundo de concurso público, no Estado de Goiás, no qual foi provido como Primeiro Tenente, com exercício na Polícia Militar. O segundo, também de médico civil, na Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

O tema diz respeito à possibilidade constitucional de serem acumulados dois cargos com atividades na área de saúde, sendo um deles exercido em lotação militar. A quaestio iuris demanda que haja opção por duas interpretações críveis.

O Tribunal de origem denegou a ordem, com base na interpretação de que o recorrente não pode acumular os dois cargos, porquanto o art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal, aplicável aos militares dos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, da Carta Política, estabelece que a posse em novo cargo civil enseja a passagem à reserva. Firma, ainda, que o art. 37, XVI, ‘c’, da Carta Política de 1988 somente seria aplicável aos servidores civis; baseia essa interpretação no silêncio em dar equivalência do inciso XVI do art. 37, por parte do art. 142, § 3º, VIII.

Pois bem. Decido.

O douto parecer do Parquet federal, exarado no RMS 32.930/SE, demonstra com ênfase que sobreveio alteração constitucional – art. 37, XVI, ‘c’, por força da Emenda Constitucional 34/2001 -, que ensejou alteração jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Relevante conferir os julgados aludidos:

(…)

Em síntese, os acórdãos indicam que, por interpretação sistemática, é possível acumular cargos militares com empregos ou funções públicas, desde que as atividades sejam sempre exercidas na área de saúde.

Faz-se necessário frisar que a jurisprudência divergente, trazida nas contrarrazões – oriunda do STF e do STJ – refere-se a decisões monocráticas. No caso do STF: RE 592.207/MG, e o Agravo de Instrumento 734.060/DF, ambas de Rel. Min. Ricardo Lewandowski. No caso do STJ, o RMS 29.827/RJ, Rel. Min. Felix Fischer; e a MC 16.481/GO, na apreciação de liminar.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário.

É como penso. É como voto.’

 

Mais um precedente unânime do STJ (RMS 33.550/RJ, Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgamento em 21.6.2011, DJe 1º9.2011):

 

‘ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FISIOTERAPEUTA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 37, INCISO XVI, ‘C’, C/C OS ARTS. 42, § 1º, E 142, § 3º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES DO STF E STJ.

  1. Trata-se na origem de Mandado de Segurança contra ato do Secretário de Estado de Planejamento e Gestão do Rio de Janeiro. O impetrante sustenta a legalidade do acúmulo de cargos de fisioterapeuta concursado da Polícia Militar e do Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras.
  2. Diante da interpretação sistemática do art. 37, XVI, alínea ‘c’, c/c os arts. 42, § 1º, e 142, § 3º, II, da Constituição de 1988, é possível acumular dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis. Precedentes do STF e STJ.
  3. Recurso Ordinário provido.’

 

Colhe-se, por oportuno, trecho do voto do Ministro Herman Benjamin:

 

‘Posta a divergência instalada pelo colendo Supremo Tribunal Federal sobre a cumulação de dois cargos de profissionais de saúde à luz da interpretação dos §§ 1º e 2º do artigo 17 do ADCT, passo à análise acerca da possibilidade de cumulação de dois cargos de profissionais de saúde, um no âmbito do serviço público civil, e outro na esfera militar, sob a leitura do artigo 37, inciso XVI, alínea ‘c’, em face do disposto no artigo 142, § 3º, inciso II, todos da Carta Cidadã de 1988.

A meu sentir, a vedação estabelecida pelo artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição Federal reflete-se apenas nos militares que possuem a função tipicamente das Forças Armadas, cujos critérios e requisitos da seleção para a ocupação dos respectivos postos espelham o nível de dificuldade que a atividade castrense exige.

No caso dos autos, o manual do candidato do concurso público para ingresso na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, em relação aos profissionais da área de saúde, não indica ‘postos militares’ a serem equiparados como cargos, mas atividades civis, cujos requisitos não exigem a capacidade para as atribuições tipicamente castrenses, e sim o exercício das funções de profissionais de saúde.

Portanto, na medida em que não há o exercício de atividades tipicamente militares, e sim atribuições inerentes a profissões de civis, não vejo óbice a permitir a possibilidade de acumulação de cargos de profissionais de saúde.

Nesse contexto, de acordo com a interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, a recorrente, que inicialmente ocupava o cargo de enfermeira na municipalidade do Rio de Janeiro e, posteriormente, ingressou na Polícia Militar do referido Estado, em preenchendo os requisitos estabelecidos pelo artigo 37, inciso XVI, alínea ‘c’, da Constituição Federal, tem o direito de acumular os dois cargos privativos de profissionais de saúde, uma vez que, no âmbito da caserna estadual, não exerce a função tipicamente militar, de maneira que a vedação contida no artigo 142, § 3º, inciso II, a ela não se aplica.

Diante do exposto, conheço do recurso ordinário e lhe dou provimento, a fim de conceder a segurança e permitir a acumulação de cargos públicos privativos de profissionais de saúde, desde que obedecidos os requisitos constitucionais expressos no artigo 37, inciso XVI, alínea ‘c’, da Constituição de 1988.’

No âmbito do TC 015.649/2011-3, o Ministério Público manifestou-se no sentido de o TCU:

‘a) conhecer da presente Representação, para, no mérito, considerá-la procedente;

  1. b) reafirmar o entendimento de que, por força do disposto nos artigos 21, inciso XIV, 70, parágrafo único, e 71, inciso II, da Constituição Federal, c/c os artigos 1º, inciso I, e 5º, inciso I, da Lei 8.443/1992, os recursos federais destinados à organização e à manutenção da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal estão sujeitos às ações de controle e fiscalização do Tribunal de Contas da União (g., Acórdãos 739/2004 e 824/2004, ambos do Plenário);
  2. c) determinar ao Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal que observe a jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF: AI 551988, Despacho do Relator Ministro Marco Aurélio; STJ: RMS 22.765/RJ, AgRg no RMS 28.234/PA, RMS 32.930/SE, RMS 33.357/GO e RMS 33.550/RJ) e a deliberação do TCU no tocante à possibilidade de acumulação de cargo/emprego/função pública por parte de militar profissional de saúde (Acórdão 3.295/2010 – Plenário), com profissão regulamentada, nos termos do artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal, desde que respeitados a compatibilidade de horários (g., Acórdão 5.737/2011 – 1ª Câmara) e o teto remuneratório previsto no inciso XI do aludido dispositivo da Lei Maior;
  3. d) dar ciência desta deliberação aos órgãos distritais de segurança pública, bem como ao Governo, à Procuradoria-Geral e ao Tribunal de Contas do Distrito Federal.’

Após a intervenção do Ministério Público no TC 015.649/2011-3 (dezembro de 2011), novos precedentes do STJ surgiram no cenário jurídico.

A título de ilustração, veja-se decisão monocrática proferida no âmbito do RMS 29.025 (DJe 11.4.2012):

‘RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MANDADO DE SEGURANÇA. CUMULAÇÃO DE CARGOS. ESFERAS CÍVEL E MILITAR. ATIVIDADE EXCLUSIVAMENTE MÉDICA. POSSIBILIDADE.

  1. Em se tratando de dois cargos privativos da área da saúde, é possível a cumulação, desde que o cargo desempenhado na esfera militar não seja de caráter tipicamente castrense.
  2. Recurso em mandado de segurança a que se dá provimento.’

Na esteira do entendimento que se vem firmando no âmbito do STJ, outros tribunais vêm reconhecendo a possibilidade de cumulação na área de saúde, conforme julgados, por exemplo, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios –TJDFT (destaques não são do original):

‘AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRANTE. DOIS CARGOS PÚBLICOS. CORPO DE SAÚDE DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA. ENFERMEIRA APOSENTADA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO. ENFERMEIRA DA SECRETARIA DE SAÚDE DO DF. DETERMINAÇÃO DE OPÇÃO. LIMINAR. CONCESSÃO. SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA. ART. 142, § 3º, INCISO II, DA CF. ABRANDAMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

O objetivo da impetração consiste em se determinar a possibilidade da acumulação de cargo de militar reformada da FAB e de enfermeira da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

A aplicação do art. 142, § 3º, inciso II, da CF, pode ser abrandada desde que no cargo militar a pessoa não desempenhe atividades exclusivamente de militar, como ocorre no caso da impetrante que desempenhava a função de enfermeira no quadro da Força Aérea Brasileira.

(Acórdão 556256, 20110020196481ªGI, Relator LÉCIO RESENDE, 1ª Turma Cível, julgado em 14.12.2011, DJ 12.1.2012, p. 39).

‘MANDADO DE SEGURANÇA. CUMULAÇÃO DE CARGOS DE NATURAZA CIVIL E MILITAR. MÉDICO MILITAR DO EXÉRCITO BRASILEIRO E MÉDICO DO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO DISTRITO FEDERAL. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. POSSIBILIDADE.

É possível a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, nas esferas civil e militar, desde que haja compatibilidade de horário e o servidor não desempenhe na instituição militar as funções típicas da atividade castrense. Precedente do STJ (RMS 32930/SE).

(Acórdão 549174, 20090110083617ªPC, Relator CARMELITA BRASIL, 2ª Turma Cível, julgado em 16.11.2011, DJ 22.11.2011, p. 91)

A acumulação de proventos ou de proventos e vencimentos no âmbito civil somente é permitida, conforme visto, quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição (v.g., STF/RE 163.204 e Acórdão 2.829/2009 – TCU – 2ª Câmara).

No âmbito militar, a função de magistério civil não é cumulável com a função tipicamente militar. Embora a Carta Cidadã de 1988 não tenha repetido o comando do artigo 93, § 9º, da EC 1/1969, que permitia ao militar da reserva e aos reformados desempenharem função de magistério, regra atualmente positivada no artigo 57 da Lei 8.880/1980, a vasta jurisprudência ora trazida aos autos denota que as exceções previstas no inciso XVI do artigo 37 são aplicáveis, em tese, aos militares ativos que não exerçam atividades tipicamente castrenses, bem assim aos militares da reserva remunerada ou reformados.

Em sua instrução, a Sefip destacou, com base em julgados do STJ e desta Corte e ante a ausência de definição constitucional ou infraconstitucional, que (peça 2):

  1. a) cargo técnico ou científico, para os efeitos da acumulação prevista na letra b do inciso XVI do artigo 37 da CF/1988, é aquele para cujo exercício são exigidos conhecimentos técnicos específicos ou habilitação legal, não necessariamente de nível superior (RMS 20.033/RS, DJ 12.3.2007), e que o fato de o cargo ocupado exigir apenas nível médio de ensino, por si só, não exclui o caráter técnico da atividade, uma vez que o texto constitucional não exige formação superior para tanto, sendo necessária a comprovação de atribuições de natureza específica (RMS 12.352/DF, DJ 23.10.2006);
  2. b) no voto condutor do Acórdão 211/2008 – 2ª Câmara, o Ministro-Relator Aroldo Cedraz manifestou-se no sentido de que ‘as acumulações observadas não se encaixam na permissão de acumulação conferida pelo inciso XVI do art. 37, ‘b’, da Constituição Federal, visto que a leitura do dispositivo permite considerar a possibilidade de acumulação de cargo técnico ou científico que requeira a aplicação de conhecimentos científicos ou artísticos obtidos em nível superior de ensino ou mesmo os cargos de nível médio para os quais se exige conhecimento técnico ou habilitação legal específica para o seu provimento, não sendo aceitos, para esse fim, os cargos e empregos cujas atribuições se caracterizam como de natureza burocrática, repetitiva e de pouca ou nenhuma complexidade’.

De fato, cargos/empregos cujas atribuições ostentem características simples e repetitivas afastam a incidência do permissivo do artigo 37, inciso XVI, alínea b, da Constituição (STF, AI 192.918-AgR, DJ de 12.9.1997).

Conforme manifestação do nobre Ministro Marcos Bemquerer, ao examinar matéria análoga (Acórdão 2.485/2008 – Plenário):

‘22. Os argumentos invocados pela servidora, conforme apontado pela unidade técnica, são incapazes para descaracterizar a irregularidade na acumulação de cargos públicos, porquanto não apontam situação de acumulação admitida pela norma constitucional nem pela jurisprudência.

  1. Não obstante as várias atribuições do cargo de Técnico Judiciário e sua respectiva importância para o bom desempenho das atividades da Justiça Trabalhista, ressalto, tal como fiz na Proposta de Deliberação condutora do Acórdão 572/2008 – 1ª Câmara, que, apesar do nome do cargo trazer a expressão de ‘Técnico’, isso, por si só, é insuficiente para classificá-lo na categoria do cargo técnico ou científico a que se refere o art. 37, inciso XVI, alínea b, da Constituição Federal.
  2. Ademais, destaco, com base na jurisprudência do TCU e STJ (v.g.: Decisão 87/2002 – 2ª Câmara, Acórdão 408/2004 – 1ª Câmara, ambos do TCU, e RMS 2.124/RR, RMS 14.456/AM, RMS 6.116/SC, todos do STJ), que o cargo técnico a que alude o dispositivo constitucional acima referenciado é aquele que requer conhecimento específico na área de atuação do profissional, não sendo admissível a acumulação dos cargos de Técnico Judiciário, de nível médio, para o qual não se exige qualquer formação específica e cujas atribuições são de natureza eminentemente burocrática (…).’

Na mesma linha, o entendimento adotado no Acórdão 1.587/2008 – 1ª Câmara, nos termos do sumário do julgado e do voto condutor do Ministro Guilherme Palmeira:

‘PESSOAL. ADMISSÃO. ACUMULAÇÃO DO CARGO DE PROFESSOR SUBSTITUTO COM EMPREGO PÚBLICO DE ESCRITUTÁRIO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA TÉCNICA OU CIENTÍFICA DESTE ÚLTIMO. PRECEDENTE. ILEGALIDADE DO ATO. NEGATIVA DE REGISTRO. LEGALIDADE DOS DEMAIS ATOS. DETERMINAÇÕES.

Para fins da acumulação prevista no art. 37, inciso XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal, não se qualifica como de natureza técnica ou científica o cargo cujas atribuições sejam meramente operacionais ou burocráticas.’

‘VOTO

(…)

Conforme ressalta o Parquet, depreende-se do quadro constante da fl. 10 que a Srª (…) acumula o cargo de escriturário do Banco do Brasil com o cargo de professor de 3º grau substituto.

Ocorre que, em recente julgado da 2ª Câmara (Acórdão 211/2008), tratando de situação análoga, entendeu por bem este Tribunal considerar ilegal a referida acumulação, por falta de respaldo legal, ainda que comprovada a compatibilidade de horários.

Deveras, ao que se verifica das exigências para ocupação do referido cargo, infere-se que o mesmo não se qualifica como de natureza técnica ou científica, tendo, na verdade, natureza burocrática e operacional. Logo, não preenche os requisitos estabelecidos no art. 37, inciso XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal.

Desta forma, embora reconhecendo a relevância das atribuições exercidas pela Srª (…) no âmbito do Banco do Brasil, entendo que seu ato de admissão deve ser considerado ilegal, ressalvando-se a possibilidade da interessada optar entre o emprego público e o cargo de professor substituto, dispensando-a, contudo, do ressarcimento das quantias até então indevidamente percebidas, já que houve contraprestação laboral.’

Também merece destaque o posicionamento do eminente Ministro Raimundo Carreiro, acolhido pela 2ª Câmara, por meio do Acórdão 7.021/2010:

‘Conforme consta do relatório precedente, cuidam os autos de ato de concessão de aposentadoria ao Analista de Indústria Gráfica Legislativa do Senado Federal, Carlos Alberto de Melo Cruz, com possível acumulação irregular desta aposentadoria com a de Professor do Quadro de Pessoal do Governo do Distrito Federal.

  1. Ressalto que a acumulação indevida fora identificada por este Tribunal nos autos do TC 014.491/2006-8, que tratou de Tomada de Contas referente ao exercício de 2005 da Secretaria Especial de Editoração e Publicações do Senado Federal – Seep e do Fundo da Secretaria de Editoração e Publicações – Funseep.
  2. Naquela ocasião, por intermédio do Acórdão 2.701/2008-TCU-1ª Câmara, determinou-se a anulação do ato e cancelamento dos pagamentos relativos à aposentadoria do servidor ora interessado.
  3. Analisando a acumulação indevida suscitada, cabe tecer maiores esclarecimentos. A Constituição Federal prevê, dentre outras, a seguinte possibilidade de acumulação lícita de cargos públicos:

‘Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

  1. b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico.’
  2. Sobre a natureza técnica do cargo, esclarecedor é o seguinte excerto do voto condutor do Acórdão 408/2004-TCU-2ª Câmara, da lavra do eminente Ministro Humberto Guimarães Souto:

‘Manifesto minha anuência à proposição da insigne representante do Ministério Público, haja vista a conceituação de cargo técnico ou científico, para fins da acumulação permitida pelo texto constitucional, abranger os cargos de nível superior e os cargos de nível médio cujo provimento exige a habilitação específica para o exercício de determinada atividade profissional, a exemplo do técnico em enfermagem, do técnico em contabilidade, entre outros.’

  1. Esse é o entendimento que já havia sido consolidado no âmbito deste Tribunal pela Decisão 87/2002-2ª Câmara, do qual trago excerto de seu relatório:

‘A jurisprudência do STJ definiu, de forma pacífica, que o cargo público para cuja investidura seja exigida, tão somente, a escolaridade de nível secundário (2º grau completo) não configura cargo técnico para efeitos do dispositivo constitucional referente às acumulações lícitas de cargos públicos, sendo irrelevantes a definição do cargo e o fato de o servidor ser ou não diplomado em grau de nível superior. São exemplos dessa jurisprudência os seguintes julgados: RMS 6116-SC/95, ROMS 7632-DF/96, ROMS 7570-PB/96 (fls. 133/137, vol. 1).

Em seu Voto no RMS 6116-SC/95, o Exmo Sr. Ministro Fernando Gonçalves, ao se referir a cargos que exigem apenas escolaridade secundária, definiu claramente que verbis ‘não podem ser classificados (…) como técnicos ou científicos, por não exigirem conhecimento específico de nível superior ou profissional. Assim, a simples denominação técnico não configura o permissivo autorizado na ordem jurídica’ (fl. 133, vol. 1).’

  1. Compulsando a Resolução 58/1972 do Senado Federal, que trata do Regulamento Administrativo daquela Casa Legislativa, temos que seu art. 77 assim dispõe acerca das atribuições do cargo ocupado pelo interessado:

‘Ao Analista Legislativo, Área de Apoio Técnico ao Processo Industrial Gráfico, Especialidade Processo Industrial Gráfico, incumbem atividades de planejamento, supervisão, coordenação, programação ou execução especializada, em grau de maior complexidade, de pesquisas, análises, projetos e estudos referentes ao processo industrial gráfico; emissão de pareceres técnicos sobre definição de sistemas, equipamentos e matérias-primas; e executar outras tarefas correlatas.’

  1. Considerando, portanto, que o cargo ocupado pelo interessado é de nível superior e exige conhecimentos profissionais específicos na área de processo industrial gráfico, entendo que se enquadre devidamente na definição de cargo de natureza técnica para fins da acumulação prevista no art. 37, XVI, ‘b’, da Constituição Federal. Resta verificar, agora, se houve compatibilidade de horários entre os cargos exercidos.’

Retomando o exame da questão central de que trata a presente Consulta, o fato de se tratar de carreira militar não exclui, de pronto, a existência de cargos técnicos no meio castrense.

A possibilidade de acumulação de cargos por parte de militares, quer ativos, quer inativos, tem encontrado limites na recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que restringe a constitucionalidade da cumulação ao desempenho de atividades não tipicamente castrenses.

É nesse sentido, além dos precedentes citados anteriormente, a decisão monocrática do Ministro Vasco Della Giustina, do STJ, nos autos do RMS 24.280 (decisão de 26.9.2011, publicação em 3.10.2011):

‘Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por CARLOS ALBERTO FERREIRA DE CASTRO, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. CUMULAÇÃO DE CARGOS. ASPIRANTE A OFICIAL DO CORPO DE BOMBEIROS E MAGISTÉRIO. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 37, XVI, DA CF/1988 AOS MILITARES. REGRAMENTO ESPECÍFICO PREVISTO NA CARTA CONSTITUCIONAL. LEGISLAÇÃO ESTADUAL PERMISSIVA DA ACUMULAÇÃO NÃO RECEPCIONADA PELA CONSTITUIÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA.

I – O art. 37, XVI, da CF/1988, que prevê as exceções à impossibilidade de cumulação de cargos, não tem aplicação aos militares, sendo expressa a exclusão no art. 142, § 3º, VIII, da norma constitucional;

II – Embora o art. 103, VIII da Lei 5.251/1985 traga permissão acúmulo de cargo de magistério com a carreira militar, tal dispositivo não foi recepcionado pela Magna Carta, que expressamente prevê a obrigatoriedade de transferência para a reserva militar que tomar posse em cargo ou emprego público civil, sem excepcionar o magistério;

III – Precedente deste Tribunal;

IV – Ação mandamental denegada, por ausência de violação a direito líquido e certo. Decisão unânime. (e-STJ fl. 92)

Alega o recorrente, em síntese, a possibilidade de acumulação de cargos públicos de servidor militar e de magistério.

O Ministério Público Federal, no parecer do Exmo Subprocurador José Eduardo de Santana, opinou pelo desprovimento do recurso (e-STJ fls. 122/128).

É o breve relatório.

DECIDO.

A irresignação não merece prosperar.

Anota-se que a jurisprudência assente deste Egrégio Tribunal entende que ‘diante da interpretação sistemática do art. 37, XVI, alínea ‘c’, c/c os arts. 42, § 1º, e 142, § 3º, II, da Constituição de 1988, é possível acumular dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis’.

Confiram-se os seguintes precedentes:

(…)

In casu, verifica-se que o impetrante exerce função tipicamente militar sendo aspirante a oficial do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Pará, não sendo possível a acumulação de cargos.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

Publique-se. Intimem-se.’

A possibilidade de acumulação de cargos por militares que não exercem função tipicamente militar aplica-se também, por evidente, aos inativos. Se podem acumular na atividade, com muito mais razão poderão fazê-lo na inatividade. Não há nisso dificuldade alguma de compreensão.

Considerando, porém, que, nos termos do § 10 do artigo 37 da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional 20/1998, somente é permitida a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do artigo 40 ou dos artigos 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, no caso de cargos acumuláveis na forma da Constituição, cargos eletivos e cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, poderiam sustentar os partidários de interpretações mais restritivas que, não sendo possível a acumulação da atividade civil da docência com a atividade dos militares que desempenham atividades tipicamente castrenses, também na inatividade isso não se poderia dar.

Esse argumento parece impressionar a muitos, tanto que tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição 215/2003, a qual recebeu, em 3.4.2012, requerimento de inclusão na Ordem do Dia e cujo teor é o seguinte:

‘Acrescenta o § 3º ao art. 42 da Constituição Federal que dispõe sobre os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60, § 3º, da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto Constitucional.

Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar acrescida da seguinte alteração:

‘Art. 42………………………………………………………………………..

  • 3º Aplica-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios a vedação constante do art. 37, exceto quando, além da compatibilidade de horários, a acumulação com o cargo militar for um de professor, um técnico ou científico ou um cargo privativo de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas’.

Art. 2º Esta proposta de emenda constitucional entra em vigor na data de sua publicação.’

Essa PEC tem por base os seguintes fundamentos:

‘JUSTIFICAÇÃO

Busca a presente proposta evoluir a nossa lei maior, aperfeiçoando um dispositivo que pode e merece ser reformado. Embora desenvolvam atividades extremamente técnicas ou científicas, algumas vezes atuando até mesmo na área da pesquisa, a natureza da função dos militares os impede de acumular outros cargos possíveis às demais categorias como nas áreas de saúde ou de educação, professor por exemplo. Várias oportunidades não são possíveis a esses profissionais pela simples condição de ser militar. Nessas instituições existem milhares de profissionais que podem e querem contribuir com algo mais, principalmente nas áreas de saúde e educação, molas mestras entre as prerrogativas estatais. No momento em que o País necessita afirmar perante o mundo a sua capacidade de propiciar uma melhor educação e implantar um atendimento de saúde eficiente, alimentar uma norma de exclusão não corrobora com os ideais republicanos de fazer da cultura e do saber o dínamo para o fortalecimento do Brasil. A proibição de acumulação, empedernida à realidade de um novo momento, representa um anacronismo, se entendermos que a educação e a saúde não podem prescindir dos melhores e mais qualificados profissionais. A educação, semente do germinar de um povo livre e do alvorecer de uma nação independente, não deve estar atada a obstáculos formais, pois a sua causa plural assume contornos majestosos. O acesso universal à educação é um direito de todos; não existem mais fronteiras para as pessoas que distribuem o saber, são cidadãos cosmopolitas com reconhecimento erga omnes. Predestinados às causas de interesse comum, médicos, enfermeiros, professores, técnicos e cientistas não podem sofrer restrições. Onde quer que desenvolva o seu trabalho, deve, antes, ser assistido, auxiliado, facilitado e reconhecido. Afora isso, a interação construtiva entre os operadores da segurança pública e estudantes desde as primeiras séries do ensino fundamental vai operar uma importante união entre o conhecimento e a inexperiência nessa importante prioridade para a população, que é o combate à violência e à criminalidade, onde o beneficiado será a sociedade. Na saúde e na educação, prioritariamente, esse incentivo ilimitado tem o poder de engendrar um ciclo fértil de motivação, num levante nacional pela qualidade de vida, no qual os militares podem e querem participar. Não podemos eximir a voluntária participação desses profissionais qualificados, principalmente no atendimento público, onde a maioria da população é assistida. São essas razões que sustentam e recomendam a aprovação da presente proposta e com as quais conto com o consciente apoio dos amigos parlamentares.

Sala das Sessões, em 24 de novembro de 2003.

Deputado Alberto Fraga.’

Ao ver do Ministério Público, a solução dessa questão não carece de alteração alguma no texto constitucional. A resposta a essa indagação extrai-se naturalmente da principiologia que informa nossa Carta Magna

As mesmas razões constitucionais que autorizam o servidor civil ativo a cumular seu cargo de natureza técnica com outro de magistério se apresentam com muito maior intensidade quando se trata de servidor civil aposentado ou militar da reserva remunerada ou reformado.

O que a Constituição Federal quis e quer nunca foi realçar o acréscimo remuneratório que um ou outro indivíduo terá com a atividade de docência, mas, antes de tudo, prestigiar a nobre função do magistério, essencial para o desenvolvimento de toda e qualquer sociedade e com muito mais razão em um país subdesenvolvido como o nosso, que precisa formar quadros qualificados para o país em todas as áreas.

Um país como o Brasil, e a Constituição Federal reflete isso ao permitir a cumulação de que se trata, não pode se dar ao luxo de excluir da possibilidade de docência os profissionais mais gabaritados, mais experientes, pouco importando se em sua atividade anterior eram eles civis ou militares.

Em matéria de cumulação de proventos com remuneração de cargo de magistério, uma interpretação restritiva, muito mais que restringir o direito de um indivíduo ou um grupo de indivíduos, seria extremamente punitiva para a sociedade, destinatária das promessas e anseios constitucionais.

Evidente que o militar que desempenha atividade tipicamente castrense não pode dedicar-se a nenhuma outra atividade enquanto estiver no serviço ativo. Há aí uma patente incompatibilidade de natureza ontológica, razão mesma da regra constitucional restritiva.

Já uma vez transferido para a reserva remunerada ou reformado, nada mais obsta que possa contribuir com o país formando novas gerações de profissionais. Isso não deve ser apenas permitido, deve ser prestigiado, deve ser louvado e, a nosso sentir, está em plena consonância com a vontade e com o espírito de nossa Constituição.

Não se trata de conferir tratamento mais benéfico aos militares que aos civis, dado que estes não podem cumular na inatividade cargos que não poderiam cumular na atividade. É exatamente o contrário. O regime dos militares é que é mais restritivo que o dos civis enquanto estão em atividade, ressalvados, como visto, os que não desempenham atividades tipicamente castrense. Passado o período de atividade, nenhuma razão mais subsiste para que se não igualem os militares e os civis quanto à possibilidade de cumularem seus proventos com a remuneração de novo cargo civil de docência. Essa igualdade na inatividade não torna o regime jurídico dos militares mais benéfico que o dos civis. Continua sendo mais restritivo, porém com restrições incidindo apenas nas situações em que há uma razão ontológica para tanto.

Ao ver do Ministério Público, com todas as vênias aos que pensam o contrário, trata-se de uma questão de justiça, de inteligência e de bom senso.

Por todo o exposto, manifesta-se o Ministério Público no sentido de que o Tribunal:

‘I. conheça dos presentes elementos como Consulta, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 264, inciso VII, e 265 do Regimento Interno desta Corte, esclarecendo ao consulente que:

  1. as regras previstas nos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição Federal de 1988, quanto à acumulação de cargos públicos, são aplicáveis aos militares da reserva remunerada ou reformados, da mesma forma que para os demais servidores públicos, por força do disposto no § 10 do art. 37 da Constituição Federal
  2. a exceção prevista no inciso XVI, alínea c, do art. 37 da Constituição Federal de 1988, por cuidar de atividades que não são tipicamente castrenses, é aplicável também aos militares da ativa, observada a compatibilidade de horários;

III. os militares que não podem acumular cargos públicos são:

  1. a) no âmbito dos três comandos militares, qualquer militar da ativa, com exceção daqueles que desempenhem funções privativas de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, bem como os que tomarem posse em cargo ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, nos termos do inciso III do § 3º do art. 142 da CF/1988;
  2. b) os militares da reserva remunerada ou reformados do Exército, nos seguintes casos:

b.1) soldados;

b.2) cabos;

b.3) terceiros-sargentos pertencentes ao QE (Quadro Especial);

b.4) sargentos para os quais não se exige formação técnica especializada ou nível superior de escolaridade;

b.5) não alcançados pelas ressalvas previstas no inciso XVI do art. 37 da CF/1988;

  1. c) quanto aos militares da reserva remunerada ou reformados da Marinha e da Aeronáutica, a aplicação do art. 37, § 10, e inciso XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal de 1988 deve ser precedida da aferição, caso a caso, se determinado posto ou graduação, quando em atividade, correspondia a cargo técnico ou científico, com exceção dos oficiais, visto que possuem nível superior de escolaridade;
  2. em todos os casos de acumulações permitidas, aplica-se o teto remuneratório à soma das remunerações e proventos; e
  3. arquive o presente processo.”

 

É o Relatório.

VOTO

 

Em exame Consulta formulada ao Tribunal pelo Senhor Ministro de Estado da Defesa, tendo por objetivo esclarecer dúvida sobre a possibilidade de militar inativo cumular cargo público de magistério, com base na aplicação analógica do art. 37, inc. XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal.

  1. A Secretaria de Fiscalização de Pessoal – Sefip examinou a matéria, concluindo a sua instrução com proposta de encaminhamento no sentido de que o Tribunal:

 

“I. conheça dos presentes elementos como Consulta, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 264 e 265 do Regimento Interno desta Corte, esclarecendo ao consulente que:

I.1. as regras previstas nos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição Federal de 1988, quanto à acumulação de cargos públicos, são aplicáveis aos militares da reserva remunerada ou reformados, da mesma forma que para os demais servidores públicos, por força do disposto no § 10 do art. 37 da Constituição Federal;

II.2. os militares que não podem acumular cargos públicos são:

  1. a) no âmbito dos três comandos militares, qualquer militar da ativa, com exceção daqueles alcançados pelo § 1º do art. 17 do ADCT, bem como os que tomarem posse em cargo ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, nos termos do inciso III do § 3º do art. 142 da CF/1988;
  2. b) os militares da reserva remunerada ou reformados do Exército, nos seguintes casos:

b.1) soldados;

b.2) cabos;

b.3) terceiros-sargentos pertencentes ao QE (Quadro Especial);

b.4) sargentos para os quais não se exige formação técnica especializada ou nível superior de escolaridade;

b.5) não alcançados pelas ressalvas previstas no inciso XVI do art. 37 da CF/1988;

  1. c) quanto aos militares da reserva remunerada ou reformados da Marinha e da Aeronáutica, a aplicação do art. 37, § 10, e inciso XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal de 1988 deve ser precedida da aferição, caso a caso, se determinado posto ou graduação, quando em atividade, correspondia a cargo técnico ou científico, com exceção dos oficiais, visto que possuem nível superior de escolaridade; e

III. arquive o presente processo.”

 

  1. O Ministério Público oficiou nos autos por intermédio do Senhor Procurador Júlio Marcelo de Oliveira, o qual destacou, inicialmente, que requereu vistas destes autos por tratar-se de matéria idêntica àquela analisada no âmbito do TC 015.649/2011-3, relativo a Representação por ele formulada.

3.1.        Em seguida, faz menção à decisão monocrática proferida pelo Senhor Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, ao examinar Mandado de Segurança 17.447/DF, impetrado pelo militar da reseva Mauricio Panzini Brandão, mediante o qual deferiu, parcialmente, liminar para garantir ao impetrante o direito à posse no cargo de Professor Titular do Instituto de Tecnologia da Aeronáutica – ITA sem a necessidade de apresentação de termo de opção pela remuneração do cargo ou emprego.

3.2.       No mérito o Representante do Parquet especializado concordou com as conclusões da Sefip, com ressalvas apenas quanto aos militares da ativa que desempenham atividades privativas de profissionais de saúde com profissões regulamentadas. Explicou, a propósito, que estes últimos, mesmo na ativa, podem acumular sua atividade no âmbito militar com outro cargo de natureza civil, observados o teto remuneratório e a compatibilidade de horário. Prosseguindo em sua argumentação, o Senhor Procurador citou alguns julgados deste Tribunal, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que dariam suporte ao seu entendimento ora apresentado neste caso.

3.3.         Em conclusão, o Ministério Público, manifesta-se no sentido de que o Tribunal:

 

“I. conheça dos presentes elementos como Consulta, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 264, inciso VII, e 265 do Regimento Interno desta Corte, esclarecendo ao consulente que:

  1. as regras previstas nos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição Federal de 1988, quanto à acumulação de cargos públicos, são aplicáveis aos militares da reserva remunerada ou reformados, da mesma forma que para os demais servidores públicos, por força do disposto no § 10 do art. 37 da Constituição Federal
  2. a exceção prevista no inciso XVI, alínea c, do art. 37 da Constituição Federal de 1988, por cuidar de atividades que não são tipicamente castrenses, é aplicável também aos militares da ativa, observada a compatibilidade de horários;

III. os militares que não podem acumular cargos públicos são:

  1. a) no âmbito dos três comandos militares, qualquer militar da ativa, com exceção daqueles que desempenhem funções privativas de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, bem como os que tomarem posse em cargo ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, nos termos do inciso III do § 3º do art. 142 da CF/1988;
  2. b) os militares da reserva remunerada ou reformados do Exército, nos seguintes casos:

b.1) soldados;

b.2) cabos;

b.3) terceiros-sargentos pertencentes ao QE (Quadro Especial);

b.4) sargentos para os quais não se exige formação técnica especializada ou nível superior de escolaridade;

b.5) não alcançados pelas ressalvas previstas no inciso XVI do art. 37 da CF/1988;

  1. c) quanto aos militares da reserva remunerada ou reformados da Marinha e da Aeronáutica, a aplicação do art. 37, § 10, e inciso XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal de 1988 deve ser precedida da aferição, caso a caso, se determinado posto ou graduação, quando em atividade, correspondia a cargo técnico ou científico, com exceção dos oficiais, visto que possuem nível superior de escolaridade;
  2. em todos os casos de acumulações permitidas, aplica-se o teto remuneratório à soma das remunerações e proventos; e
  3. arquive o presente processo”.

 

  1. Inicialmente, deve-se registrar que a Consulta em questão preenche os requisitos de admissibilidade exigidos no art. 264 do Regimento Interno do Tribunal, podendo, portanto, ser esta conhecida.
  2. Antes de adentrar no exame do mérito da questão, entendo oportuno registrar que encontrar resposta para a dúvida suscitada na presente Consulta não é tarefa das mais fáceis, porquanto envolve uma série de questões a serem consideradas, sem contar a condição peculiar inerente aos militares brasileiros, a carência de disciplinamento normativo especifico sobre o assunto.
  3. Deve-se esclarecer, ademais, que a abrangência da análise a ser empreendida pelo Tribunal deve ficar adstrita ao objeto da Consulta formulada pelo Senhor Ministro da Defesa, qual seja, “acerca da possibilidade de militar inativo cumular cargo público de magistério, com base na aplicação analógica do art. 37, inc. XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal”.
  4. Nesse sentido, não me parece adequando que o Tribunal adentre por questões que não estão diretamente relacionadas com a dúvida suscitada pelo Consulente, como propõe o Representante do Ministério Público.
  5. De qualquer sorte, considero importante que esta Corte de Contas apresente resposta à indagação que lhe foi formulada, já que o deslinde da questão pode ter grande repercussão no seio das Forças Armadas e, por conseguinte, na Administração Pública Federal como um todo.
  6. Iniciando o exame da matéria propriamente dita, observa-se que a temática da acumulação de cargos públicos está presente no ordenamento jurídico há muito tempo. Consoante leciona João Lopes Guimarães “o nascedouro da vedação de acumular cargos remonta à Carta Régia de 1.629, passando por Alvarás, vários Decretos Reais que proibiam que a pessoa tivesse mais de um ofício”.
  7. Mais próximo ao nosso tempo, consta que foi publicado o Decreto da Regência de 18 de junho de 1822, assinado por D. Pedro e referendado por José Bonifácio de Andrada e Silva, o qual continha vedação à acumulação de cargos públicos, por esta implicar prejuízos à Administração Pública.
  8. Tais exemplos de normativos disciplinadores da matéria são evidências de que já naquela época tão remota havia a preocupação em se observar se o indivíduo detentor de mais de um cargo público de fato exercia suas funções a contento e, com isso, não traria prejuízo para Administração Pública.
  9. Estas mesmas premissas foram incorporadas no direito constitucional brasileiro, a partir da Carta Política de 1891, a qual, em seu art. 73, vedou acumulações remuneradas. Daí em diante a vedação de acumulação de cargos públicos passou a estar presente em todas as Constituições Brasileiras, variando tão somente quanto à abrangência da proibição e em relação às exceções estabelecidas à regra geral de não acumulação.
  10. Como se sabe, a atual Constituição do Brasil estabeleceu como regra básica a proibição à acumulação de cargos, empregos e funções pública, sendo ressalvados tão somente os casos expressamente nela enumerados, a exemplo dos dispositivos constantes do. 37, inciso XVI, alíneas a, b e c, 38, 95, inciso I, e 128, inciso II, alínea d, da Carta Magna.
  11. Observa-se, assim, que em relação aos servidores públicas e aos demais beneficiários das exceções estabelecidas, quanto à acumulação de cargos, empregos e funções públicas, porquanto os normativos específicos e a jurisprudência, em especial a do Supremo Tribunal Federal, já delimitaram o alcance e a abrangência da matéria, inclusive após as a publicação das Emendas Constitucionais 20/1998 e 34/2001.
  12. O mesmo não se pode dizer da situação dos militares, em relação a qual pairam muitas dúvidas sobre o assunto, haja vista, inclusive, os termos da própria Consulta em exame.
  13. Como se sabe, a situação dos militares é peculiar. Eles têm características próprias que os diferenciam dos servidores públicos civis e, também, os impedem de usufruírem de diretos que são concedidos aos servidores públicos civis. Por exemplo, a eles são impostas várias proibições, entre estas, do direito de greve, de sindicalização, de filiarem-se a partido político enquanto estiverem em serviço ativo.
  14. Outra limitação importante imposta aos militares diz respeito à proibição de exercer qualquer outra atividade alheia à sua carreira, incluindo o exercício de cargo, emprego ou função pública enquanto em atividade, esta a questão relacionada com a dúvida suscitada na Consulta.
  15. Nesse aspecto, devo registrar que, a rigor, não se pode afirmar que os militares estejam sujeitos ao “regime de proibição de acumular”, mas ao de incompatibilidade de exercer outra atividade estranha à sua carreira.
  16. Reforça essa assertiva o fato de que, logo que foi incluída na Constituição Federal a menção aos militares, especificamente, na Carta Política de 1934, apareceu não propriamente a regra de vedação à acumulação, mas o impedimento de que os militares da ativa pudesse exercer qualquer cargo público permanente.
  17. Nesse mesmo sentido, constou do art. 164 da Constituição de 1934, disposição no sentido de que “Será transferido para a reserva todo militar que, em serviço ativo das forças armadas, aceitar qualquer cargo público permanente, estranho à sua carreira, salvo a exceção constante do art. 172, § 1º” (os cargos de magistério e técnicos-científicos), desde que houvesse compatibilidade dos horários de serviço.
  18. Posteriormente, a referência aos militares apareceu, também, nas Constituições de 1937, 1946, 1967 e 1988, sempre com disposições na mesma linha daquela inaugurada na Lei Fundamental de 1934.
  19. Na Constituição de 1946, além da regra de impedimento que o militar pudesse aceitar cargo público, apareceu, pela primeira vez, a menção de que essa transferência seria feita na forma da lei. Disposição nesse mesmo sentido constou das Constituições seguintes.
  20. Especificamente quanto à Constituição de 1988, esta após a alteração incorporada pela Emenda Constitucional 18, consta do art. 142, inciso X, disposição no sentido de que “a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra”.
  21. Pode-se se afirmar que a regra genérica de acumulação de cargos, empregos e funções públicas contida no art. 37, inciso XVI, alíneas a, b e c, da Constituição Federal destina-se aos servidores públicos civis, não se aplicando aos militares, os quais dispõem de disciplinamento especifico, consubstanciado no art. 142 antes mencionado.
  22. De outra parte, o inciso VIII do § 3º do art. 142 do Constituição Federal foi taxativo ao mencionar que somente se aplicam aos militares o disposto no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, não alcançando, portanto, o inciso XVI, não podendo interpretar-se extensivamente o Texto Constitucional, para incluir o mencionado inciso entre aqueles aplicáveis aos integrantes das Forças Armadas.
  23. É oportuno assinalar que esse entendimento, inclusive, já está consagrado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme decidido, a exemplo, no Recurso Extraordinário RE 197.479-6/DF e no Mandado de Segurança MS 566028.
  24. Essa proibição foi estendida aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, por força do contido no art. 42, § 1º, da Carta Magna, o qual dispôs sobre a aplicação a tais militares das disposições do art. 142, §§ 2º e 3º
  25. Observa-se das considerações antes expostas que, embora a Constituição Federal tenha definido que o militar da ativa que tomar posse em cargo público permanente seja obrigatoriamente transferido para a reserva, não traçou maiores detalhes sobre a matéria, como, de fato, deve-se esperar dos dispositivos constitucionais. A Carta preferiu delegar à lei o disciplinamento, entre outros aspectos, das condições em que o militar será transferido para a reserva, os seus direitos e deveres, bem assim a sua remuneração.
  26. Portanto, no silêncio da Constituição Federal as condições em que os militares serão transferidos para a reserva devem ser aquelas estabelecidas no diploma legal ao a que se refere a Carta Política como disciplinador da matéria.
  27. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o diploma infraconstitucional que dispõe sobre as condições de transferência do militar para a inatividade, antes preconizado no § 9 do art. 42, em sua redação original, e, atualmente, no art. 142, inciso X, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 18/1998, é o preexistente Estatuto dos Militares, consubstanciado na Lei 6.880/1980, o qual é considerado como recepcionado pelo atual ordenamento constitucional, conforme consta, a exemplo do MS 22.575-1/RN.
  28. Nos termos do art. 57 da mencionada Lei 6.880/1980, é possível a acumulação de proventos de inatividade pelos militares transferidos para reserva remunerada ou reformados com proventos do cargo de professor. Dispõe o dispositivo legal em referência que “a proibição de acumular proventos de inatividade não se aplica aos militares da reserva remunerada e aos reformados quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados”.
  29. É oportuno registrar que o citado Estatuto dos Militares foi alterado pela Lei 9.297/1996, a qual deu nova redação a alguns dos seus dispositivos e, inclusive, revogou o inciso XVI e o § 2º daquele normativo legal. Outras normas legais também foram editadas fazendo alterações na redação de artigos da Lei 6.880/1980, a exemplo da Medida Provisória 2.215/2001 e da Lei 8.237/1991.
  30. No entanto, em tais alterações legislativas não foi erguida qualquer óbice quanto à vigência do citado art. 57 do Estatuto dos Militares e, por conseguinte, sobre a possibilidade de militares da reserva remunerada ou reformados possam acumular proventos da inatividade com vencimentos de cargo de magistério. De igual sorte, não se tem conhecimento de lei posterior revogando o mencionado dispositivo legal.
  31. Como isso, é possível concluir que, à luz do disposto no art. 57 da Lei 6.880/1980, a situação dos militares da reserva ou reformados que passam a exercer cargo público de magistério está amparada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
  32. No que diz respeito à acumulação de proventos com vencimentos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que esta situação somente é possível quando a acumulação envolver cargos acumuláveis na atividade (RE 163.204, RE 197.699, AGRRE 245.200 e ADI 1.541-9).
  33. Posteriormente, essa regra veio a ser incluída no próprio texto da Constituição Federal, mais precisamente no seu art. 37, § 10, incluído pela Emenda Constitucional 20/1998, o qual dispõe que “È vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.”
  34. Considerando que a Carta Magna somente permite a acumulação de proventos da inatividade com a remuneração de outro cargo público nas hipóteses de cargos acumuláveis na atividade e, ainda, o fato de que o militar da ativa está proibido de acumular cargos públicos, resta a indagação a ser feita, no sentido de que: quais seriam as hipóteses de acumulação dos proventos da inatividade decorrentes dos arts. 42 e 142 da Constituição com a remuneração de cargos, empregos ou funções públicas a que se refere o mencionado § 10 do art. 37 da Carta Política?
  35. Tendo em mente a condição peculiar dos integrantes das Forças Armadas, os quais estão impedidos de exercerem qualquer outro cargo público enquanto na ativa, ainda, que passiveis de serem acumuladas pelos servidores públicos civis e, considerando o principio de que não há palavras ou expressões sem utilidade na Constituição Federal, entendo que o dispositivo constante do aludido art. 37, § 10 dever ser interpretado de forma sistêmica com o disposto no art. 142 da Carta Política, incluindo o seu inciso X, e, ainda, com os arts. 57 e 98 da Lei 6.880/1980.
  36. Fazendo-se essa interpretação sistêmica é possível chegar-se à conclusão de que o militar quando na reserva remunerada ou reformado, para os fins do disposto no referido art. 37, § 10, da Constituição, equiparam-se aos servidores civis, podendo, nesse caso, acumularem na inatividade os cargos e empregos públicos que estes últimos podem acumular na atividade, entre entres o de professor.
  37. A propósito dessa questão, é pertinente assinalar que em diversas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a posse de militar da ativa em cargo público permanente está condicionada à prévia transferência para a reserva remunerada, nos termos do art. 98, § 3º, alínea a, da Lei 6.880/1980 (MS 22.402/RJ, 22.481/SP, 22.431/MA e 310.235/RJ).
  38. Portanto, a conclusão lógica a que se chega é a de que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o militar que passar para a reserva remunerada com a autorização do Presidente da República ou do Ministro da Defesa possa exercer o magistério. Com isso, não vejo sentido em se admitir que o militar que passou para a reserva nos termos do art. 98, § 3º, do Estatuto do Militares possa acumular os seus proventos da inatividade com o vencimento do cargo de professor e, ao mesmo tempo, seja negado igual direito ao militar que voluntariamente passou à condição da reserva ou de reformado.
  39. Entendo que pensar diferente seria dar tratamento diferente a situações iguais. E mais, seria atribuir ao Presidente da República ou ao Ministro da Defesa poderes para tornar legal e legitima uma situação que aparentemente seria irregular à luz da Constituição Federal. Ou seja, acumulação dos proventos da inatividade com vencimentos do cargo de professor seria legal apenas por conta da autorização do Mandatário da Nação ou do Ministro de Estado. Somente vejo sentido nessa interpretação se esta puder alcançar, igualmente, os militares inativados por vontade própria.
  40. É oportuno assinalar que o Supremo Tribunal Federal já deliberou nesse mesmo sentido. É o que se depreende do Acórdão proferido no Mandado de Segurança 22.182-8/RJ, no qual o STF decidiu que a questão da acumulação de proventos com vencimentos, quer se trate de servidor público militar, quer se trate de servidor público civil, se disciplina constitucionalmente de modo igual.
  41. Assim, entendo que a presente consulta deve ser respondida afirmativamente quanto à possibilidade de que o militar inativo exerça cargo de magistério público e acumule os seus proventos da inatividade com os vencimentos do cargo de professor.

Com essas considerações, acolho os pareceres emitidos nos autos, com os ajustes considerados necessários, e Voto no sentido de que o Tribunal adote a deliberação que ora submeto à apreciação deste Plenário.

 

Sala das Sessões, em 15 de maio de 2013.

 

 

AROLDO CEDRAZ

Relator

 

ACÓRDÃO Nº 1151/2013 – TCU – Plenário

 

  1. Processo TC 036.695/2011-4
  2. Grupo I – Classe III – Consulta.
  3. Interessado: Celso Amorim, Ministro de Estado da Defesa.
  4. Órgão: Ministério da Defesa.
  5. Relator: Ministro Aroldo Cedraz.
  6. Representante do Ministério Público: Procurador Júlio Marcelo de Oliveira..
  7. Unidade Técnica: Secretaria de Fiscalização de Pessoal – Sefip.
  8. Advogado constituído nos autos: não há.

 

  1. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos que tratam de Consulta formulada ao Tribunal pelo Senhor Ministro de Estado da Defesa, Celso Amorim, tendo por objetivo esclarecer dúvida sobre a possibilidade de militar inativo cumular cargo público de magistério, com base na aplicação analógica do art. 37, inciso. XVI, alínea ‘b’, da Constituição Federal.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator e com fundamento no art. 1º, inciso XVII, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, em:

9.1. conhecer da Consulta formulada pelo Senhor Ministro da Defesa, Celso Amorim, para responder-lhe que, à luz do disposto nos arts. 37, § 10, 142, § 3º, incisos II e III e X, da Constituição Federal e nos arts. 57 e 98 da Lei 6.880/1980, é possível ao militar inativo exercer o cargo de magistério público e acumular os seus proventos da inatividade com os vencimentos do cargo de professor.

9.2. encaminhar cópia deste Acórdão, acompanhado do Relatório e do Voto que o fundamentam, à autoridade consulente; e

9.3. arquivar o presente processo.

 

  1. Ata n° 16/2013 – Plenário.
  2. Data da Sessão: 15/5/2013 – Ordinária.
  3. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1151-16/13-P.
  4. Especificação do quorum:

13.1. Ministros presentes: Augusto Nardes (Presidente), Valmir Campelo, Benjamin Zymler, Aroldo Cedraz (Relator), José Jorge, José Múcio Monteiro e Ana Arraes.

13.2. Ministros-Substitutos convocados: Marcos Bemquerer Costa e André Luís de Carvalho.

13.3. Ministro-Substituto presente: Weder de Oliveira.

 

 

(Assinado Eletronicamente)

JOÃO AUGUSTO RIBEIRO NARDES

(Assinado Eletronicamente)

AROLDO CEDRAZ

Presidente Relator

 

 

Fui presente:

 

(Assinado Eletronicamente)

LUCAS ROCHA FURTADO

Procurador-Geral, em exercício

 

 

 

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Sociedade Militar