Forças Armadas

AGU e Marinha vencidos! Editor de revista online não pode ser obrigado a revelar dados sobre FONTE

Transitou em julgado o processo movido pelo editor da Revista Sociedade Militar onde contestava o direito da força em constranger militar da reserva no exercício da profissão de jornalista a revelar dados sobre fonte consultada para matéria publicada na revista online. A Marinha do Brasil apurava se militar entrevistado teria praticado infração disciplinar durante discussões no CONGRESSO NACIONAL sobre Projeto de Lei  da reestruturação dos militares. Contudo, a editoria se negou a fornecer informações que pudessem ajudar na identificação da fonte.

Durante o ano de 2019 por seguidas vezes militares da reserva se confrontaram verbalmente com parlamentares ligados ao governo por conta do projeto de lei conhecido como reestruturação das carreiras. Alguns dos momentos considerados mais tensos ocorreram quando os chamados “generais-deputados” apresentavam suas razões em defesa do governo e suboficiais e sargentos contestavam.  Mostrando a sua visão, graduados alegavam que o projeto de lei da reestruturação poderia na verdade estar privilegiando os militares que ocupam a cúpula da estrutura militar e prejudicando aqueles que ocupam as graduações mais baixas, aposentados e pensionistas.

A Revista Sociedade Militar acompanhou de perto toda a movimentação, ouvindo vários dos atores que participaram dos eventos e publicando notas periódicas informando o público.

Ao final da tramitação as Forças Armadas acabaram por enquadrar vários militares por supostas contravenções disciplinares e numa delas o editor da Revista Sociedade Militar foi intimado para depor. A Marinha insistia em requerer informações que ajudassem a identificar o autor de declarações transcritas em matéria publicada no site.

Ante a insistência da força naval no que diz respeito ao fornecimento de dados, sentindo-se pressionado, o editor responsável ingressou com Habeas Corpus.

HC APRESENTADO POR DR CLÁUDIO LINO

A AGU, chefiada por André Mendonça, por meio de documentos e contrarrazões apresentados por oficiais da força naval, tentou convencer a JUSTIÇA FEDERAL que militares na reserva mesmo no exercício de outras atividades poderiam ser enquadrados por prescrições regulamentares relacionadas à atividade militar. Os magistrados discordaram cabalmente e – por fim – o próprio Ministério Público, instado a opinar, indo de encontro da AGU solicitou o acatamento do Habeas Corpus impetrado pelo militar-jornalista.

O transito em julgado foi decretado nessa terça-feira, 27 de julho de 2021.

Palavras do editor da RSM

“… Não podemos colocar a liberdade de imprensa e dever de manter sigilo funcional nem dos jornalistas nem de outros profissionais como médicos, advogados e professores que são militares da reserva debaixo dos coturnos dos oficiais generais. A justiça tem que estar vigilante porque vivemos um período atípico, a presença maciça de militares no governo e as prerrogativas, inclusive salariais, que recentemente conquistaram, podem dar a alguns a impressão de que generais teriam braços mais longos do que realmente têm. É preciso que fique bem claro, para o bem de todos, militares e civis, até onde podem ir de fato os chamados altos coturnos. Me valendo aqui de parte da bela decisão no HC a favor da revista Sociedade Militar, completo dizendo que: “ a necessária circunscrição da atividade do poder estatal se mostra especialmente necessária no caso presente, para clareza das autoridades do seu campo de atuação constitucionalmente autorizado”. (Robson Augusto)

Veja abaixo dados do processo

Na sentença confirmada pelo colegiado do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO e transitada em julgado nessa terça-feira – 27 de julho de 2021 – a autoridade deixou claro que em uma democracia a estrutura das Forças Armadas não pode ser usada como ferramenta de violação de direitos, se impondo sobre cidadãos militares ou civis. Chama a atenção também a lembrança de que os atos administrativos e sanções disciplinares estão sujeitos a fiscalização do poder judiciário.

PRESIDENTEDESEMBARGADORA FEDERAL VERA LUCIA LIMA DA SILVA
PARTE AUTORAROBSON AUGUSTO … (PACIENTE/IMPETRANTE)
ADVOGADOCLÁUDIO LINO DOS SANTOS SILVA (OAB SP311077)
PARTE RÉ… – COMANDO DO 1 DISTRITO NAVAL – RIO DE JANEIRO (IMPETRADO)
PARTE RÉUNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (IMPETRADO)
MPFMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

… os atos de procedimentos e processos administrativos militares de que possam resultar sanções disciplinares a membro das Forças Armadas – como é o caso da notificação para apresentar-se como testemunha na sindicância em questão – sujeitam-se a controle judicial de legalidade…

… é possível constatar que o paciente, jornalista e suboficial da reserva de primeira classe da Marinha do Brasil, foi notificado para, na condição de testemunha, prestar depoimento nos autos da sindicância instaurada pela Portaria n.º 1.158, de 11/11/2019, do Comandante do 1º Distrito Naval, cujo objeto era “apurar supostas condutas que atentam contra [a] hierarquia e a disciplina militar praticadas por militar da reserva…

… um artigo jornalístico de sua autoria, publicado no site “Revista Sociedade Militar”, teria motivado a instauração da sindicância aqui referida, tendo por objeto a apuração de condutas supostamente atentatórias à hierarquia e à disciplina militar, praticadas pelo militar da reserva citado pelo paciente no referido artigo jornalístico…

… é manifesto que o paciente, no ato, calou-se, precipuamente, como forma de assegurar os seus direitos como profissional da imprensa …  o objetivo da acareação é extrair do paciente informação que confirme ou contraste as declarações do sindicado, o que viola seu direito constitucional de manter o sigilo da fonte. Registro que o paciente já afirmou em depoimento prévio que avalia necessária a preservação…

A atividade jornalística como um todo deve ser resguardada como indispensável instrumento e dimensão da liberdade. A necessária circunscrição da atividade do poder estatal se mostra especialmente necessária no caso presente, para clareza das autoridades do seu campo de atuação constitucionalmente autorizado. Isto porque a presença de militares na governança do Poder Executivo conduz, automaticamente, que sua atuação seja submetida ao escrutínio da crítica democrática…

… (ADRIANA ALVES DOS SANTOS CRUZ TRF-5ª Vara Federal )

Revista Sociedade Militar

Veja o artigo: O LOBBY MILITAR NO CONGRESSO, ISSO É ÉTICO, É LEGAL?

 

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Sociedade Militar