Forças Armadas

Miopia parlamentar! Quarentena eleitoral significa menos sargentos e mais generais na política

Esse texto foi construído após questionamentos feitos por dois amigos jornalistas. Ambos escrevem para veículos de comunicação de alcance considerável no país.

Festejada por muitos que desejam, pelas mais diversas razões, afastar os militares da política, ao contrário do que se pretende, a quarentena eleitoral na verdade tende a aumentar a desigualdade e continuísmo nas Forças Armadas, acabando de vez por alijar da disputa política os militares de baixa patente, aqueles que de fato querem a todo custo humanizar e tornar mais democráticas as instituições militares brasileiras.

Quem acompanhou a tramitação do Projeto de lei 1645/2019, o último grande projeto apresentado pelo Ministério da Defesa ao parlamento brasileiro, pôde perceber o quanto houve resistência à participação de militares de baixas patentes na discussão de uma norma que importava muito para a condição de vida dessas categorias, tanto nas Forças Armadas como nas Forças Auxiliares.

Após aprovado o projeto, sob protestos de militares e gritos de traidor contra Bolsonaro, o resultado mais patente da nova norma foi a elevação do salário da cúpula enquanto os salários de grande parte da base acabaram corroídos pelo aumento dos descontos para pensão militar e outros problemas.

Pouco tempo após a aprovação percebe-se oficiais generais do governo recebendo salários acima de 60 mil reais, beneficiados pelo chamado teto duplex.

A Quarentena eleitoral, o projeto 112/2021

O texto sobre as normas eleitorais e as normas processuais eleitorais, que impõe a chamada quarentena para os militares, já aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado ao SENADO diz o seguinte:

3º Nos termos das condições estabelecidas no § 8° do art. 14 da Constituição Federal, os militares da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios devem afastar-se de suas atividades ou serem agregados, independentemente do exercício de função de comando, no prazo de até 4 (quatro) anos anteriores ao primeiro dia do período exigido para a escolha dos candidatos e deliberação das coligações, do ano em que se realizarem as eleições.

O Congresso nacional trata a categoria militares como se fosse completamente uniforme, como se todos gozassem dos mesmos direitos, tivessem a mesma carreira e a mesma influência. É como se todos tivessem estrelas nos ombros e pudessem se assentar ao lado do Presidente da República em seu jatinho, recebendo um salário de 63 mil reais mensais, morando em mansões luxuosas e sendo servidos por dezenas de empregados, tudo isso pago pelo trabalhador brasileiro.

Ao contrario do que aparentemente se pensa, menos de 1% dos militares chega aos postos de oficial general e a esmagadora maioria, cerca de 95% da categoria, nunca chega a ocupar cargos de comando. Estes são a plebe, o baixo clero, aqueles que ao tentar se introduzir na política não estão preocupados em levantar questões distantes da realidade do brasileiro médio, como o ingresso do Brasil na OTAN, em manter um constante e descontextualizado discurso de luta entre comunismo e capitalismo ou se fulano ou beltrano foi ou não chamado de torturador.

Essa gente, a maior parte dos que pegarão em armas se o país um dia ingressar numa guerra, se preocupa com coisas simples como colocar a comida na mesa, em conquistar uma casa própria, em não ser discriminado por conta de seu modo de vida e em criar seus filhos com dignidade.

Na discussão da chamada quarentena há questões importantes que precisam ser levadas em consideração.

Vejam abaixo, os casos são reais, os nomes foram substituídos por outros, fictícios.

Se a quarentena eleitoral existisse hoje e as eleições fossem daqui a 4 anos o sargento JOSÉ DA SILVA, da Marinha, servindo em um quartel do Rio de Janeiro, extremamente criticado por conta do seu modo de vida considerado atípico para os padrões militares atuais e recentemente preso porque fez declarações criticando Jair Bolsonaro, não poderia disputar as próximas eleições.

Quem acredita que um homem que recebe 4 mil reais mensais por mês, com 32 anos de idade, têm patrimônio suficiente para se afastar por 4 anos da instituição de onde tira o seu sustento?

O sargento JOSÉ DA SILVA é militar na ativa, com apenas 15 anos de serviço ativo ele não pode ser transferido para a reserva remunerada.

Ele viveria de que durante esses quatro anos enquanto aguarda as próximas eleições?

Tem mais problemas por aí. Como militar da ativa ele não pode sequer se filiar a um partido político e mesmo que pudesse não teria nenhuma garantia de que mesmo se desligando da Marinha quatro anos antes das eleições irá conseguir vaga como candidato em algum partido.

Aliás, nenhum cidadão tem vaga garantida para disputar eleições. Não basta querer e não dá pra fingir que é fácil.

Sem colocar aqui situações complicadas como a falta de dinheiro até para se deslocar em campanha, pulamos para a parte final do processo. E se ele conseguisse disputar as eleições e não fosse eleito? Poucos sabem, mas sua próxima promoção seria atrasada em 4 anos! Também demoraria mais quatro anos para se aposentar!

Promoção para militares de baixas patentes significa dinheiro, não status. Um aumento de cerca de 700 reais no salário do referido sargento ajudaria muito na tentativa de um financiamento para a casa própria ou – quem sabe – no pagamento da mensalidade de uma faculdade, que o ajudaria a melhorar de vida, quem sabe conseguiria das baixa das Forças Armadas, sonho de muitos dos graduados e oficiais das camadas médias.

As dificuldades são muitas também para o trabalhador – militar. É o caso do sargento, que não faz parte das elites militares e – aliás – nunca vai fazer, pois sua carreira não permite isso.

Um sargento não pode chegar a oficial general, a hierarquia militar brasileira funciona como se fosse um sistema de castas, há limites que impedem que o membro de um grupo hierarquicamente inferior ascenda até o topo da estrutura.

Assim como é em uma sociedade onde vigora o sistema de castas, o lugar até onde pode-se chegar em uma sociedade militar é definido no nascimento. E este – no caso do militar – pode se dar em uma “maternidade” de elite, como a AMAN ou ESCOLA NAVAL, onde nascem aqueles que chegam a generais e almirantes, ou em uma maternidade de plebeus, que entre os militares pode ser conhecida como chocadeira, como é o Quartel de Marinheiros lá na Vila da Penha, subúrbio carioca, onde nascem muitos dos praças da marinha do Brasil.  A maior parte dos militares que lá iniciam no serviço militar termina a carreira como sargento, alguns chegam até suboficial.

O sargento JOSÉ DA SILVA quer ser político porque acredita que há coisas que precisam ser mudadas, dentro e fora das Forças Armadas. Ele acredita que algumas coisas precisam ser interpretadas sob o prisma de quem está entre os mais baixos estamentos, que são a esmagadora maioria.

Entretanto, se a quarentena eleitoral existisse hoje o Almirante ORLEANS E BRAGANÇA que Comanda o quartel onde serve o sargento, que – aliás – foi quem o puniu por criticar Jair Bolsonaro nas redes sociais, um oficial que já tem 37 anos de serviço ativo, 7 a mais do que o mínimo exigido para se aposentar, não seria abalado por tantas dificuldades, ele poderia se afastar tranquilamente do seu cargo, bastaria para isso pedir sua transferência para a reserva remunerada e com isso extinguir o vínculo com a instituição.

Seu salário de Almirante, de cerca de 25 mil reais, que continuaria a ser depositado todos os meses, seu patrimônio construído com a renda das inúmeras viagens ao exterior onde recebeu em dólares, bônus e prêmios, além do direito que teve de viver por décadas em imóveis funcionais, o que proporcionou bela economia, garantem que mesmo fora da força tenha uma vida confortável.

Seu capital político, conquistado após anos colocando medalhas de mérito no peito de políticos conhecidos, após tê-los recebido em festas e jantares pomposos, somado ao deslumbramento que parte da sociedade tem por quem usa estrelas nos ombros, garantem que não será difícil obter uma vaga na nominata de algum partido político.

Aliás, só pra lembrar, os generais que hoje ocupam cargos eletivos já estavam na reserva remunerada quando foram eleitos, a quarentena eleitoral – caso já existisse – não os afetaria em absolutamente nada.

O general quer ser político porque acredita que as coisas precisam continuar do jeito que estão, dentro e fora das Forças Armadas.

A chamada quarentena, portanto, embora muitos “enxerguem” de forma diferente, não vai funcionar, se trata de apenas mais um projeto oligárquico no que diz respeito aos militares.

Robson Augusto / Sociólogo, jornalista, militar da reserva remunerada.

Revista Sociedade Militar

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