Forças Armadas

Agentes infiltrados são reconhecidos. Estrutura de Inteligência das Forças Armadas estaria sendo usada para vigiar militares que criticam o governo Bolsonaro

Uma manifestação realizada em frente ao Palácio Guanabara em 10 de novembro desse ano contava com a presença de militares e pensionistas das Forças Armadas e Forças Auxiliares. Segundo militares que participaram do ato, ouvidos pela Revista Sociedade Militar, havia agentes de inteligência das Forças Armadas infiltrados no meio dos manifestantes.

Qualquer pessoa que passava pelo local interpretava o movimento como perfeitamente legal, inofensivo. Afinal, vivemos em um estado de direito e é um direito de qualquer cidadão protestar contra atos do governo, por melhores salários ou por qualquer outra coisa. Todavia, como disse um suboficial ouvido pela revista, “aparentemente as coisas não são tão simples, aceitar a democracia e o contraditório não é tão fácil para alguns da elite militar“.

Segundo o militar, graduado, que tem motivos óbvios para não ser identificado, para as Forças Armadas Brasileiras a movimentação política envolvendo militares de baixa patente é motivo de preocupação. 

O monitoramento

A Revista Sociedade Militar divulgou em primeira mão, há cerca de um mês, vários relatórios de monitoramento que atestam que a estrutura de inteligência das Instituições militares foi utilizada para facilitar a aprovação de um projeto de lei de interesse da cúpula das instituições. Entre os “monitorados” estão perfis em redes sociais de militares graduados, políticos e até jornalistas.

Deputados federais e órgãos de imprensa já solicitaram à defesa várias explicações e a situação culminou em um bate boca entre o Ministro da Defesa e membros de comissão na Câmara dos Deputados. A coisa esquentou tanto que em certo momento o general Braga Netto, Ministro da Defesa – que ao negar o monitoramento se descontrolou e começou a gritar – foi repreendido, recebendo de parlamentares a determinação para que abaixasse o tom de sua voz.

Foi também mencionado por militares ouvidos pela revista que a força terrestre recentemente não considerou contravenção disciplinar a presença de um General de Divisão, na ativa, em ato político ao lado do presidente Bolsonaro e outros políticos cariocas.

Paradoxalmente, poucas semanas após, segundo denúncias recebidas, as Forças Armadas designaram agentes de inteligência para monitorar militares graduados que participariam de um protesto nas imediações do Palácio Guanabara.

Cúpula x base

Essa questão não é recente. A história mostra que apesar de fazer vista grossa no que diz respeito à politização da cúpula, as FA são pouco condescendentes quando se trata da participação de militares de baixa patente em atos políticos. Ainda em 1963 o grande jurista Barbosa Lima Sobrinho já ressaltava que quando se trata de generais politizados as forças armadas permanecem quietas, mas no que diz respeito à politização de graduados há sempre bastante ruído.

“ … não há como entender, ou justificar, que generais possam ter direito a manifestações políticas e que o mesmo direito seja negado aos suboficiais, de modo a que sejam presos aqueles que pretenderam seguir os exemplos de seus superiores hierárquicos  (…) Se a tropa se convence de que, no plano político, os superiores gozam de um direito que é recusado aos sargentos, a consequência será … a formação de um sentimento de animosidade, de um conflito que, por não se manifestar de imediato, não será menos perigoso, como uma força latente de desagregação (…)” (B. LIMA SOBRINHO, in O Semanário, 23 a 39-5-1963, p.5)

Agentes de inteligência

Militares graduados ouvidos pela Revista Sociedade Militar confirmaram que reconheceram pelo menos 3 agentes de inteligência infiltrados no protesto ocorrido no Rio de Janeiro em 10 de novembro de 2021. Os graduados invocam a lei 7.524 de 1986, que permite que militares da reserva remunerada emitam opinião sobre qualquer assunto e participem de qualquer ato político.

Ouvido pela Revista Sociedade Militar, um dos militares mais ativos na luta pela recuperação de direitos dos graduados, o suboficial da reserva Wagner (MB), declarou que na manifestação da PMERJ, bombeiros e militares das FA, havia agentes de inteligência infiltrados.  O militar é um dos organizadores de protesto marcado para o próximo dia 16 de dezembro em frente à Igreja Candelária, no Rio de Janeiro, cidade onde se concentra a maior parte dos militares da reserva do país.

… O exército… na manifestação, a última em que eu participei…  eles mandaram agentes da Marinha e Exército e se falarem que é mentira eu tenho filmagem… … … estamos amparados pela lei 7524 de 1986…

Outro militar que participou da mesma manifestação fez declarações semelhantes e confirmou a presença dos três agentes, que se infiltraram no meio dos manifestantes. Solicitando sigilo sobre sua pessoa ele disse ainda que esse tipo de coisa, que na sua visão é ilegal, acaba desestimulando a presença nos eventos para discutir política ou reivindicar alguma coisa.

Ouro militar ouvido declarou que está em tratativas com advogados sobre a possibilidade de questionar oficialmente os comandos militares locais visando entender o objetivo do monitoramento e se não seriam ações com o objetivo de desestimular a participação de militares da reserva e pensionistas em manifestações que de alguma forma se opõem a medidas implementadas pelo governo Bolsonaro.

Abaixo um dos vídeos que foram apresentados à Revista Sociedade Militar por militares que participaram da manifestação conjunta de policiais, bombeiros e militares das Forças Armadas.

A norma citada

” Lei 7524 de 1986 …  é facultado ao militar inativo, independentemente das disposições constantes dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, opinar livremente sobre assunto político, e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria pertinente ao interesse público…”

O que diz o Exército Brasileiro

Recentemente a Revista Sociedade Militar questionou o Exército Brasileiro sobre a existência de monitoramento sobre militares ou civis. A força negou taxativamente que seja feito qualquer tipo de atividade de inteligência que não seja em prol do bem comum.

A resposta recebida do Gabinete do Comandante do Exército diz que uma ação de inteligência somente pode ser empreendida se o objetivo for realizar assessoramentos de alto nível ao governo, de interesse da sociedade brasileira como um todo e que tudo deve estar ligado ao desenvolvimento de “operações, apoiando o processo decisório”.

Extrato de documento recebido em 18 de novembro de 2021

 

A manual citado acima pelo Exército Brasileiro, EB20-MC-10.207, deixa bem claro que a atividade de inteligência militar deve ser utilizada para produzir conhecimentos voltados para o atendimento de situações relacionadas a estratégia militar de defesa.

A legislação brasileira deixa claro que não pode existir interesse partidário na atividade de inteligência empreendida pelo estado.

“Decreto 8.793/2016…  A Inteligência desenvolve suas atividades em estrita obediência ao ordenamento jurídico brasileiro, pautando-se pela fiel observância aos Princípios, Direitos e Garantias Fundamentais  … não se colocando a serviço de grupos, ideologias e objetivos mutáveis e sujeitos às conjunturas político-partidárias… “

Ouvidos alguns advogados, observando a legislação que versa sobre a atividade de inteligência e resposta enviada à Revista Sociedade Militar pelo Comandante do Exército, surgem questionamentos importantes, que serão oportunamente encaminhados às autoridades.

1- Se a atividade de inteligência, conforme colocado pelo Exército Brasileiro, é em estrita obediência ao ordenamento jurídico e é de interesse da sociedade. Se não há nenhuma operação de GLO em andamento no RJ, se as FA armadas não são responsáveis pela ordem pública local e se não há em tese nada de ilegal na participação de militares da reserva em atos políticos contestando decisões do governo, a determinação para a suposta ação foi com base em que alegação ou suspeita? A legislação diz que esse tipo de atividade é excepcionalíssima e exige prévia autorização judicial. Quem autorizou a suposta infiltração, investigação, monitoramento ou coleta de dados?

2 – Não há informação de monitoramento sobre militares em manifestações pró-governo, há alguma diretriz para que a presença de militares da reserva em atos que contestem o governo atual seja monitorada ou reprimida?

3 – Se a atividade de monitoramento, coleta de dados, montagem de dossiês etc., vai contra a diretriz do próprio comando do Exército, é razoável crer que a suposta operação teria sido clandestina? A ação, se de fato ocorreu, foi executada por militares de setores de inteligência sob o comando de quem? Quais dados foram registrados e quem é o alvo da espionagem?

Robson Augusto / Revista Sociedade Militar

 

Deixe um comentário
Compartilhe
Publicado por
Sociedade Militar